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Artigos-->1977 -- 10/07/2006 - 19:29 (Ricardo Soares Cardoso) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Era agosto de 1977, uma noite fria e ventosa, saí do prédio dos a-lojamentos, fumei um cigarro na rua e fui até o salão do refeitório assistir TV, havia uns dez alunos lá, mas nenhum amigo da “turma” os que estavam lá e-ram todos filhos de colonos alemães – alguns até falavam o português com di-ficuldade -. Sentei, naquele banco de madeira sem encosto, assisti o Jornal Nacional, programa da Rede Globo.

“Foi encontrado morto o cantor Elvis Presley, suspeita-se de overdose”. Disse o locutor Cid Moreira, complementando disse ainda que o cantor vinha passando uma fase de depressão, provavelmente ocasionada pela separação da esposa. Então passou na TV as últimas cenas gravadas do rei do rock. O ca-ra estava gordo e visivelmente abatido. Aquele monstro do rock, cheio de e-nergia e alegria contagiante, aparecia cantando uma balada triste, suando co-mo um camelo no deserto, sentiu-se mal e teve que sentar para continuar. No alto dos meus 15 anos me perguntei: O que acontece com as pessoas ? O ca-ra fazendo o maior sucesso, rico, com as “minas” mais lindas do mundo na sua mão. E se deprime... e chora ? Eu aqui nesse fim de mundo, sem ao menos um “pila” no bolso e nada interessante para fazer, e me sinto ótimo.

Saí dali e fui até o grêmio recreativo dos alunos, lá encontrei o “Rosário” – Sergio Prates Duarte, da cidade de Rosário do Sul, RS – jogando ping-pong.

_ Ô meu...tem um crivo aí ? perguntei.

_Não...também tô a fim, mas sei onde arrumar, e de graça.

_Fala !

_ Tá vendo aquele vidro quebrado ali naquela janela basculante ?

_Tá e aí ?

_É o seguinte Cacimba: – ganhei esse apelido porque ao chegar atrasado para uma aula de agricultura no segundo dia letivo e ser interrogado pelo pro-fessor – dos mais cricris -, respondi:

_ Me atrasei porque fui até a cacimba e perdi a hora. Toda a sala de aula caiu na gargalhada e o nome pegou – O vidro quebrado está bem na reta do balcão do bar, onde ficam os cigarros. Depois que fechar o grêmio, às 21 ho-ras, a gente arruma uma “coisa” comprida e “pesca” o ”crivo” pra nós.

_ Cara, tu te deu conta que a janela fica a 5 metros de distância dos ci-garros ?

_ Deixa comigo Cacimba, tu não entende nada de enrolar esses colonos. Hehe.

Joguei mais uma partida de ping-pong e fui caminhar pela noite. Senta-dos sobre uma pilha de sacos de adubo, encontrei a turma da cidade de Herval do Sul, RS – Santos Roney ( o Roney, que depois virou policial civil ), Roberto Soares ( O “Caravagio”, que até político foi, ou é ), Vitor ferreira ( O “ferreri-nha” ou “gravatá penteado”, aquele que não emprestava o creme dental para os colegas, e ainda dizia: Bah tchê, desculpe, mas só tenho esse, se ficar dan-do “pros otros”, depois me falta.), e estava junto também o “Bilú”( esse eu não recordo o nome ). Estavam tomando chimarrão – “mateando”, como dizi-am – Sentei e participei da roda de mates. Contávamos piadas e histórias in-teressantes. Eles gostavam de ouvir minhas histórias, talvez porque contavam o meu cotidiano de festas, aventuras, “minas” e coisas da capital, Porto Alegre, e as histórias de lá sempre eram diferentes das do interior.

Terminamos o chimarrão e já estávamos indo para o alojamento dormir.

_ Cacimbaaa !! Me chamou o Rosário.

Olhei pra ele que vinha caminhando no escuro da noite, carregava um imenso bambu com um arame na ponta. Me dispersei da turma de Herval e fui conversar com ele.

_E aí Rosário ?

_Aí meu...vamos lá ? O equipamento tá na mão.

_Vamu nessa.

