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Artigos-->A REPÚBLICA E A EVOLUÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO -- 04/05/2006 - 23:10 (Magno Matheus da Rocha) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A REPÚBLICA E A EVOLUÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO



Capítulo I - Decreto n° 1, de 15 de novembro de 1889



Proclama provisoriamente e decreta como forma de governo da Nação Brasileira a República Federativa, e estabelece as normas pelas quais se devem reger os Estados Federais.

O Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil decreta:

Art. 1º - Fica proclamada provisoriamente e decretada como a forma de governo da Nação Brasileira – a República Federativa.

Art. 2º - As Províncias do Brasil, reunidas pelo laço da Federação, ficam constituindo os Estados Unidos do Brasil.

Art. 3º - Cada um desses Estados, no exercício de sua legítima soberania, decretará oportunamente a sua constituição definitiva, elegendo os seus corpos deliberantes e os seus Governos locais.

Art. 4º - Enquanto, pelos meios regulares, não se proceder à eleição do Congresso Constituinte do Brasil e bem assim à eleição das Legislaturas de cada um dos Estados, será regida a Nação brasileira pelo Governo Provisório da República; e os novos Estados pelos Governos que hajam proclamado ou, na falta destes, por Governadores delegados do Governo Provisório.

Art. 5º - Os Governos dos Estados federados adotarão com urgência todas as providências necessárias para a manutenção da ordem e da segurança pública, defesa e garantia da liberdade e dos direitos dos cidadãos quer nacionais quer estrangeiros.

Art. 6º - Em qualquer dos Estados, onde a ordem pública for perturbada e onde faltem ao Governo local meios eficazes para reprimir as desordens e assegurar a paz e tranqüilidade pública, efetuará o Governo Provisório a intervenção necessária para, com o apoio da força pública, assegurar o livre exercício dos direitos dos cidadãos e a livre ação das autoridades constituídas.

Art. 7º - Sendo a República Federativa brasileira a forma de governo proclamada, o Governo Provisório não reconhece nem reconhecerá nenhum Governo local contrário à forma republicana, aguardando, como lhe cumpre, o pronunciamento definitivo do voto da Nação, livremente expressado pelo sufrágio popular.

Art. 8º - A força pública regular, representada pelas três armas do Exército e pela Armada nacional, de que existam guarnições ou contingentes nas diversas Províncias, continuará subordinada e exclusivamente dependente do Governo Provisório da República, podendo os Governos locais, pelos meios ao seu alcance, decretar a organização de uma guarda cívica destinada ao policiamento do território de cada um dos novos Estados.

Art. 9º - Ficam igualmente subordinadas ao Governo Provisório da República todas as repartições civis e militares até aqui subordinadas ao Governo central da Nação brasileira.

Art. 10. – O território do Município Neutro fica provisoriamente sob a administração imediata do Governo Provisório da República e a Cidade do Rio de Janeiro constituída, também, provisoriamente, sede do Poder federal.

Art. 11 – Ficam encarregados da execução deste Decreto, na parte que a cada um pertença, os Secretários de Estado das diversas repartições ou Ministérios do atual Governo Provisório.

Sala das Sessões do Governo Provisório, 15 de novembro de 1889, primeiro da República. – MARECHAL MANUEL DEODORO DA FONSECA, Chefe do Governo Provisório – S. Lôbo – Rui Barbosa – Q. Bocaiúva – Benjamin Constant – Wandenkolk Correia.”

A passagem da Monarquia para República não se deu, nem poderia se dar, de modo pacífico, como se fosse consensual. A República foi o desfecho de várias lutas, umas surdas, outras estrondosas, que vinham sendo travadas por partidários de uma e de outra forma de Estado.

É nossa opinião que, do relativo liberalismo de papel que a Monarquia oferecia, o Brasil passou a viver e conviver com um relativo totalitarismo. Podemos, também, inverter as posições sem incorrermos em sério erro.

