Eu vi a fealdade em pessoa
Pálpebras caídas nos olhos grandes e fundos
Andar desajeitado, corpo esquelético
Pele sem viço, dentes podres
Cabelo desarrumado, barba por fazer
Com um jeito taciturno e receoso
Ele era o castigo de todo narcisista
Mas, uma reflexão me invadiu
Ao avistar a criatura
Um misto de pena e repulsa
De asco e solidariedade
Me coloquei por instantes no seu lugar
Acordando de manhã se olhando no espelho
Os olhares das pessoas na fila do seguro-desemprego
No ónibus ninguém senta ao seu lado (só em último caso)
As mulheres o olham e a pressa delas aumentam
A distància é a defesa dos outros, e o seu tormento
E eu que sou normal, me pego reparando aparências
Acho que o meu caráter me traiu
Até o primeiro instante, que nojo de mim mesmo
Mas no fundo queria ter a varinha mágica dos aflitos
Não sei se a revolta maior em mim, é por ele ter nascido daquele jeito
Ou por eu ter lhe reparado, não sei
Quem seria o feio nessa história?