Turbamulta
09/12
Hoje foi um dia em que, ao menos por algumas míseras horas, senti-me vivo. Esta momentànea aceitação - ou pertencimento - deveu-se ao fato de encontrar-me em meio a uma multidão.
Tenho uma atitude de glorificação, respeito e fé em relação a multidões. Sinto-me radiante ao ver aquele mar de rostos estranhos e tão distintos uns dos outros. Em segundos passam por mim diferentes gerações e estilos. À medida em que caminho, vou sendo como que energizado por aqueles indivíduos.
Como um autómato, vou fixando o olhar em cada face, em cada corpo; sinto que ouço cada palavra que não foi pronunciada. Sinto suas angústias, alegrias e, principalmente, desejos. Chega a ser palpável a tensão. Desejo e sinto-me desejado por aquelas criaturas. Palavras nem são necessárias, é o que alguns imbecis chamam de química do olhar; não há química alguma, é tesão, atração carnal, um verdadeiro ritual antropofágico.
Sim, canibalismo. É a palavra que, acredito, melhor se aproxime deste sentimento. Talvez devêssemos (re)inventar uma palavra para descrevê-lo, mas enquanto não se encontra utilizo esta mesmo.
Dizer que é uma tensão erótica implicaria numa limitação. Não, não é erótico ou sensual. É canibal, antropofágico! Quando vejo todas aquelas criaturas sinto-me uno, somos todos um só, e creio que somente nos tornaremos, verdadeiramente, unos "devorando-nos". Nem é preciso dizer que não existe qualquer distinção entre nós: não existe raça, credo, cor, idade ou sexo. É-me incrivelmente irresistível olhar e tocar estas criaturas, o desejo do (re)encontro carnal é insuportavelmente grandioso. Somente me sinto sentindo o outro.
Cada rosto, cada corpo, reacende a perseverante chama que crepita em meu peito, esse calor vai descendo e beijando cada um dos meus membros, cada um dos meus órgãos, fazendo com que todos os meus sentidos expludam em ação.
Taitson A. L. dos Santos
|