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cronicas-->Insónia -- 13/01/2002 - 23:58 (Eliane Stoducto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Outra noite de insónia... Aquilo já tinha virado rotina. Ela levantou-se da cama e foi até o espelho do banheiro espremer uns cravos na base do nariz.
De repente parou, observou o contorno dos olhos e filosofou sobre a inexorabilidade do tempo e sua relatividade. Quando se presta atenção ao tempo e se aguarda algo, cada minuto parece uma eternidade. Mas, quando estamos distraídos, quando nos damos conta, às vezes já se passaram dez, vinte anos.
Ela se encarou de novo no espelho e pensou em como tinha andado distraída. Ainda outro dia se olhara no espelho e tinha vinte anos e, hoje, o rosto de uma mulher de quarenta a contemplava. "_ Oi , estranha!" - arreganhou os dentes para a própria imagem, fazendo uma careta enlouquecida de louca furiosa e assustou-se. Imediatamente transformou os esgares ensandecidos numa máscara calma e tranquila. Deu um sorriso benigno para si mesma e pensou em como aquele sorriso era perfeito para um comercial de margarina ou de fraldas descartáveis... Só estava faltando o olhar canino, resignado, compreensivo e amoroso. Pronto! Estava perfeito. "_ Que grande atriz o mundo está perdendo..." - pensou. Nem mesmo o mais experiente psiquiatra perceberia, por detrás daquele rosto bondoso, tranquilo e tolo, o leve brilho irónico e desequilibrado da louca do espelho.
Passou um tónico no nariz avermelhado e pensou que precisava dormir, ou então, no final do mês, estaria com umas oito ou nove rugas a mais e ela não estava com a menor vontade de parecer um maracujá de gaveta aos quarenta.
Foi para o quarto e deitou-se. Apagou a luz e nada. Tornou a acender a luz e, embora já fosse terça-feira, resolveu dar uma olhadinha no intocado jornal de domingo, para chamar o sono. As denúncias de mordomias e safardagens perpetradas pela classe dominante, em confronto com a foto de um velho aposentado, com o rosto ensanguentado, por participar de manifestação pelo reajuste de pensões, deixaram-na consternada e triste. Com os olhos marejados de lágrimas, pensou em como o poder era podre (Podres Poderes, Caetano!) e em como transformava seres humanos em bestas ávidas e insensíveis. "_ Preciso comprar alguma literatura sobre anarquismo" - pensou.
Pegou então o caderno de Economia e, imediatamente, lembrou-se da imoral taxa de juros, de quase 12%, cobrada pelo seu cartão de crédito e, de que se parcelasse o pagamento do abundante, fútil e supérfluo material escolar pedido pelo colégio das crianças, fatalmente entraria num buraco negro de dívidas impagáveis. "_ Céus! Como vou descolar essa grana absurda!? Pior que tem também o IPTU e o resto das dívidas do Natal..." - e, imediatamente, pensou que precisava jogar na Loto ou na Sena, pois era urgente resolver esses problemas comezinhos.
Foi na gaveta, pegou alguns volantes de jogo e, olhando aquelas dezenas de números, sentiu-se inteiramente despreparada para marcar os números vencedores. "_ Quem sabe um pouco de radiestesia não possa me ser útil?" - pensou. Então, pegou o seu pêndulo de cristal como quem pega uma bóia salva-vidas.
Depois de mais de uma hora, o pêndulo indeciso, insistindo em lhe apontar uma infinidade de números, ao invés dos desejados, sentiu que a claridade da manhã penetrava em seu quarto, pelas frestas da veneziana. Estava amanhecendo e suas pálpebras estavam ficando pesadas, pesadas... "_ Amanhã garimpo os números" - disse para si mesma. Colocou no gravador a fita de relaxamento, apagou a luz do abajur, colocou a máscara de dormir, deitou de bruços e adormeceu com a certeza de que aquela noite de insónia tinha-lhe deixado, pelo menos, uma ruga a mais na encadernação da sua vida.
Eliane Stoducto
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