Usina de Letras
Usina de Letras
120 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62186 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22534)

Discursos (3238)

Ensaios - (10351)

Erótico (13567)

Frases (50587)

Humor (20028)

Infantil (5426)

Infanto Juvenil (4759)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140793)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6184)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Poesias-->Antologia Poética -- 26/05/2000 - 13:27 (Fernando Antônio de Araújo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
TERRA SOB MEDIDA



Não há sem-terra morto.

Não há morto sem terra.

A pá lavra, a enxada não.

A palavra “enxada” não!

Cava. Lavra. Cava.

Meu coração.

Sem terra não há morto.

Sem morto não há terra.

A pá cava sermão.

Cava. Lavra. Cava.

O chão.

A enxada foi esquecida,

A pá promove a escavação.

O coveiro é o último alfaiate

E o verme é o mais novo irmão.



Fernando Antônio de Araújo

10 de novembro de 1999



O ASTRONAUTA



E por que não avisaram

Que as palavras tinham espinhos

E que as estrelas já estavam mortas?

Passei muito tempo a procura

De respostas que ninguém respondeu.

Tempo quanto tempo

O tempo sou Eu.

Caminho sobre os destroços

De um coração partido.

Estou perdido, sou Anjo-Caído

Nos braços do esquecimento

Um ex-vivo, ex-que-ousado,

Esclerosado – velho decrepto

Sem há-que-cimento.

Um cimento com tijolo sobre cova

Fundação de mármore lavrado,

Com placa de início e fim.

Estrada sem acostamento,

Via-láctea silenciosa e circular

Como a coroa do Cristo crucificado.

Por que não avisaram os espinhos

Que meu coração já estava morto?

Perderam anos de trabalho.

Por que não avisaram as palavras

Que o cheiro bom das rosas era traiçoeiro?

Passei muito tempo procurando,

Desvivendo como se pode

Num dia após o outro.

Agora não me importo com nada.

Deito no universo sobre estrelas e mundos.

Cristifique-me ou morra!



Fernando Antônio de Araújo

06 de janeiro de 2000



MANUAL DO PESCADOR



Pra pescar palavras

É preciso ter minhocas na cabeça.

Um bom ouvido também fisga muita coisa!

O silêncio não é tão importante assim,

Se você pesca onomatopéias... ótimo!

O coração cavalga

Nada em sangue como peixe n’água.

Pra uma boa pescaria é preciso ver

Ciranda de estrelas ao redor da lua

E saber que jacaré gosta de tricotar

Nas margens da folha de papel.

Não dá pra sair dos lados,

É melhor sair voando

Que nem biguá desajeitado.

Pelo ao menos não se perde um verso nas asas

E nem vira comida de urubu com desgosto.



No mar é melhor de rede,

Lá as estrelas brincam na praia.



Fernando Antônio de Araújo

06 de outubro de 1999



POEMA DE TERRA



Não deve ser seco,

Nem molhado dever ser.

Suas palavras tem que possuir

Umidade necessária pra acolher

A semente do Mistério.

Húmus de minhoca na cabeça

É bom pra sua fertilização.

Não se deve lavrá-lo

Com muitas palavras,

Porém, não é prudente

Desperdiçar sua fertilidade.

Deixe a natureza tomar conta.

As palavras brotam recriadas.

Sente-se naquela poltrona

E contemple a janela.

Há um tempo para tudo nesta vida!

Deixe as plantas crescerem,

Não corte a grama do jardim.

Deixe as árvores crescerem

Que elas seguram o solo

Dos corações serenamente selvagens.

Não cave o chão, porque ele pode abrir

Bem debaixo dos seus pés.



Fernando Antônio de Araújo

12 de janeiro de 2000



JARDIM DE CONCRETO



I

Meu pulmão cinza recebe um ar envenenado,

Navego a cada esquina num mar de sepulturas.;

Tudo o que sou e o que sinto se perde

Nas placas de propaganda, nos cartazes.

Os carros que passam a vomitar minha agonia

Levam as pessoas, suas loucuras e ilusões.

E eu fico. Pois quero desvendar esses mistérios,

Que cercam o jardim de concreto onde vivemos.

II

O ar ruim já não me incomoda, não o percebo.

Nessa sarjeta eu vi que não há nada

Além de lixo. Nesse lixo não vejo nada

Além do homem. Desse homem não resta dúvida:

Chegamos no fim. E o que é o fim?

É o momento mais equivocado que existe:

O Fim não é quando tudo termina.;

Mas é quando nada mais se inicia ou renova.

III

Envelheço um mês a cada rua que atravesso,

As árvores mortas, enjauladas já encantam

O verso das escadas, das pontes e estações.

As crianças brincam com cola,

Coladas na máscara sombria do desespero.

Os meninos brincam de morte – e morrem.

