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Poesias-->Antologia Poética -- 26/05/2000 - 13:27 (Fernando Antônio de Araújo) |
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TERRA SOB MEDIDA
Não há sem-terra morto.
Não há morto sem terra.
A pá lavra, a enxada não.
A palavra “enxada” não!
Cava. Lavra. Cava.
Meu coração.
Sem terra não há morto.
Sem morto não há terra.
A pá cava sermão.
Cava. Lavra. Cava.
O chão.
A enxada foi esquecida,
A pá promove a escavação.
O coveiro é o último alfaiate
E o verme é o mais novo irmão.
Fernando Antônio de Araújo
10 de novembro de 1999
O ASTRONAUTA
E por que não avisaram
Que as palavras tinham espinhos
E que as estrelas já estavam mortas?
Passei muito tempo a procura
De respostas que ninguém respondeu.
Tempo quanto tempo
O tempo sou Eu.
Caminho sobre os destroços
De um coração partido.
Estou perdido, sou Anjo-Caído
Nos braços do esquecimento
Um ex-vivo, ex-que-ousado,
Esclerosado – velho decrepto
Sem há-que-cimento.
Um cimento com tijolo sobre cova
Fundação de mármore lavrado,
Com placa de início e fim.
Estrada sem acostamento,
Via-láctea silenciosa e circular
Como a coroa do Cristo crucificado.
Por que não avisaram os espinhos
Que meu coração já estava morto?
Perderam anos de trabalho.
Por que não avisaram as palavras
Que o cheiro bom das rosas era traiçoeiro?
Passei muito tempo procurando,
Desvivendo como se pode
Num dia após o outro.
Agora não me importo com nada.
Deito no universo sobre estrelas e mundos.
Cristifique-me ou morra!
Fernando Antônio de Araújo
06 de janeiro de 2000
MANUAL DO PESCADOR
Pra pescar palavras
É preciso ter minhocas na cabeça.
Um bom ouvido também fisga muita coisa!
O silêncio não é tão importante assim,
Se você pesca onomatopéias... ótimo!
O coração cavalga
Nada em sangue como peixe n’água.
Pra uma boa pescaria é preciso ver
Ciranda de estrelas ao redor da lua
E saber que jacaré gosta de tricotar
Nas margens da folha de papel.
Não dá pra sair dos lados,
É melhor sair voando
Que nem biguá desajeitado.
Pelo ao menos não se perde um verso nas asas
E nem vira comida de urubu com desgosto.
No mar é melhor de rede,
Lá as estrelas brincam na praia.
Fernando Antônio de Araújo
06 de outubro de 1999
POEMA DE TERRA
Não deve ser seco,
Nem molhado dever ser.
Suas palavras tem que possuir
Umidade necessária pra acolher
A semente do Mistério.
Húmus de minhoca na cabeça
É bom pra sua fertilização.
Não se deve lavrá-lo
Com muitas palavras,
Porém, não é prudente
Desperdiçar sua fertilidade.
Deixe a natureza tomar conta.
As palavras brotam recriadas.
Sente-se naquela poltrona
E contemple a janela.
Há um tempo para tudo nesta vida!
Deixe as plantas crescerem,
Não corte a grama do jardim.
Deixe as árvores crescerem
Que elas seguram o solo
Dos corações serenamente selvagens.
Não cave o chão, porque ele pode abrir
Bem debaixo dos seus pés.
Fernando Antônio de Araújo
12 de janeiro de 2000
JARDIM DE CONCRETO
I
Meu pulmão cinza recebe um ar envenenado,
Navego a cada esquina num mar de sepulturas.;
Tudo o que sou e o que sinto se perde
Nas placas de propaganda, nos cartazes.
Os carros que passam a vomitar minha agonia
Levam as pessoas, suas loucuras e ilusões.
E eu fico. Pois quero desvendar esses mistérios,
Que cercam o jardim de concreto onde vivemos.
II
O ar ruim já não me incomoda, não o percebo.
Nessa sarjeta eu vi que não há nada
Além de lixo. Nesse lixo não vejo nada
Além do homem. Desse homem não resta dúvida:
Chegamos no fim. E o que é o fim?
É o momento mais equivocado que existe:
O Fim não é quando tudo termina.;
Mas é quando nada mais se inicia ou renova.
III
Envelheço um mês a cada rua que atravesso,
As árvores mortas, enjauladas já encantam
O verso das escadas, das pontes e estações.
As crianças brincam com cola,
Coladas na máscara sombria do desespero.
Os meninos brincam de morte – e morrem.
As meninas não brincam mais com bonecas,
Elas brincam com porcos no chiqueiro.
IV
Procuro minha virtude nos olhares e mãos,
Estou atrás da minha honestidade,
Mas não a encontro em lugar algum.
