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Contos-->MÓRBIDO SEQÜESTRO -- 04/04/2002 - 12:35 (Clarissa Feder) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Era uma fria manhã de agosto. A aurora do novo dia pairava sobre um Brasil apreensivo e agônico. Chovia torrencialmente. Cansativamente, as silenciosas e monótonas horas de estudo na escola foram passando. Na hora da saída, como de costume, os alunos saiam de suas salas de aula com voracidade à procura do portão.

A rua do colégio estava alagada, pouco convidativa e mal iluminada. O lixo era levado pelas corredeiras formadas nas calçadas e, não raro, entulhava-se, obstruindo bueiros, garantindo aos garis um árduo trabalho no dia seguinte. Os estudantes tentavam desesperadamente ir ao encontro de seus pais, antes que aquele dilúvio aumentasse de intensidade. Lembro que o bico dos meus sapatos estavam molhados devido à velocidade com que eu caminhava debaixo do minúsculo guarda-chuva, insuficiente para acolher meu corpo.

Estava exausta. Na época, eu era mais uma aluna daquelas desajustadas, de poucas palavras, que nada representava. Não tinha sonhos nem pensamentos revolucionários. Uma estudante simplória demais para ser levada em consideração, que não merecia congratulações ou homenagens. Encostei junto de outros colegas num toldo preso aos muros do colégio, que nos acolhia e nos proporcionava conforto e proteção das grossas gotículas de chuva que cada vez mais caiam violentamente.

Não consigo recordar ao certo quanto tempo se passara de espera. Mas, de súbito, senti algo semelhante a um puxão. Fui ferozmente arrancada do meu abrigo. Contraí meus músculos. Respirei fundo num sorvo ruidoso, esquisito, e silenciei momentaneamente. Um homem me agarrara e apontava para mim um revólver. Gesticulva muito e tinha as mãos trêmulas.

Estaria sonhando ? Cenas que vemos todos os dias nos noticiários não acharíamos que podem ocorrer conosco. Parecia um pesadelo. O homem queria dinheiro. Queria, de fato, uma quantia absurdamente grande. Estava disposto a machucar-me se não a conseguisse.

Meus colegas olhavam para mim pasmos, incrédulos. Uma multidão aglomerava-se ao redor. A situação ficara difícil. Sobreveio um nó na garganta e uma tristeza tão grande que, não fosse a neblina da tarde, não daria para disfarçar. Meus pensamentos percorriam o passado, o presente e o futuro sem deter-se em nenhum período. A vontade minha era de sumir...
O homem estava visivelmente alterado. Sentia roçar em minha têmpora o cano do seu revólver. Pedia quatrocentos mil reais em meia hora para devolver-me intacta. Era evidente que os seguranças, alunos e professores do colégio presentes naquele momento não possuiam nem metade da quantia ansiada.

Estava com medo. Era jovem, havia muito ainda a viver. Tinha uma pontinha de esperança, como se eu fosse uma vela no fim do pavio. Desejei com toda a minha alma que tudo o que estava acontecendo fosse ilusório, fictício. Não era.

Senti um estrondo. Então percebi que o meu coração não batia, meu peito parara de chiar, meus pulmões não ardiam e o gélido ar se adensara em mim. Nem mesmo o ruído dos carros que passavam rapidamente pela rua eu ouvia. O barulho da chuva que ainda caia torrencialmente eu não escutava. Tentei sair, escapar daquele mato trancado de idéias confusas, debati-me, esperneei, fiz gestos obcenos, tive acessos de raiva e de culpa, rasguei mentalmente o peito da camiseta.
Lutei bravamente, mas cansei, desisti. Fiquei numa posição esquisita, o dorso curvado, as mãos cravadas num paralelepípedo da calçada, uma perna para cima, um sapato no chão, outro no pé, numa posição de contorcionista de circo. Fiquei imóvel um bom tempo, pensando, pensando.... meus olhos estavam abertos, com um estranho brilho. Minha boca, semi-aberta, parecia contorcida de horror... então compreendi, finalmente, que eu estava morta...

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