As meninas não brincam mais com bonecas,

Elas brincam com porcos no chiqueiro.

IV

Procuro minha virtude nos olhares e mãos,

Estou atrás da minha honestidade,

Mas não a encontro em lugar algum.

Digo que sou livre nos elevadores

E nas filas. Digo que estou feliz

Quando estou triste. Abro o meu sorriso

E ele me dói como uma ferida na alma.

O que sou já não importa a ninguém.

V

Perdi minha identidade, minha dignidade!

A morte não me aceita nos becos e guetos.

A vida não me quer nas praças

E nos parques imundos e violados.

Encontro Deus e o Diabo nas lojas

E nos templos, sendo vendido a todos os preços.;

De todos os tamanhos, modelos e cores.

Vejo a honra das mulheres à venda nos bares.

VI

A hera cinza cobre os prédios mal-humorados

Do jardim. Os carros são insetos

Que polinizam e geram pessoas e mais prédios.

Os relógios têm asas no grande jardim,

A fumaça é a alma do concreto

Que desaba sobre as nossas cabeças.

Não somos donos de nada, mas acreditamos

Que os papéis de valor são eternos.

VII

Quando cheguei em casa à noite,

Senti o espírito reduzido, marginalizado.

Minha cota no jardim era pouca e efêmera.;

Não acreditei que os tijolos e o telhado,

As portas e as janelas, a escritura

E toda a verborragia contida nela,

Fosse me dar a segurança eterna

Existente num reino ou num túmulo.



Fernando Antônio de Araújo

14 de setembro de 1999



EU ESCREVO



Eu escrevo...

E não dou a mínima se ninguém

Enxerga o mínimo

No todo.

Eu escrevo no Cerrado, nas Montanhas

Eu escrevo.

Eu escrevo e Minas não precisa de mais poetas.

Minas Gerais precisa é de dentistas,

Porque as montanhas de Minas estão cheias de cáries.



Fernando Antônio de Araújo

16 de outubro de 1996



EM SE FALANDO DE AMOR



Em se falando de amor,

Tudo é verbo.

A começar pelo verbo amar,

Que amarra a gente num outro

E nos faz esquecer do resto.;

Seguido pelo verbo viver,

Que hoje nos é quase como um sonho.;

Sonhado nos véus do verbo sonhar,

Que nos é a realidade.;

Sucedido do verbo esperar,

Que nos vem cheio de rugas.

Sem esquecer do verbo separar,

Que sempre aparece coberto de lágrimas.

Lágrimas que vão dar consolo

Ao verbo morrer,

Que surge no melhor momento de uma vida.



Fernando Antônio de Araújo

28 de maio de 1999



O DESVENDAR



Eu vejo o poema,

Sua forma disforme,

Sua harmonia caótica.;

Seu cheiro, seu sentimento.

Eu sinto o poema,

Seus desejos e caprichos,

Suas manhas, seus despropósitos.

O poema quer ser lido,

Quer ser experimentado,

Quer ser sentido e sentir.

Sentir pois está vivo!

O poema não quer ser esquecido.

O poema que ser lido.

Eu leio esse poema

Pensando que ele quer ser compreendido,

Mas ele não quer ser simplesmente compreendido.

O poema na verdade

Quer mesmo é ser amado.



Fernando Antônio de Araújo

06 de junho de 1999



O PÃO E A FOME



Poesia não compra pão

Mas traz muita felicidade!

Cada verso que crio é vão,

Todo amor no meu peito arde,

Com isso não ganho cifrão

Mas faço muita amizade.



Poesia não abre conta em banco,

Nem compra carro importado.

É gente que preenche o branco

Pra ver nascer flor em machado.

É de quem tem coração manco

Na multidão, sozinho, ilhado.



Poesia é coisa de vagabundo,

É pra quem quer morrer de fome!

É de quem vê uma hora em segundo,

Na dor viva que o consome.

É de quem não tem lugar no mundo

Pra tamanha angústia de homem.



Fernando Antônio de Araújo

26 de março de 1998



CANTO PARA MINAS



Para C.D.A.



Quero ser um artista do Mundo em Minas,

Porque Minas está triste, abandonada e ferida.

Minha terra está ferida e choro.

As lágrimas causam erosão na minha face

E envelheço, porque Minas envelhece

E, já amadurecida, morre.

Onde estão os rios de Minas?

Dizem que estão assoreados

Do Vale do Aço ao Triângulo.

Onde estão as cinzas de nossas matas

E do nosso Cerrado?

Pergunto ao vento.

O vento não responde,

Porque prefere ficar no silêncio

Do Vale do Jequitinhonha.;

E na amargura do Rio Doce.

O curto Circuito das Águas

Mudou-se pra São Paulo

E São Pedro brigou com o Sertão.

Ah, Minas! O que faço pra não te ver triste?!

