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cronicas-->JÁ NAQUELE TEMPO... -- 19/04/2000 - 22:02 (Mario Galvão) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

(*)

Eram mais ou menos três horas da tarde, quando o Seu Luizinho, da Sildarson Comércio de Pneus, a mais frequentada loja de pneus de Guaratinguetá, foi tomar o seu tradicional cafezinho na Mundial, ali na praça Conselheiro, bem no centro da cidade.
A Mundial de Guará era ponto obrigatório dos que queriam comentar tanto as fofocas como os acontecimentos da cidade naquele dia, naquela semana ou no mês.
Quanto Seu Luizinho chegou, a "rodinha" habitual já estava formada: o Professor João Mod, diretor da escola profissional, o Carlinho "Sapo Seco", professor da mesma escola, vizinha da Mundial, o Clemente Turner, dono de uma loja de eletrodomésticos e o irriqueto Zóza, do Café Nhonhó, figura estimadíssima pelos jornalistas locais pelos generosos patrocínios que garantia aos semanários e aos programas jornalísticos das rádios emissoras.
O papo, como todos os dias, corria solto, rico e distraído, ponteado pela veemência do Seu Luizinho, criticando o prefeito, empunhando e sacudindo no alto, o exemplar do jornal "O Garça" que, naquela semana, não poupava "gentilezas" para com o Ranieri:
-- O jornal tem razão! Tem razão! Pois dizem que o Padre Bindão já proibiu o Ranieri de ir se confessar. Sabem por que? Não é porque ele é espírita, não. É por outra razão. Por que quem não faz nada não pode ter pecado para confessar. Foi autorizado a comungar, sem problemas, mesmo sendo de outra religião, até o final do mandato, na missa das dez!
E ficava vermelho feito um peru, ouriçados os fartos bigodes, como se estivesse em plena tribuna da Càmara Municipal, numa sessão das quartas-feiras, investindo contra o prefeito do partido contrário.
Um ranger repentino de freios...um baque surdo bem defronte a padaria, onde a rodinha sorvia o cafezinho que, de tão quente, servido em vasilhas também fumegando, tinha que ser tomado vagarosamente,com cuidado, para não desgrudar a mucosa do céu da boca.
Com o barulho, todos se esquecem do café no balcão e correm para a porta. Duas ou três pessoas já estão levantando dos paralelepípedos um sujeito maltrapilho, de meia idade, estendido no calçamento, defronte ao fusca que o atropelara.
Ao volante, uma senhora,jovem, pálida, estática de susto.
O grupo cerca o sujeito e leva-o, com cuidado, estendido, até a calçada da Mundial. A testa sangra um pouco, mas logo se percebe que não há nada de grave.
Ele parece alheio a tudo, olhos injetados, suor abundante escorrendo da testa de pele escura, forte cheiro de pinga exalando por todos os poros. Estava bêbado feito um gambá.
Rompendo o cerco ao atropelado, ainda estirado no chão, o Seu Luizinho:
"Que é que é isso, Seu Pedro?!? Que é que o Senhor tá fazendo esta hora aqui na cidade? E numa pingaiada dessas?!?
Enquanto isso, a dona do fusca aproveita para desparecer ladeira da Matriz acima, roncando o motor do carrinho como se fosse mesmo um besouro assustado...vruuuuuummmmm.
O mal vestido e sujo atropelado é conduzido para uma das muitas cadeiras do salão da padaria. Ali ele fica, sentado, oscilante, murmurando palavras desconexas, a testa escorrendo sangue.
-- Corre até a farmácia do Zé Marreco e traz um algodão e metiolate!- comanda o Seu Luizinho ao empregado da padaria, que olhava a cena sem fazer nada.
E inquire, agora mais calmo, o acidentado:
"Vamos Seu Pedro, explica o que aconteceu? Era pro senhor estar trabalhando na chácara."
E virando-se para o grupo à sua volta explica:
"Olha que Seu Pedro aqui é bom de pinga, mas só nos fins de semana. Dia de semana nunca bebeu..."
O mulato ergue a cabeça, lágrimas escorrendo dos olhos que parecem duas brasas incandescentes, e chora feito criança:
-- É Seu Luiz, mais hoje eu tinha mêmo que enchê o latão! Tinha que ser uma pingaiada prá valê. É muita desgraça, patrão, é muita desgraça...
E explica o porquê de tudo aquilo, de uma vez, meio engasgado pelo choro, pela pinga e pela saliva que provoca um semi-gargarejo:
-- Ah patrão, ah patrãozinho. O mundo tá perdido di veiz. Que minha muié era dadeira, eu já sabia faiz muito tempo. Que minha filha regulava de dá pros ótro, eu já sabia. Mais que meu fio, patrão, qui meu fio di dizoito ano, agora garró di dá tumém, isso eu só fiquei sabeno hoje..."

(*) publicado originalmente na Revista VP, do jornal O VALEPARAIBANO, em 14.06.81
Mário Galvão é jornalista e profissional de RP
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