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Poesias-->A NOITE DENTRO DA NOITE -- 29/05/2002 - 20:47 (Dante Gatto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A NOITE DENTRO DA NOITE



Ao meu filho Virgílio



A manhã chegou imperturbavelmente.

O sol me bateu na cara

indiferente a tudo que eu sentia

logo que abri a porta

para mais um dia,

interminável dia,

de horas lentas e nervosas

(como todos os dias de minha vida).





Mas nessa manhã,

que se sucedeu a uma insônia terrível,

quando em “flashes” eu reconstituí toda a minha vida,

inútil e vazia,

eu me sentia mais cansado.





Avancei pela rua a passos lentos,

mas o ponteiro dos segundos,

pesadamente,

exigia-me “responsabilidades”

que nunca antes pareceram-me tão cruéis.





Tomei o ônibus,

o mesmo de todos os dias,

que se arrastava no limite da sua capacidade,

fechando a porta com dificuldade

numa unidade aparente

de tantas faces operárias,

duras,

recrudescidas,

paradas,

como se fossem todos mortos,

como eu próprio.





Fui atacado por uma náusea súbita,

crise violenta das minhas perturbações hepáticas,

o ar se tornou irrespirável,

as janelas inacessíveis.

O barulho do trânsito retumbava na minha cabeça

que doía, meu Deus, como doía.





Senti que era o fim.

Desmaiaria?

Morreria?

Tive ânsias de gritar

e para meu próprio espanto gritei:

Chega!

Pára que eu quero descer.

Paaaaaaaaaaaaaraaaaaaaaa!





Vislumbrei figuras assustadas

e houve risos

que distingui avançando para a saída,

totalmente ébrio,

amparado por barreira de corpos

que me exprimiam ou me expeliam

na seqüência dos gingados do coletivo.





Naquele momento não me importei com nada.

Não me importei com o escândalo,

Não, nem um pouco.

O certo ou o errado?

O emprego ou o desemprego?

Viver desta ou daquela maneira?

E tudo me pareceu tão ridículo.

A aceitação me pareceu absurda!

A resignação me pareceu patética!





Ah... incomensurável chuva dos desatinos humanos.

Os padrões de comportamento

e toda sorte dos valores coletivos:

o inconsciente das massas como um mar inexpugnável

as convenções hipócritas,

os ideais mesquinhos,

o amor canalizado,

o destino delineado

e a ilusão do livre-arbítrio.





Chega!





E me senti mais lúcido do que nunca!





Como um velho vulcão subitamente ativo

atirei ao céu da minha consciência

todo magma agora incandescente

que há tanto tempo morava dentro de mim,

pesado e cálido,

latejando,

quase cristalizado pelo condicionamento,

liqüefazendo-se lentamente

em densas e amargas gotas

que abarcavam o coração cansado

numa melancolia indecifrada

que sempre me acompanhou.





Alcancei finalmente a porta de saída,

mas estava fechada.

Chutei-a no limite das minhas forças.

Tive vontade de matar o motorista com a esferográfica

e me virei com esta intenção

apoiando-me na porta que subitamente abriu.





Cairia pesadamente no chão estorricado

se uma árvore não me segurasse

com seus braços de galhos

e sombra densa e reconfortante.





E fiquei ali,

imóvel,

de olhos fechados,

quase abraçado ao tronco,

sentindo o cheiro das folhas,

sorvendo o frescor da brisa,

enchendo os pulmões,

oxigenando o cérebro,

numa satisfação demorada

sem dar conta de mais nada

na veia nervosa da cidade.





Estranhamente me senti livre.





Nessa manha eu fui a pé para o trabalho.





Dante Gatto, professor da UNEMAT, de Tangará da Serra (MT)

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