Sempre houve partidários de ambos os lados, desde que o lado escolhido lhe fosse favorecido. Se Deodoro não tinha intenção de convocar uma constituinte – dizem os historiadores, - não pôde, contudo, deixar de atender aos reclamos populares e às pressões dos liberais, acabando por ceder quando, a 22 de junho de 1890 fez publicar o Decreto nº 510, em que convocou para 15 de novembro do mesmo ano o primeiro Congresso Nacional. Eis seu texto histórico:



Capítulo II - Decreto nº 510, de 22 de junho de 1890



Publica a Constituição dos Estados Unidos do Brasil:

O Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, constituído pelo Exército e a Armada em nome e com assenso da Nação.

Considerando a suprema urgência de acelerar a organização definitiva da República, e entregar no mais breve prazo possível à Nação o governo de si mesma, resolveu formular sob as mais amplas bases democráticas e liberais, de acordo com as lições da experiência, as nossas necessidades e os princípios que inspiraram a revolução de 15 de novembro, origem atual de todo o nosso direito público, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, que com este ato se publica, no intuito de ser submetida à representação do País, em sua próxima reunião, entrando em vigor desde já nos pontos abaixo especificados.

E, em conseqüência, decreta:

Art. 1º - É convocado para 15 de novembro do corrente ano o primeiro Congresso Nacional dos representantes do povo brasileiro, procedendo-se à sua eleição aos 15 de setembro próximo vindouro.

Art. 2º. - Esse Congresso trará poderes especiais do eleitorado, para julgar a Constituição que nesse ato se publica, e será o primeiro objeto de suas deliberações.

Art. 3º. - A Constituição ora publicada vigorará desde já unicamente no tocante à dualidade das Câmaras do Congresso, à sua composição, à sua eleição e à função, que são chamadas a exercer, de aprovar a dita Constituição, e proceder em seguida na conformidade das suas disposições.

Pelo que

O Governo Provisório toma desde já o compromisso de cumprir e fazer cumprir, nesses pontos, a dita Constituição, a qual é do teor seguinte.”

De fato, foi eleita a primeira Assembléia Nacional Constituinte, a 15 de setembro de 1890 e que resultou na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891 e que, na verdade, praticamente reproduziu a Constituição de DEODORO. Sobre o estudo comparativo dessa Constituição, remetemos os leitores ao capítulo próprio.

Os momentos que se seguiram à Proclamação da República foram turbulentos, com a “auto-eleição” de Floriano Peixoto, passando pela “Revolta da Armada” e de outras escaramuças que se incorporariam à história política brasileira.

A República, antes de acalmar os ânimos, detonou, no decorrer dos anos, vários estopins. Desajustado à Monarquia e não ajustado à República.

Podemos até considerar natural que assim fosse. Que o ajustamento se efetivasse ao longo do tempo e com fundamento nas experiências do passado e, sobretudo, de levar o Brasil ao Estado democrático que, infelizmente, até hoje não aconteceu.

Na verdade, a República foi proclamada, mas seu significado jamais foi entendido. República vem de res publicae, que significa coisa pública. Do caráter pessoal da Monarquia, passamos ao de coisa pública, ou seja: o Estado, assim proclamado, passou a ser impessoal: público, do povo! Mas tem sido assim tratado?

Após a saída do “Marechal de Ferro”, assim cognominado Floriano Peixoto, foi implantado no Brasil a política do “café com leite” , revezando-se no Poder ora São Paulo, ora Minas Gerais. As “eleições” eram decididas nos gabinetes através da iniciativa do Presidente da República que, por sua vez, não tinha nenhuma legitimidade representativa, pois o eleitorado era uma minoria.

Os mirrados votos populares não expressavam, na verdade, a vontade nacional. Aliás, difícil era saber qual vontade expressava: se do Presidente de fim de mandato, se dos Governadores de São Paulo e de Minas, ou se dos cafeicultores que, com seu poder econômico, influíam na escolha dos sucessores.

