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Contos-->Viver ou morrer: uma escolha para poucos -- 19/05/2000 - 14:34 (Gustavo Rodrigues F Gomes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O lugar era fantástico, com suas florestas equatoriais e seu clima extremamente úmido. Além disso, suas praias desertas, banhadas pelas águas salobras da foz do Amazonas eram-me o ambiente perfeito para iniciar uma análise acerca da minha própria vida. E assim o fiz.
Entretanto, na viagem de barco para a ilha, sentei-me ao lado de uma senhora que influenciou-me de certa maneira na minha análise. Era uma senhora razoavelmente bem vestida. Via-se que se tratava de alguém de boa formação educacional, com uma postura e um falar corretos. Devia ter em torno de quarenta e cinco anos.
Por outro lado, por seus olhos transparecia um brilho triste, de alguém que não tem mais expectativas em relação ao mundo. Ela carregava uma ansiedade dentro de si, da qual ela própria se escondia; talvez uma angústia em relação a sua vida, como se se lamentasse por ter vivido e sofrido tanto para no final não chegar onde queria.
Puxei assunto com ela sobre a viagem em si. Disse-me que morava na ilha e que poucas vezes ia a Belém. Ultimamente, porém, ela tinha ido com mais freqüência, quase sempre de mês em mês, receber o minguado salário da aposentadoria, quando este não atrasava. Sua filha era quem recebia o dinheiro por ela, mas de uns tempos pra cá ela se negara a fazê-lo.
Senti em seus olhos, quando pronunciou essas palavras, uma tristeza, como se aquilo a incomodasse bastante. Mas ela parecia lutar contra esse sentimento. Mudamos de assunto.
Mais tarde, novamente o assunto voltou a sua vida. Só que dessa vez, ela não parecia mais querer escondê-lo; contou-me enfim o que a afligia:
- Olha, moço, é muito triste você cuidar com tanto carinho dos seus filhos e depois ver eles se afastando assim. Meu filho mais velho, o Pedro Antônio, foi embora de casa tem dois anos. Nunca mais tive notícias dele. O Milton, o do meio, casou. Ele até que de vez em quando vem fazer uma visita, coitado, mas ele trabalha tanto e mora tão longe... Ele mora em Santarém. Sobrou a minha filha, a Maria José. Ela morava comigo, mas também se mudou. Eu ainda não sei direito o que ela foi fazer em Belém. Eu estou muito desconfiada do que ela possa estar fazendo por lá. Eu não gosto de criança solta assim na cidade
(...)
"Ela tem só dezenove anos. Ela disse que queria sair de casa para poder estudar, mas eu sei que ela uer morar sozinha pra poder levar pra casa o homem que ela quiser. Quando eu viajei. E o pior é que quando voltei ela disse que seria muito melhor eu ficar longe, pra não pegar no pé dela. A gente discutiu e ela foi embora. Daí, fiquei nessa casa sozinha, sem mais ninguém. Até que fiquei doente do fígado e ela passou a me ajudar um pouco, trazendo uma vez por mês o meu dinheirinho. Só que, tem três meses, ela não vem mais. Mandou uma carta pra mim dizendo que nã precisava mais de mim, que tinha encontrado um outro "lar" pra viver. Ai, Meu Deus! Como é que os filhos podem ser tão ingratos?
Fez um gesto de reprovação com a cabeça, contra seu próprio pensamento. Depois, perguntei:
- Você não se casou?
– Casei, mas meu marido morreu logo depois que nasceu minha filha. Foi esfaqueado num barzinho lá em Belém. Foi por causa de uma aposta que ele tinha feito no jogo de dominó. Daí, ele perdeu e acabou brigando com outro sujeito. Morreu cedo, o coitado, e me deixou sozinha.
"Sabe, moço, a minha vida foi muito sofrida. Eu não tive uma mãe pra me esninar como eu deveria fazer as coisas. Nem um pai eu tive. Eu sempre aprendi na marra, batendo a cabeça. Até meus filhos eu criei sozinha. Estudei até certo ponto, mas aí tive que trabalhar... Minha tia, que me criou, não ia dar conta de me sustentar a vida toda.
"Depois, quando eu já tinha conseguido estar feliz, meu marido morreu daquele jeito. E agora, meus filhos me deixaram pra trás. Mas eu só tenho quarenta anos! Eu não merecia viver sozinha como estou."
Ela parecia realmente em decadência plena, com suas rugas alasrtando-se rapidamente sobre sua face, como se fosse uma erva daninha.
- A única coisa que me acompanha é o meu cachorro e minha garrafa de pinga. - e abriu uma sacola e mostrou-me três garrafas de cachaça. Gosto de tomar? Tomo sim. Eu não tenho ninguém... Mas tenho fé de que as coisas vão melhorar."
É uma pena, mas a verdade é mais dura do que a gente imagina. A vida daquela mulher já estava jogada no lixo. O qu emais aquela mente ignorante poderia fazer por si mesma com o objetivo de melhorar a sua condição de vida? Aquele corpo já flácido não escondia um passado em que fora cobiçado bastante, mas já carrega consigo um ar de asco e aversão. Seus sentimentos já estão minguados demais para que ela venha a se apaixonar novamente por algum outro homem. Sua vida está condenada. Não há esperanças para um ser daqueles que se remoía e se consumia nas lembranças do passado e no vício. Não havia e não houve ninguém que a amasse verdadeiramente. Em nenhum momento de sua vida ela teve condições de estudar e o que aprendeu serviu apenas para adstringir ainda mais a sua mente exígua. Talvez nunca tivesse desfrutado dos prazeres que uma classe social mais elevada proporciona.
Ela não era ninguém e nunca tinha sido. Simplesmente fora abandonada pla sorte ao que de mais perverso existe: o acaso. Por que não acabar de uma vez com isso? Por que não negar-se a todo esse sofrimento constante, intenso e inexorável durante toda a sua vida? Por que não se revoltar contra as garras do azar que teima em trazê-la consigo, para matar-lhe aos poucos pelo vício, pela pobreza e pela solidão? Não... Ela é muito medíocre para isso. Ela é somente uma escrava da vida, sem direito a escolher seu próprio destino.
Como se não bastasse o despotismo da vida em tornar-nos vivos, muitos, como ela, deve se conformar com uma prisão chamada vida.
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