Rendo-me em oração a São Francisco:

Para que proteja os nossos Lobos e nossas Onças.

Peço a Jesus Cristo que guarde

As nossas igrejas e a nossa história.

Rogo a Deus para que preserve nossas Montanhas,

Nossas Serras e a nossa Belo Horizonte tão nostálgica e melancólica.

Onde estão os contadores de causos,

Que narravam as Veredas, o luar e as estrelas.

E que Luar! E que Estrelas, Minas!

Tento cantar Minas, exaltar sua alma,

Mas Minas ainda chora.

Suas lágrimas descem as ladeiras

Da velha Ouro Preto

E vão formar Sete Lagoas.

Procuro o Divino Espírito Santo,

Mas ele não mora mais em Divinópolis.



Ouço o canto da Seriema

Na Serra da Canastra

E ela me diz que os bons Mineiros

Morrem de anemia ou envenenados pelo esquecimento.

Mas não te esqueço e não te abandono, Minas!

Porque sou forte, sou de ferro, sou Mineiro!



Que eu morra anêmico,

Afogado em livros, em poesia e erudição

Ou tragado pelo solo numa erosão,

Mas que eu nunca seja capaz de abandonar a minha terra.



Fernando Antônio de Araújo

03 de outubro de 1998



FOI URUBU QUE CONTOU



Ao pé da cova meditei

Um urubu que me observava:

-Urubu morre?!

O Zito do Rosa disse

Que nunca viveu o suficiente um homem

Pra dizer que urubu morreu.

Urubu é coisa da noite que inventou

Já que á ave diurna preferencialmente.

Digo que inventou pra espionar o sol pra lua...

Coisa de mulher de lua.

Casa de urubu é árvore seca,

É lago seco, é corpo seco de vida.

O verme e o urubu não se dão bem.

O primeiro acha que o cadáver é melhor de dentro pra fora,

O segundo come angu pelas beiradas.

Lixeiro e Agente Funerário é profissão de urubu

Na natureza, no resto varia.

Lixão é jardim onde urubu gosta,

Se sente em casa.

No mundo esse como está

Urubu tem sempre casa própria.

Pra urubu não há Paraíso Perdido

Quando há sempre lixão em lote vago.

No vago dessa minha meditação

Dei-me conta do que ocorria...

O que fazia ali o urubu?

Pousado na sorte de uma lápide?

A terra no peito (que não era leve)

Contou-me o segredo:

O demônio sangrou os olhos da ave negra

E deu-lhe mãos no lugar dos pés pra cavar.

Ele cavou. Cavou meu passado.

Seu bico negro perguntou aos meus olhos

Sobre as coisas que vi durante a vida.

Enquanto fiquei vago e no escuro,

Eles responderam contando histórias.



Fernando Antônio de Araújo

01 de agosto de 1999



RAPADURA



Fico com boca de rapadura

Quando chego em casa.

Pego um facão com ares de baiano

E pico rapadura e como

Pra ver se fico conhecido.

Meu avô dizia que lobisomem

Gosta de rapadura

E que em noites de lua cheia

Lobisomem come três pedaços

Pra ver se cura a maldição.

Diz que moça bonita gosta

De homem que come rapadura.;

Já vi isso provado em documento.

Diz também que rapadura que padre come

É boa pra curar mau-olhado.

Já vi dizer que rapadura dá em árvore

E adoça lágrima.

Cachorro-do-mato gosta de rapadura,

Urubu faz vista grossa.

Assombração de roça só não come rapadura

Porque não tem dente.;

Lobisomem come porque se urbanizou.



Fernando Antônio de Araújo

04 de agosto de 1999



AMBIENTE



É preciso um par de óculos d’água

Pra lavar esses olhos sujos

De fuligem e cegueira entrelinhas.

As cadeiras, as poltronas mudas

Conspiram contra colunas vertebrais.

O ar-condicionado da sala branca

Marca consultas num ornitorrinco...

?Ou seria otorrino? Talvez...

As palavras têm pêlos, põem ovos

E amamentam seus filhotes para nos confundir

Como o demônio nos confunde.

Ácaro se sente à vontade nas condições gélidas do ar,

Enquanto sala branca floresce luz branca.

As gravatas enforcam milhares de vidas,

Onde há gravatas não há liberdade,

Há somente fórmulas pra entender flores,

Pra entender cores e crepúsculos,

Pra entender a amizade.

A máquina sabe do erro

Mas não conhece o calor do abraço.

A máquina não tem esperanças nem desejos.

Pobre máquina.

Os sinais de trânsito controlam

A circulação nas veias da cidade.

As praças e os jardins são a saudade que temos do passado.

O esquecimento é coisa de gavetas.



Fernando Antônio de Araújo

13 de agosto de 1999



TODOS OS DIREITOS RESERVADOS AO AUTOR.

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui