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Contos-->O DESPERTAR -- 13/04/2002 - 23:47 (Alexandre da Silva Galvão) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O DESPERTAR

Ao avistar a escola, a mesma em que cursou o primário, achou-a bonita com as luzes acesas que davam-na um aspecto de catedral, o que fez com que ele adentrasse-a com muito mais respeito. Ao entrar na sala de aula, teve uma sensação de perda, de saudades da algazarra que fazia com os colegas.Avistou somente pessoas adultas, algumas pareciam ter mais de trinta anos. Procurou uma vaga bem atrás como era seu costume, mas não encontrou nenhuma. Muito contrariado sentou-se na fileira da frente. Olhou para trás e viu duas pessoas bocejando em seqüência, bocejou também às lágrimas e teve vergonha por isso. Numa atitude impulsiva levantou-se para sair e, ao mesmo tempo em que tropeçava derrubando uma cadeira e fazendo um grande barulho, entrou pela porta da frente uma moça extremamente bonita. Era a professora. Nico sentindo-se corar voltou quase sem forças ao seu lugar.
Com pena, a professora fingiu não perceber o constrangimento, cumprimentando-o com um leve movimento de cabeça e uma expressão simpática nos olhos. Nico, percebendo o fingimento, compreendeu a sua inferioridade e teve vontade de morrer.
Carina tinha uma cintura muito fina que contrastava perfeitamente com a largura dos quadris e dos ombros. Rosto retangular, sobrancelhas grossas e retas cobrindo uns olhos muito vivos, dando a impressão de tristeza, mas também de esperteza, um olhar enigmático. O nariz fino e comprido terminando muito perto da boca pequena, fazia-lhe um ar de nobreza, agravada pelo queixo fino que sempre apontava para frente. Havia também um toque de sensualidade no conjunto por causa da sua boca que, dava a impressão de estar quase o tempo todo entreaberta, devido a um lábio superior muito grosso.
Com as pernas levemente abertas e as mãos pousadas nos quadris, que pareciam ser feitos para essa função, segurava sobre a cintura o tecido fino e leve do vestido, que escorria como uma cascata até os joelhos. Era uma deusa desafiando os fracos mortais.
**********
Eugênio sorria melancolicamente enquanto aguardava sentado na sala de espera. Lembrar a sua primeira aula noturna fê-lo perceber, que os trinta anos que o separavam daqueles dias tratou com carinho todas aquelas angústias, transformando-as em lembranças ternas.
A secretária da clínica olhava com estranheza aquele mulato forte de olhar pensativo com a roupa respingada de tinta e cimento. Sentia-se incomodada porque ele não combinava com o luxo da sala, parecia um quadro fora do lugar, um objeto quebrando a harmonia do ambiente, e justamente por isso ela não conseguia tirar os olhos dele e isso chegava a nauseá-la. Essa irritação foi ainda agravada pela hipótese de estar sendo preconceituosa. Achou então mais cômodo pensar que não ia com a cara dele.
_ Que senhor antipático! _ pensava, sentindo-se assim mais aliviada.
_ O senhor pretende pagar como?
_ Que?...Ah! Como eu puder.
_ Senhor Eugênio _ Chamou, abrindo a porta o Dr. Jorge.
Eugênio levantou-se e apertou-lhe a mão automaticamente.
Após sentar-se na sua cadeira, Dr. Jorge percebeu que Eugênio continuava de pé, olhando a sala com um ar meio abobalhado.
_O senhor não quer sentar-se?
_Ah sim, obrigado. _Respondeu continuando de pé e encarando, agora pensativa, o doutor.
_ Sente-se, por favor. _ Apontando a cadeira pacientemente. Eugênio, caindo em si, sentou desculpando-se.
_ O que tem afligido o senhor?
_ São coisas do meu passa... _ Disse com a voz sumidiça.
_Fique a vontade e diga-me tudo o que quiser.
_ Antigamente eu costumava sonhar muito, eu fechava os olhos e imaginava que estava voando, sentia então uma confiança, uma segurança, acreditava que os sonhos faziam parte da mágica. Hoje eu não consigo mais ter fantasias, só lembranças.
_ Mas isso também não faz parte da mágica?
_ Não acredito mais na mágica.
_ Se quiser, pode contar-me o que quiser, estou aqui para ouvir.
Eugênio inesperadamente levantou-se e dando as costas e disse entredentes:
_ Eu tinha treze anos e apaixonei-me pela minha professora.
_ É muito comum crianças se apaixonarem por uma professora bonita...
_ E ela apaixonou-se por mim._ Dr. Jorge engolindo o que ia dizer continuou ouvindo.
_ Minha mãe já havia morrido nessa época e meu pai estava com problemas no coração , como meu irmão era muito pequeno eu tive que começar a trabalhar, tendo, portanto, que estudar de noite.