O fato é que, com o rompimento do acordo tácito, que existia, pelo Presidente de Minas Gerais Antonio Carlos, que, juntamente com Neves da Fontoura, costurara a candidatura de Getúlio Vargas, à revelia, a princípio, do Presidente Washington Luís, e mais tarde, a despeito de sua vontade contrária (pois já escolhera Prestes Maia), teve início a marcha da revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao longo período de poder marcantemente ditatorial. Dispunha o Decreto nº. 19.398, de 11 de novembro de 1930:

“Art. 1º. O Governo Provisório exercerá discricionariamente em toda sua plenitude as funções e atribuições do Poder Legislativo, até que, eleita a Assembléia Constituinte, estabeleça a reorganização constitucional do País”.

Quatro anos se passaram até que essa intenção fosse concretizada. O restabelecimento do regime democrático (com reservas) entendido como a vigência do Poder Legislativo, com a plenitude dos poderes assegurados na Constituição, só se daria com a promulgação da Carta Magna de 16 de julho de 1934, mas que não duraria muito.

Balançando entre os comunistas e os integralistas, Getúlio Vargas resolveu impor ao País a famosa “Polaca”, assim cognominada a Constituição de 10 de novembro de 1937, decretando o chamado ”Estado Novo”, que de novo não tinha nada. Os pretextos para o regime ditatorial foram, na verdade, animados por Getúlio que, experimentando o gosto do poder, não pretendia mais deixá-lo. Até hoje é sempre assim.

O “Estado Novo” durou até 1946, com a promulgação da Constituição de 18 de setembro desse ano. E o que influiu para esse fato?

O sopro dos ventos liberais do pós-guerra de 1939-1945 a que Getúlio não podia deixar de se submeter. Se os homens fazem a História, a História faz os homens.

A sensação de democracia, a relativa liberdade de expressão, a livre escolha dos representantes do povo, o Estado de Direito, tudo isso o povo experimentou (ou fingiu que experimentou) até 31 de março de 1964, quando, para se antecipar, quem sabe, ao “dia dos bobos”, o “poder militar” desfechou o golpe por ele impropriamente chamado de “revolução” que, através do Ato Institucional nº. 1, de 9 de abril disse a que veio:

“Assim, a revolução vitoriosa, como o Poder Constituinte, se legitima por si mesma. Ela destitui o governo anterior e tem a capacidade de constituir o novo governo. Nela se contém a força normativa, inerente ao Poder Constituinte. Ela edita normas jurídicas sem que nisto seja limitada apela normatividade anterior à sua vitória” (Preâmbulo).

Antes, porém, mais um pouquinho de lembrança:

Em 1955 foi eleito Presidente da República o mineiro de Diamantina e futuro construtor de Brasília, Juscelino Kubitschek de Oliveira, que entregou, em 1960, o Governo ao destemperado Jânio da Silva Quadros, tendo como Vice-Presidente o sulista João Belchior Goulart, popularmente chamado de Jango e pertencente ao antigo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que não deve ser confundido com este PTB de hoje. Nada a ver, como se diz comumente.

Seis meses depois da posse, Jânio Quadros renunciou ao mandato, alegando “forças ocultas”. Sobre esse “ocultismo” nada disse nem lhe foi perguntado.

Sob o pretexto de tentar implantar o comunismo no País, os militares, aliados às forças econômicas internas e externas, com o auxílio da Central de Inteligência norte-americana – CIA. depuseram João Goulart. Mas antes, sob a pressão militar, tentaram implantar o parlamentarismo no Brasil, tentativa que não deu certo porque o povo disse “não” em plebiscito realizado para aquele fim.

Os militares, deposto Jango, passaram a governar o Brasil com mão de ferro, com torturas e perseguições políticas aos chamados “subversivos” como eram taxados os simpatizantes do socialismo/comunismo, comumente estudantes que lutavam contra a ditadura implantada: o eterno anseio de liberdade.

