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Contos-->EM BUSCA DA FELICIDADE -- 04/04/2002 - 12:49 (Clarissa Feder) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Chamava-se Clara. Era uma adolescente como outra qualquer. Alimentava sua juventude com todos os sonhos a que tinha direito. Era idealista, revolucionária, sonhava com um futuro cheio de perspectivas promissoras.

Seus problemas começaram assim que seu quintal tornou-se chato e pequeno demais para as suas aventuras e, quando então resolveu tomar vôo em direção ao céu azul, descobriu, logo ao primeiro rasante, que seus pés estavam acorrentados a uma pedra que não permitia que voasse tão alto e fazia com que caísse em rumo ao chão, caso tentasse.

Tinha sempre muito medo. Uma angústia silenciosa permeava suas idéias. A cada dia deparava-se com obstáculos estranhos e cruciais para descobrir a si mesma. A escola era um universo de palavras indecifráveis, que a transportava para o mundo da biologia, dos grandes pensadores, da matemática e, não raras vezes, senos e cossenos misturavam-se em hipotenusas que não julgava ser capaz de entender. Professores ensinavam álgebra, desenho, noções de química e física, mas não a ensinavam viver. As fases da lua fundiam-se com os mundos exóticos da geografia e história – tudo muito preciso – mas os adolescentes, assim como Clara, viviam de incertezas. A escola parecia um caminho irremediável que abafava suas utopias. Mas foi nessa estrutura educacional tão conturbada, tão necessitada de uma reformulação de princípios, que Clara a conhecera.

Professora de literatura, jovem, de rosto suave e angelical. Tinhas os olhos bem claros, feito estrelas que jazem no universo e cabelos castanhos, levemente arredondados em forma de poesia. Um corpo esguio e frágil dava uma impressão de que, se ela caísse, quebraria em mil pedaços, feito estatueta de porcelana. Karen tinha personalidade tranqüila, nunca levantava a voz e nem sempre sorria, mas não havia dúvidas de que tinha o dom de ser adorada por todos os adolescentes que ficavam sob seus cuidados. Parecia compreender o assombro que tantas vezes invadem as pessoas, com um calor humano quase palpável que irradiava de seu rosto quando conversava com alguém. A paz que a iluminava e a confrangia fazia com que jovens perturbados se erguessem do degredo e voltassem a enxergar uma perspectiva de futuro.

Certa vez, depois de sucessivos fracassos nos exames, sem motivação e fatigada de todas as incertezas da vida rondando os pensamentos, Clara decidiu buscar um confortos nas palavras dessa professora. E desabafou.

Contou sobre suas inseguranças quanto ao futuro e como para ela era difícil tomar decisões! Extravasou seus sentimentos com compulsividade. Suas lágrimas quase a sufocavam. Falou sobre a ânsia de procurar sua felicidade e não encontrá-la. Confessou seu medo de viver. Sofria muito. Dizia estar cansada de encontrar sua alma mergulhada em dissabores, embebida no horror dos pensamentos que a dirigiam. Tinha o pânico impresso nos nervos da face.

A professora com toda cautela e paciência do mundo, tentou consolá-la. Ensinou-a a trilhar seu caminho averiguando cada passo dado, porém sem medo de arrependimentos ou frustrações porque a vida é única e Clara tinha que aprender a vivê-la intensamente. Disse:

- A matemática da vida realmente não é tão simples. Cada soma é também uma subtração. Quando somamos mais um ano àqueles que já vivemos, subtraímos um ano daqueles que nos restam para viver. Você está esperando demais para fazer o que precisa ser feito, num mundo que só nos dá um dia de cada vez, sem garantia do amanhã. Enquanto lamenta que a vida é curta, age como se possuísse à sua disposição um estoque inesgotável de tempo. Não espere demais nos bastidores da vida porque ela tem um papel para desempenharmos no palco. Aproveite cada momento como se fosse último. Embora com problemas, lembre-se de que a vida sempre vale a pena.

E a adolescente levantou de cabeça erguida, com a certeza de que tinha encontrado a solução para seus problemas. Tomou coragem para decidir seu caminho. Admirava a força e a sabedoria da professora e foi eternamente grata a ela.

Rabiscou algumas mal traçadas linhas num pequeno pedaço de papel. Caminhou cambaleante, com passos trêmulos, rumo ao último andar do colégio. O andar estava vazio e fez com que ela sentisse um aperto no coração porque não estava cheio. O andar vazio atestava que ninguém a impediria. Entrou na classe em que estudava e sentiu saudades de seu futuro com planos realizados. A morte anularia toda a dor que rondava seu caminho.

Olhou cautelosamente a janela. Caminhou até ela e começou seu suicídio. Quando só as pernas estavam aquém da janela, a professora Karen entrou na sala e viu os pés de Clara sumindo no limiar da paisagem. Correu à janela, viu o corpo em queda livre, mergulhando rumo à terra.

Morreu com um sorriso nos lábios. No seu bolso, um bilhete. Era para a professora. Dizia que a respeitava, que ela tinha razão a respeito de ir em busca da própria felicidade, sem medo de arrependimentos. Dizia ser essa a primeira decisão que tinha tomado por si própria e isso a tinha feito muito feliz.

Muitos anos se passaram e, no entanto, aquela imagem dolorosa da morte de Clara nunca deixou completamente de acompanhar os pensamentos da professora. Aos oitenta e três anos, um segundo antes de morrer de câncer, com a filha chorando ao lado do leito, Karen pensava na aluna caindo do oitavo andar.
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