Digo que sou livre nos elevadores
E nas filas. Digo que estou feliz
Quando estou triste. Abro o meu sorriso
E ele me dói como uma ferida na alma.
O que sou já não importa a ninguém.
V
Perdi minha identidade, minha dignidade!
A morte não me aceita nos becos e guetos.
A vida não me quer nas praças
E nos parques imundos e violados.
Encontro Deus e o Diabo nas lojas
E nos templos, sendo vendido a todos os preços.;
De todos os tamanhos, modelos e cores.
Vejo a honra das mulheres à venda nos bares.
VI
A hera cinza cobre os prédios mal-humorados
Do jardim. Os carros são insetos
Que polinizam e geram pessoas e mais prédios.
Os relógios têm asas no grande jardim,
A fumaça é a alma do concreto
Que desaba sobre as nossas cabeças.
Não somos donos de nada, mas acreditamos
Que os papéis de valor são eternos.
VII
Quando cheguei em casa à noite,
Senti o espírito reduzido, marginalizado.
Minha cota no jardim era pouca e efêmera.;
Não acreditei que os tijolos e o telhado,
As portas e as janelas, a escritura
E toda a verborragia contida nela,
Fosse me dar a segurança eterna
Existente num reino ou num túmulo.
Fernando Antônio de Araújo
14 de setembro de 1999
EU ESCREVO
Eu escrevo...
E não dou a mínima se ninguém
Enxerga o mínimo
No todo.
Eu escrevo no Cerrado, nas Montanhas
Eu escrevo.
Eu escrevo e Minas não precisa de mais poetas.
Minas Gerais precisa é de dentistas,
Porque as montanhas de Minas estão cheias de cáries.
Fernando Antônio de Araújo
16 de outubro de 1996
EM SE FALANDO DE AMOR
Em se falando de amor,
Tudo é verbo.
A começar pelo verbo amar,
Que amarra a gente num outro
E nos faz esquecer do resto.;
Seguido pelo verbo viver,
Que hoje nos é quase como um sonho.;
Sonhado nos véus do verbo sonhar,
Que nos é a realidade.;
Sucedido do verbo esperar,
Que nos vem cheio de rugas.
Sem esquecer do verbo separar,
Que sempre aparece coberto de lágrimas.
Lágrimas que vão dar consolo
Ao verbo morrer,
Que surge no melhor momento de uma vida.
Fernando Antônio de Araújo
28 de maio de 1999
O DESVENDAR
Eu vejo o poema,
Sua forma disforme,
Sua harmonia caótica.;
Seu cheiro, seu sentimento.
Eu sinto o poema,
Seus desejos e caprichos,
Suas manhas, seus despropósitos.
O poema quer ser lido,
Quer ser experimentado,
Quer ser sentido e sentir.
Sentir pois está vivo!
O poema não quer ser esquecido.
O poema que ser lido.
Eu leio esse poema
Pensando que ele quer ser compreendido,
Mas ele não quer ser simplesmente compreendido.
O poema na verdade
Quer mesmo é ser amado.
Fernando Antônio de Araújo
06 de junho de 1999
O PÃO E A FOME
Poesia não compra pão
Mas traz muita felicidade!
Cada verso que crio é vão,
Todo amor no meu peito arde,
Com isso não ganho cifrão
Mas faço muita amizade.
Poesia não abre conta em banco,
Nem compra carro importado.
É gente que preenche o branco
Pra ver nascer flor em machado.
É de quem tem coração manco
Na multidão, sozinho, ilhado.
Poesia é coisa de vagabundo,
É pra quem quer morrer de fome!
É de quem vê uma hora em segundo,
Na dor viva que o consome.
É de quem não tem lugar no mundo
Pra tamanha angústia de homem.
Fernando Antônio de Araújo
26 de março de 1998
CANTO PARA MINAS
Para C.D.A.
Quero ser um artista do Mundo em Minas,
Porque Minas está triste, abandonada e ferida.
Minha terra está ferida e choro.
As lágrimas causam erosão na minha face
E envelheço, porque Minas envelhece
E, já amadurecida, morre.
Onde estão os rios de Minas?
Dizem que estão assoreados
Do Vale do Aço ao Triângulo.
Onde estão as cinzas de nossas matas
E do nosso Cerrado?
Pergunto ao vento.
O vento não responde,
Porque prefere ficar no silêncio
Do Vale do Jequitinhonha.;
E na amargura do Rio Doce.
O curto Circuito das Águas
Mudou-se pra São Paulo
E São Pedro brigou com o Sertão.
Ah, Minas! O que faço pra não te ver triste?!
Rendo-me em oração a São Francisco:
Para que proteja os nossos Lobos e nossas Onças.