O Congresso Nacional, bem como as Assembléias Legislativas estaduais, tiveram, a partir daí, até a efetiva dissolução, uma vida vegetativa, vivendo sob Atos Institucionais, destacando-se o de nº. 5, de 13 de dezembro de 1968, e que acabou, de vez, com o sonho do restabelecimento do Estado democrático. Os parlamentares, antes da dissolução do Congresso, se limitavam a fazer como os fiéis nos templos: dizerem amém.

Mas hoje continuam, em sua maioria, a dizerem amém ao Poder Executivo nomeante, não pela força dos Atos Institucionais, mas pelas medidas provisórias editadas aos “borbotões”. Volveremos a este assunto mais tarde.

Não existem ditaduras liberais. O Estado liberal somente pode ter sua existência garantida num regime verdadeiramente democrático, onde a liberdade só pode ser limitada pela lei, pela ética e pela moral: justamente o oposto do que ocorre no Estado totalitário, onde a força dominadora do ditador é que limita a liberdade de cada um, submetendo-a à sua vontade.

Mas temos que convir: o direito ou obrigação de votar ou da existência de um Congresso e de Assembléias Legislativas não são fatores decisivos para a existência de um Estado Democrático, como quer fazer crer a Constituição brasileira. É preciso muito mais do que isto e o Brasil ainda não dispõe de condições culturais e reais para a prática da plena democracia.

Voltando à discussão sobre a implantação do sistema parlamentarista de governo, é interessante observar que o sistema presidencialista se presta, em muito, às dominações despóticas, pois que, tal como nas ditaduras, o Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República de modo indelevelmente pessoal. A pessoalidade de que se reveste o Poder Executivo, aliás, já era patente, entre nós, no velho sistema monárquico, quando o Estado era confundido com a pessoa do Imperador.

O poder pessoal do Presidente da República não desapareceu com a República. Mesmo quando ele governa de modo liberal, de conformidade com os mandamentos constitucionais (em tese), prevalece seu poder sobre os Poderes, sendo este, talvez, o maior defeito do sistema presidencialista.

Historicamente tal supremacia não mudou. Assim era nas Constituições de 1891, art. 41; de 1934, art. 51; de 1937, art. 73 (nessa, não havia, sequer, referência ao Poder Executivo); de 1946, art. 78; de 1967, art. 74; de 1969 (Emenda Constitucional no. 1), art. 73; e de 1988, art. 76.

A concentração do poder nas mãos do Presidente da República caracteriza esse sistema. Já no sistema parlamentarista, perseguido por alguns políticos da atualidade, entre os quais o saudoso Ulysses Guimarães (falecido na tarde do dia 12 de outubro de 1992, na queda do helicóptero em que viajava, na baía de Angra dos Reis, Estado do Rio de Janeiro), a descentralização de poderes é a principal característica, tendo o Congresso Nacional maior responsabilidade na condução do Estado.

Infelizmente, observamos, o parlamentarismo brasileiro, adotado casuisticamente pela Emenda Constitucional no. 4, de 2 de setembro de 1961, teve pouca duração, voltando-se ao velho sistema após o plebiscito previsto no art. 25 daquela Emenda, através da Emenda Constitucional no. 6, de 23 de janeiro de 1963 e que deu a João Goulart a possibilidade de exercer a Presidência da República, também de curta duração.



Capítulo III - Estado liberal e Estado totalitário. Diferenças

O que vêm a ser Estado liberal e Estado totalitário? A diferença principal reside não só no respeito ou desrespeito aos ordenamentos jurídico-constitucionais, mas também no grau de interferência exercida na vida dos indivíduos pelo Estado, especialmente na esfera econômica. É o Estado anti-direito, ao contrário do Estado de direito.

Francisco Campos, que conhecia bem as facetas do totalitarismo, para o qual tanto contribuiu com sua ciência, escreveu:

“O Estado liberal pode ser definido não só de modo positivo, como de modo negativo; comecemos por este último, procurando caracterizar o Estado liberal por oposição ao Estado totalitário. Este, como o nome está a indicar, tem como objetivo final a integração total da ordem social em ordem de Estado. A sua finalidade última é a integral planificação política, jurídica e econômica da sociedade. Se pudesse chegar ao fim do seu processo de integração econômica, política e jurídica, não sobraria aos indivíduos nenhum resíduo de iniciativa ou de liberdade. Nos regimes liberais, ao contrário, o Estado procura reduzir ao mínimo a planificação jurídica e a planificação econômica. Ele confia à integração mediante o método da liberdade, ou à integração espontânea, a maior parte das atividades ou das relações sociais. Ele se limita, na matéria de planificação, a formular os quadros éticos e jurídicos dentro nos quais deve mover-se a iniciativa individual... A Constituição do Estado liberal opera uma separação entre o Estado e a Sociedade, limitando a sua planificação política e jurídica aos elementos que constituem atributos próprios do Estado” (Direito Constitucional, vol. II, págs. 91-92).

Quando o Estado intervém na exploração das atividades econômicas em substituição à iniciativa particular, pratica intervenção e se afasta do liberalismo para entrar no terreno do totalitarismo. Então, as liberdades e iniciativas individuais são tolhidas, as lideranças empresariais são afastadas e passa a subsistir uma dualidade de seres distintos e contrários: a Sociedade, subjugada, e o Estado, o Leviatã que se arvora em Ser Supremo e dono de todas as verdades.

Ora, se o homem fugiu do estado de natureza para encontrar um denominador comum, um poder que lhe pudesse garantir a liberdade com segurança, não podemos admitir esse tipo de filosofia tirânica que vem dominando os espíritos pseudos-modernos. E o intervencionismo econômico, já acentuado em grande parte dos países, especialmente do chamado Terceiro Mundo, não só vem interferindo negativamente em suas economias, como, em contrapartida, vem acabando com a iniciativa privada própria do liberalismo e impulsionadora do progresso, entendido este como a fonte geradora de riquezas. É o que aconteceu, por exemplo, com o intervencionismo econômico a partir de 1937 e acentuado após o golpe de 1964, e que demonstra, claramente, o quanto desastroso foi e tem sido para a economia e o desenvolvimento brasileiro, deixando em seu rastro um legado de bilhões de dólares de passivo externo e outros tantos de débito interno, com perda de crédito perante as nações desenvolvidas. E o que é pior: sem que as dívidas contraídas resultassem em benefícios sociais correspondentes, não obstante as palavras suspeitas em sentido contrário de ex-Ministros e atuais Ministros plenipotenciários de nossa massa falida.

Mas uma coisa é o intervencionismo estatal na economia no sentido do bem-comum; outra é o intervencionismo com finalidade lucrativa. É contra esta que somos contra.

Sob a promessa de “abrir” nossa economia, de uma globalização que só beneficia o capital externo, com importações maciças sem respostas nas exportações, esses “globalizantes” sem causa, na verdade, estão, mais do que nunca, interferindo na economia social, levando o Brasil, potencialmente rico, à condição de eterno pedinte e com sua soberania decaída.

A partir da chamada “economia de mercado”, que nenhum benefício social trouxe à economia interna, os problemas sociais se agravaram, gerando desemprego e suas terríveis conseqüências, tais como as más condições de moradia (quando há), e o desencadeamento da violência, hoje em níveis insuportáveis.

Mas não podemos esquecer, também, os resultados colhidos pelos povos do Leste Europeu que, embevecidos pelas promessas inconseqüentes do comunismo, não só abriram mão de sua preciosa liberdade, como, afinal, se viram, e ainda estão se vendo, na condição de subdesenvolvidos economicamente. Não só a União Soviética acabou: a Rússia está indo para o mesmo caminho, dependendo, para se salvar, do socorro externo.

Pontes de Miranda, com a costumeira propriedade, e a propósito, ponderou que, “quando o direito das gentes considera suficiente o dado social, para que se possa falar da existência de Estado, pressupõe a afirmação político-jurídica; portanto, Estado e Direito. A verificação, por parte do direito das gentes (dizer conceituação é a mesma coisa), tira toda a importância à questão da prioridade do Estado e do Direito. Tudo estaria assaz aclarado, se a crítica aos Estados recentes os não apontasse como ajurídicos, ou, até anti-jurídicos. Os dois casos mais relevantes são o Estado soviético e os fascistas, ambos tidos por alguns escritores como Estados de fato (no sentido de ajurídicos), e não como Estados de direito” (obra cit., Vol. I, pág. 141).

Mas um outro grande problema dessa globalização que nos foi imposta pelos países desenvolvidos e aceita pelos medíocres governantes, que se julgam intelectuais e progressistas, mas são, na verdade, uns retardatários em relação ao progresso ao acharem que nosso desenvolvimento está necessariamente subordinado aos investimentos estrangeiros nos sistemas puramente especulativos, onde não há lugar para o desenvolvimento interno voltado para o bem social.

Algumas conseqüências são vistas “a olho nu”: desemprego, miséria, falta de saúde, de educação, de tecnologia, de desenvolvimento científico, falta de segurança pública, de moradia, enfim, falta do cumprimento final do Estado: a felicidade geral, hoje substituída pela infelicidade geral.

A existência da ordem pública independe da espécie ou filosofia institucional do Estado. Está presente no Estado liberal ou no Estado totalitário. A diferença reside em sabermos se ela está voltada para o bem-estar social ou se tem sua existência direcionada para as razões de Estado. Se aquela, temos o Estado liberal, pois o bem-estar social pressupõe a garantia das liberdades individuais; se nesta, temos o Estado totalitário.

“A noção de ordem pública, que pertence ao sobre-direito, porém não a todo ele, é inconfundível com outra, atinente ao direito público, talvez melhor disséssemos ao direito estatal ou político, a razão de Estado, ragione di Stato, Staatsraison, ou arbítrio do Príncipe, que MACHIAVEL formulou, pondo o interesse do Estado acima dos interesses do povo, conceito transindividualista, próprio do tipo de estrutura política despótica; de modo que a invocação do interesse do povo, ou do interesse nacional, como superior aos dos indivíduos, função discriminadora peculiar ao direito público, nada tem com ela, complexo de convicções políticas autocráticas.

“Nos nossos dias, o direito constitucional dá (ao Estado) os meios discricionários (estado emergencial, estado de sítio, estado de guerra), quer para sustentação das instituições nos momentos difíceis, quer devido a causas externas, sem necessidade daquela noção assistemática. O golpe de Estado já se explica por outra maneira, e não se confunde com a Ragione di Stato; de regra é o jacto de nova ordem jurídica, às vezes retomada do poder pelo povo, ou pelos que, naquele momento, são os seus instrumentos, ou guias, mais ou menos autorizados”. (Pontes de Miranda, obra cit., pág. 110).

No Estado liberal não há “razão de Estado” que se sobreponha à “razão do povo”, pois é para o povo, para o bem-comum, que o Estado existe. E o totalitarismo, sob todas as formas, não é mais do que o desvirtuamento das funções do Estado. Assim, o totalitarismo não passa de um sistema político concebido por pessoas despóticas que se assenhoram do Poder por razões próprias, ou que, ideologicamente, consideram o Estado acima do bem-estar social.

Eis, por fim, o pensamento de Spinoza (Baruch Spinoza – 1632-1677): “O fim do Estado... não é o de transformar os homens de seres racionais em animais ou autômatos. Exatamente o contrário, o seu fim é o de fazer com que eles cumpram suas próprias funções, tanto físicas como mentais, em condições de segurança, que usem livremente a sua razão e que, por outro lado, deixem de litigar entre si com ódio, cólera e enganos, deixando de se comportar de modo injusto em suas relações mútuas. Em outras palavras, o fim da organização política é a liberdade”. (História da Filosofia, de Giovanni Reale – Dario Antiseri, Vol. II, pág. 431).



MAGNO MATHEUS DA ROCHA

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