Um vento frio que soprava de leste, carregando a atmosfera com um cheiro de terra úmida, apregoava uma noite de tormenta.
Ao longe, ouvia-se o chilrear frenético de pássaros em busca de abrigo e o verde viçoso inclinava reverente à passagem do verde vetusto.
A oeste o sol cingia sua auréola de cobre no horizonte, deslindando numa verdejante planície, salpicada de cores vivas, a inocência fleumática de um pequeno frontispício sombrio, perscrutando no galho de um tronco seco, fincado à margem da estrada, o balouçar de um lúgubre pêndulo.
Tal qual o laborioso mecanismo de um relógio, o bulício produzido pelo atrito entre a corda e o galho, delimitava o fluxo sinuoso do tempo. Vez por outra, acompanhava-o o piedoso arfar dos pulmões da inquisidora criança que, embora confusa e temerosa, não se desfazia daquele sinistro experimento.
A leste, avançava Thor, em uma biga plúmbea, fazendo ecoar, ao longe, o impacto de seu martelo.
A oeste, partia Apolo, em uma carruagem acobreada, despedindo-se da semi-desnuda Jaci que, deconsolada, ocultava-lhe metade de sua face prateada.
Ao centro, pairava Krshina, em sua nave ebúrnea, entoando o Baghavad Gita para acalantar as criaturas do dia e despertar as criaturas da noite.
Vindo do leste, do vazio existente entre as coisas, surgiu uma criatura, em forma de corvo, mas, que não pertencia nem ao dia nem à noite. A criatura cortou os céus num vôo rasante e pousou sobre os ombros do pêndulo, crivando seu pétreo olhar sobre a inquisidora criança.
Nesse momento, Krshna encerrou seu canto, o leite do seio desnudo de Jaci manchou o lencol celeste, o brilho da carruagem de Apolo desfez-se no horizonte e a sombra da biga de Thor assomou o contorno da inquisidora criança.
A criatura, então, a sua maneira beijar, beijou os olhos do pêndulo e a inquisidora criança, como se lhe vazassem os olhos, cerrou-os abruptamente...
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