Peço a Jesus Cristo que guarde
As nossas igrejas e a nossa história.
Rogo a Deus para que preserve nossas Montanhas,
Nossas Serras e a nossa Belo Horizonte tão nostálgica e melancólica.
Onde estão os contadores de causos,
Que narravam as Veredas, o luar e as estrelas.
E que Luar! E que Estrelas, Minas!
Tento cantar Minas, exaltar sua alma,
Mas Minas ainda chora.
Suas lágrimas descem as ladeiras
Da velha Ouro Preto
E vão formar Sete Lagoas.
Procuro o Divino Espírito Santo,
Mas ele não mora mais em Divinópolis.
Ouço o canto da Seriema
Na Serra da Canastra
E ela me diz que os bons Mineiros
Morrem de anemia ou envenenados pelo esquecimento.
Mas não te esqueço e não te abandono, Minas!
Porque sou forte, sou de ferro, sou Mineiro!
Que eu morra anêmico,
Afogado em livros, em poesia e erudição
Ou tragado pelo solo numa erosão,
Mas que eu nunca seja capaz de abandonar a minha terra.
Fernando Antônio de Araújo
03 de outubro de 1998
FOI URUBU QUE CONTOU
Ao pé da cova meditei
Um urubu que me observava:
-Urubu morre?!
O Zito do Rosa disse
Que nunca viveu o suficiente um homem
Pra dizer que urubu morreu.
Urubu é coisa da noite que inventou
Já que á ave diurna preferencialmente.
Digo que inventou pra espionar o sol pra lua...
Coisa de mulher de lua.
Casa de urubu é árvore seca,
É lago seco, é corpo seco de vida.
O verme e o urubu não se dão bem.
O primeiro acha que o cadáver é melhor de dentro pra fora,
O segundo come angu pelas beiradas.
Lixeiro e Agente Funerário é profissão de urubu
Na natureza, no resto varia.
Lixão é jardim onde urubu gosta,
Se sente em casa.
No mundo esse como está
Urubu tem sempre casa própria.
Pra urubu não há Paraíso Perdido
Quando há sempre lixão em lote vago.
No vago dessa minha meditação
Dei-me conta do que ocorria...
O que fazia ali o urubu?
Pousado na sorte de uma lápide?
A terra no peito (que não era leve)
Contou-me o segredo:
O demônio sangrou os olhos da ave negra
E deu-lhe mãos no lugar dos pés pra cavar.
Ele cavou. Cavou meu passado.
Seu bico negro perguntou aos meus olhos
Sobre as coisas que vi durante a vida.
Enquanto fiquei vago e no escuro,
Eles responderam contando histórias.
Fernando Antônio de Araújo
01 de agosto de 1999
RAPADURA
Fico com boca de rapadura
Quando chego em casa.
Pego um facão com ares de baiano
E pico rapadura e como
Pra ver se fico conhecido.
Meu avô dizia que lobisomem
Gosta de rapadura
E que em noites de lua cheia
Lobisomem come três pedaços
Pra ver se cura a maldição.
Diz que moça bonita gosta
De homem que come rapadura.;
Já vi isso provado em documento.
Diz também que rapadura que padre come
É boa pra curar mau-olhado.
Já vi dizer que rapadura dá em árvore
E adoça lágrima.
Cachorro-do-mato gosta de rapadura,
Urubu faz vista grossa.
Assombração de roça só não come rapadura
Porque não tem dente.;
Lobisomem come porque se urbanizou.
Fernando Antônio de Araújo
04 de agosto de 1999
AMBIENTE
É preciso um par de óculos d’água
Pra lavar esses olhos sujos
De fuligem e cegueira entrelinhas.
As cadeiras, as poltronas mudas
Conspiram contra colunas vertebrais.
O ar-condicionado da sala branca
Marca consultas num ornitorrinco...
?Ou seria otorrino? Talvez...
As palavras têm pêlos, põem ovos
E amamentam seus filhotes para nos confundir
Como o demônio nos confunde.
Ácaro se sente à vontade nas condições gélidas do ar,
Enquanto sala branca floresce luz branca.
As gravatas enforcam milhares de vidas,
Onde há gravatas não há liberdade,
Há somente fórmulas pra entender flores,
Pra entender cores e crepúsculos,
Pra entender a amizade.
A máquina sabe do erro
Mas não conhece o calor do abraço.
A máquina não tem esperanças nem desejos.
Pobre máquina.
Os sinais de trânsito controlam
A circulação nas veias da cidade.
As praças e os jardins são a saudade que temos do passado.
O esquecimento é coisa de gavetas.
Fernando Antônio de Araújo
13 de agosto de 1999
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS AO AUTOR.
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