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Contos-->Isabela -- 19/05/2000 - 13:58 (Alexandre A Mascarenhas) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Ela costuma aparecer no momento exato. A noite tem um cheiro de fria, uma pequena ansiedade pode estar se aproximando e, no fundo, há uma desagradável intuição de que hoje, apesar de nunca ter sido assim, não chegará no horário que combinamos, algo sem explicação, talvez eu esteja percebendo algum sinal dela, quem sabe está em apuros e não imagino quanto tempo terei que esperar.
Começo a sentir uma leve dor nas costas e prefiro não pedir mais nada para beber, embora a insistência do garçom, que tem os olhos lentos, quase imóveis, e não para de falar.
A espera inusitada e escorregadia parece estar mais próxima de se consumar. Meus lábios acabam cedendo, amolecidos. O peito está oco e pela boca escorre uma espécie de caldo, como se fosse extraído do solo. Isabela me descobre e se aproxima. Súbito, desaparece. E torna a caminhar na minha direção. O garoto tem um ar de infeliz e não para quieto, recolhe alguns objetos que estão ao seu alcance e os atira no chão, sob a mesa. Imediatamente, tudo é recolocado onde estava. O menino aproveita e manda de volta para o chão. Uma leve neblina se insinua e ocupa, aos poucos, o recinto mutante. Nenhum sinal de Isabela.
E justamente hoje, que tudo seria tão mágico para nós dois, uma conversa que já deveria ter acontecido há muito tempo, sempre evitada e, finalmente, combinamos nos encontrar, acertamos todos os detalhes. Ao sair de casa, o telefonema de Beth, não havia mais tempo para explicar nada, apenas disse que não e ela insistiu - "vou te esperar...", desliguei. Afasto a cadeira para trás - sem ser notado - e me levanto, com ajuda da mesa fria e úmida. A neblina começa a se dispersar e some, baixa e vai sumindo! Ela é etérea.
Na verdade, não é assim tão fácil entender como surgiu e para onde vai tanta fumaça, mas de qualquer maneira, reaparecem, lentamente, alguns limites e o garçom deixa de caminhar sobre as mesas, entre a multidão de cabeças, que se esquivam da luz rala e esverdeada. A névoa é sutil e não avisa que vai chegar - ou partir. A dor nas costas penetra além dos meus ossos e atravessa minha própria sombra, inderfesa e esticada sobre o chão. A noite tem um cheiro de fria. Os olhos lentos, quase imóveis, do garçom que não abre mais a boca e faz que não me vê. O mesmo lugar de sempre.
Costumamos escolher entre as mesas que ficam mais ao fundo, mas nem tanto, um pouco afastadas do balcão oleoso, ladeado pela ansiedade dos fregueses e dos garçons, que tardam a aparecer com os pedidos. Se Isabela estivesse comigo, eu escutaria apenas a sua voz, ligeiramente baixa e rouca, o suficiente para não esconder a outra voz, que descreve seus sentimentos... se eu pudesse tocá-la! Combinamos nos encontrar e acertamos todos os detalhes, o menino inquieto continua despejando alguns objetos no chão. Lentamente, eles são recolhidos e voltam para onde estavam. O garoto, finalmente, adormece - os objetos sobre a mesa.
"Eu resolvi andar um pouco, mas peguei o caminho oposto e quando me lembrei já estava super longe...", falava sem pressa e sem culpa, os cabelos levemente molhados pela chuva fina, que eu nem percebia, apesar da mesa próxima à varanda, e a roupa colada ao corpo. O garçom se aproxima e, desconfiado, indaga se deseja alguma coisa. Ela nada responde e parece não se importar. Em seguida, passa algum tempo olhando para mim. Não fala nada, esconde um ligeiro sorriso - antes que ocupasse seus lábios -, mantém os braços adormecidos ao longo do corpo e segue, indiferente.
A conversa, novamente evitada. Uma das minhas mãos se agita, independente da minha vontade, e arrasta-se até a superfície gelada e pegajosa do copo, que está quase vazio. A névoa insiste e termina reaparecendo, novamente a ausência de limites e a luz ainda mais rala. Isabela tinha os olhos pálidos e calmos, quase imóveis. Em pouco tempo, saiu sem se despedir. Enquanto se afastava, persistia o seu olhar. Até que se apagou, em meio à fumaça. Dou mais um gole na bebida que restava. Combinamos nos encontrar e acertamos todos os detalhes, não havia dúvida e Isabela raramente se atrasa.
Antes de voltar para casa, pensei em dar uma parada e me encontrar com Beth - "vou te esperar..." -, mas acabei desistindo e resolvi andar mais depressa, o silêncio me assustava e possivelmente ela nem estivesse em casa, ou já estaria dormindo. Procurei encurtar o caminho pegando um atalho, que já havia utilizado outras vezes. Inesperadamente, encontro lixo por toda parte. Clamo pela relva, submersa e verde. Todos adormecidos, volta a chover. Poderiam ser tranças metálicas, se não fosse pela ausência da Lua.
Descubro a falta de abrigo e resolvo continuar pelo atalho fedorento. Prefiro não olhar mais para trás, uma insupotável ansiedade pode estar se aproximando. Um gato passa ligeiro pela minha frente e, súbito, desaparece - não sei como posso saber que era um gato.
Ao entrar em casa, percebi uma pequena janela que tinha deixado aberta, ou quase isso. Estranhamente, a chuva recusava-se a entrar, apenas um vento tímido, que não cessa. As cortinas movem-se lentamente, zelosas. Me sentia arrastado por uma corda imaginária e, no entanto, desejava me dirigir rapidamente até a despensa. Acabei encontrando os sacos de lixo que adquiri em um supermercado na semana passada, negros. Passei pelo banheiro e permaneci algum tempo lavando minhas mãos.
Em seguida, comecei a recolher Isabela, espalhada pelo chão, sobre o piso frio e úmido.
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