Ela era professora de matemática e eu era péssimo em matemática, por isso eu morria de vergonha, aquela aula era muito angustiante. Eu já julgava amá-la..._ Talvez seja justamente porque ele se sentia tão inferior a ela. Sentimos atração por quem é superior a nós, por isso a humilhação é tão sensual. A natureza nos impele a evoluir a nossa raça fazendo-nos procurar parceiros superiores. _ Filosofava consigo o doutor.
_ ...Ela era a mulher mais bonita que eu já tinha visto, e tinha uma maneira de falar que inibia qualquer ouvinte. Não era mais um aluno, eu era um súdito.
Duraram meses essa angústia, até que eu comecei a achar que devia fazer alguma coisa e resolvi que iria contar-lhe tudo, mas aí foram mais meses de uma angústia ainda maior. Eu ensaiava, trocava as palavras, imaginava a resposta, chorava, desistia, sofria, resolvia de novo, até que um dia...
Ela havia passado uma lição no quadro negro e convidou-me a resolvê-la. Ora, alem de não saber resolver coisa nenhuma, eu estava apaixonado e era doentiamente tímido e cheio de complexos. Nessas situações eu me dividia em dois: O meu ponto de vista deslocava-se para o exterior e passava a observar e julgar todos os meus atos com tanto distanciamento que perdia o controle sobre eles. Por outro lado todas as sensações e angústias ficavam no meu corpo. Eu estava tão perturbado que não conseguia emitir duas sílabas sem que o tal ponto de vista ouvisse a primeira e censurasse a segunda, e depois se censurasse por isso.
Eu pegava o giz e esmagava-o antes de tocar a lousa, por fim, notando que eu não conseguiria nada, me olhou ternamente e disse com aquela voz rouca que me comovia até a alma: “_ Tudo bem Eugênio, pode sentar-se”. Só encontrei o meu lugar porque eu tropecei na minha própria mochila e para não esborrachar no chão tive que segurar na primeira coisa que eu vi e, por sorte, era a minha cadeira. Fiquei o resto da aula mordendo a língua e rezando para não chorar... Mas o que veio depois, meu Deus, eu não esquecerei jamais. Quando terminou a aula eu estava num estado tão triste que não conseguia levantar-me; quando percebi, todos os meus colegas já haviam saído e eu estava sozinho, com aqueles olhos enigmáticos dela pousados sobre mim. Eu então abaixei a cabeça e fechando os olhos consegui alienar-me por alguns segundos, tempo suficiente para gestos impulsivos, imagino que é nesse tempo que um homem de boa índole torna-se um assassino. Levantei a cabeça e disse “_ Eu amo a senhora”. Levei alguns segundos para perceber que tinha dito aquilo e não sonhado, após isso eu levantei e corri de maneira cega para o fundo da sala, e como eu não conseguia encontrar a porta, eu encostei acuado na parede do canto e agachei soltando um uivo. Meu Deus, até hoje eu me arrepio com aquele uivo vibrante e apavorante, foi a primeira vez que eu percebi a minha voz de adulto. Chorei alto e soluçado, não conseguia e por fim não queria mais me controlar, passei a chorar por prazer de chorar. Por baixo dos meus braços, vi que os pés dela aproximavam-se com um andar tranqüilo e feminino, com aquele jeito gracioso de jogar a perna para o lado para que o pé fazendo um semicírculo, venha a cair exatamente na frente do outro. Estranho como eu nesse estado conseguia prestar atenção em coisas como a cor dos seus sapatos e o tipo de meia que ela usava. Levantei os olhos, e sem chorar, olhei-a agigantada à minha frente, com as mãos nos quadris e um sorriso terno e superior. Nesse momento eu descobri porque as mulheres amam. Todos nós temos um instinto de proteção aos mais fracos, mas nelas é muito mais forte... _ A libido é estimulada pela humilhação, pela sensação de inferioridade, mas ele tem razão quanto ao amor por inferiores, na verdade é amor próprio, afinal, é agradável sentir-se superior; Esse amor é quase um sentimento de gratidão pela inferioridade e submissão do outro, porém, como o amor materno, esse tipo de amor é incompatível com o desejo sexual.
_...Ela então se agachou. Eu da posição em que estava vi as faces internas de suas coxas enquanto essas se dobravam, minha memória agindo como uma filmadora de cinema, gravou aquele movimento em centenas de fotografias que a minha mente passou a exibir doentiamente de diversas maneiras diferentes. Agachada ali naquela posição devastadora, ela passou a mão no meu rosto e enxugou minhas lágrimas. Eu estava excitado demais, não pude controlar-me, peguei no braço dela de maneira tão violenta que ela deu um gemido. Tentou se soltar, mas eu não permiti, percebi terror nos olhos dela e vendo que ela ia gritar, puxei-a para mim e tapei-lhe a boca com os meus lábios. Tapar é mesmo a palavra correta porque eu não sabia beijar. Ela tentava soltar-se, mas eu era muito mais forte. Até que ela parou de fazer força e eu senti uma coisa morna mexendo dentro da minha boca, era a sua língua, ela se entregava para mim. Nesse momento eu passaria a amá-la, até então era só desejo. _ Foi o que pensei. Ela só o desejou e ele só a amou quando ele mostrou-se bruto, superior na força. Desejo pelo superior, amor pelo inferior. Amor e desejo só são compatíveis quando um indivíduo mostra-se superior ao outro em determinados aspectos e inferior em outros._ concluiu consigo Dr. Jorge.
_ ...Após esse incidente, passamos a encontrarmo-nos com freqüência depois das aulas na sua sala, com a desculpa de que eu precisava de aulas de reforço. Nesse tempo, eu comecei a mudar, ganhava confiança, sentia-me orgulhoso, enfim, crescia. Crescia também o meu amor por ela, porém, tornava-se um amor mais tranqüilo, menos animal. Mas havia um complicador muito perigoso, ela já era casada há cinco anos com um médico e tinha dois filhos pequenos. Eu não gostava nada daquela situação, menos por medo que por ciúme. Um dia, enquanto eu ajudava nas reformas da Igreja de ****, eu os vi passeando com as crianças e notei que ela tinha um grande carinho pelo marido. Naquela noite eu não fui à aula alegando mal estar. Na noite seguinte ela notou o meu aborrecimento e eu contei-lhe o que tinha visto e as minhas impressões. Ela então me disse que realmente gostava muito do marido e amava os filhos, mas que entre ela e o marido nunca existira um amor como o que ela sentia por mim, que ela casara-se porque já tinha trinta anos e tinha medo de ficar solteirona. Ele tinha sido o primeiro homem que alem de carinho, dava-lhe segurança. Apesar dela ter dito aquilo para me tranqüilizar, e de alguma forma tranqüilizasse, aquela palavra “segurança” ficou me machucando por muito tempo.
Uma noite, no meio das nossas carícias, eu, que já havia ensaiado, pedi-lhe um filho como prova de amor. Ela então desmanchou a expressão carinhosa do rosto e ficou por algum tempo pensativa, depois levantou e saiu, sem dizer nem uma palavra. Senti uma sensação horrível, achei que a tinha perdido. Vários dias se passaram sem que ela me dirigisse a palavra. Eu estava arrasado, sem saber o que fazer, pois toda vez que eu ia aproximar dela, para jogar-me aos seus pés e rogar-lhe perdão, ela dava as costas e saía. Nem as perguntas, que eu fazia na sala de aula ela respondia, continuava a aula como se eu não existisse. Mudei então de tática e comecei a ignorá-la também. Certa noite, porém, eu notei que ela examinava-me quando me julgava distraído. Quando terminou a aula eu demorei em juntar o meu material e, percebendo que todos já tinham saído, levantei e me dirigi à porta sem olhá-la, quando, senti que alguém agarrou o meu colarinho por trás sufocando-me. Pensei que fosse ela, mas não podia acreditar que uma moça tão frágil tivesse tanta força, puxou-me com tanta violência que eu fui praticamente arremessado de costas ao chão. Meio zonzo ainda, esborrachado no chão, eu levantei a cabeça e a vi trancar a porta e partir para cima de mim. Confesso que tive medo de ser espancado por ela, pois ela parecia ter uma força sobre-humana naquele momento. Ela então parou por cima de mim com as pernas entreabertas e sentando-se na minha barriga, disse-me sorrindo com o ar de vitoriosa: “_ Então seu fracote vai ou não vai me fazer um filho”.
Voltamos então a encontrarmo-nos diariamente.
Uma noite, porém, foi o fim. Estávamos tão acostumados que nos descuidamos, esquecemos de trancar a porta. Justamente nessa noite a inspetora resolveu ficar até mais tarde e vendo que a luz da sala ainda estava acesa, abriu a porta e soltou um grito ao nos ver.
Bem, ESCÂNDALO, com direito a televisão e tudo mais, a professora foi condenada a três anos de prisão por seduzir um menor e nunca mais me foi permitido vê-la. Não vou contar tudo o que passei, só vou dizer que eu sofri e, como o senhor vê, ainda sofro.
Soube muito tempo depois que ela teve um garoto e pôde cumprir o resto da pena em liberdade. O marido a perdoou e eles mudaram-se para outra cidade. Eu nunca soube se aquele garoto...
_ Dr. Jorge a dona Carina já chegou _ Diz a secretária pelo interfone.
_ É a minha mãe, eu prometi levá-la para almoçar...
_ Foi um grande prazer Dr. Jorge. _despedindo-se e saindo
Ao abrir a porta, Eugênio quase tromba com a mãe do doutor e, sem conseguir pronunciar desculpas, parte apressado, seguido por um certo olhar enigmático...
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