O grêmio já estava fechado, as luzes todas apagadas, derrubamos todos os maços de cigarros e conseguimos fisgar 3 maços. Depois sentamos em um banco do pátio central e fumamos tranqüilamente. - a respeito de cigarros pre-ciso contar um caso: certa vez, eu o Rosário e o Catarina ( Aramis Soarez, que de catarina não tinha nada, era uruguaio, ganhou esse apelido porque morava na cidade de Tubarão, SC ) em uma Segunda feira pela manhã, estávamos sentados na porta do alojamento observando a chegada dos que haviam ido pra casa no findi, de mau humor por não termos saído da escola durante aque-le findi. Então chegou um tal “Alemão” com bolsas e sacolas. _ Deixa um crivo aí pra nós ! disse o catarina pra ele. O alemão, que estava fumando um cigar-ro, parou, olhou pra nós bem sério e disse: _ Se vocês não tem dinheiro pra fumar, então não fumem. Fumar é coisa pra quem pode e não pra quem quer. Como eu sou bonzinho com os pobres e não pode fumar dentro do prédio, vou deixar minha sobra pra vocês. Estendeu a mão oferecendo meio cigarro que estava fumando, quando o Rosário foi pegar, ele deixou cair no chão e foi em-bora sem olhar pra traz. Como não éramos de briga, pegamos aquela “meiota” mesmo assim, e fumamos. Alguns dias mais tarde, passeando pelo colégio à noite, passamos pela sala de armários do tal Alemão e observamos que, casu-almente, estava só ele lá, mexendo no seu armário. O catarina parou, deu uma ordem para o Rosário, desce lá na entrada do prédio e desliga os disjuntores da energia elétrica. Agora. Vem comigo Cacimba, disse ele. Pegou um saco de roupa suja vazio que estava pendurado para secar. Quando as luzes se apaga-ram entrou correndo na sala de armários, vestiu o saco pela cabeça vindo até os braços do alemão, rapidamente atou e em seguida deu um soco no seu es-tômago e atirou ele dentro do armário, as coisas do armário caíram tudo no chão, peguei um pacote de erva mate e o Catarina um pacote de cigarros com vários maços, corremos e nos infiltramos no meio da “massa” dentro de um alojamento. Quando acenderam as luzes e todos correram para a sala de ar-mários para ver o que havia acontecido, o Catarina foi muito cínico:

_ Mas bah Alemão ! Porque tu tava com esse saco na cabeça ? Ninguém ficou sabendo de nada. -



Arrastando as “alpargatas”, aparece, como uma assombração, o Catarina carregando o seu violão.

_ E aí Cacimba’s ? Vi de longe aquela brasinha e ouvindo as gargalhadas de vocês fui obrigado a me aproximar. Dá um “pega”?

_ Não Catarina, vou te dar um cigarro inteiro.

_ Baaah, os guri “tom” rico. – De vez em quando ele escorregava um so-taque espanhol -

E conversando, contei pra eles que o Elvis havia morrido, ficaram per-plexos. O catarina pegou o violão e começou a cantar uma canção do Elvis, não sei o nome mas era uma linda balada, assim meio romântica. Às 22 hrs o “xerife Leonel” ( aluno encarregado da disciplina nos alojamentos que tinha a tarefa de abrir e fechar o prédio dos alojamentos ) assobiou para nós e gritou :

_ Tá na hora, pessoal, entrem! Preciso chavear a porta.

Entramos e fomos cada um para o seu alojamento. Por fim o Catarina me disse que tinha uma revista com letras e músicas do Elvis.

Mesmo depois de tocar o “silêncio” e as luzes serem apagadas, permane-ci acordado, escutando os grilos, só com os olhos destapados pois estava mui-to frio. Dormia na cama de cima de uma beliche. Pela janela podia ver, a 5 quilômetros de distância, os faróis dos carros que passavam na estrada ( BR 116 ). Estava em uma fazenda-escola a 200 Km de casa. Adormeci com sau-dades da minha cidade, dos amigos, principalmente das amigas e dos passeios de bicicleta pelo Bom Fim.

Amanheceu uma linda Sexta-feira de inverno, com céu azul anil e o sol radiante. Desci para o refeitório, - o café era uma caneca de alumínio de café com leite e um “naco” de pão com margarina -

Depois fui pra sala de aula, no intervalo fumei um cigarro com os amigos e fui com o Rosário até a cozinha tentar algo para comer, já que havia uma auxiliar de cozinha que era minha amiga. Conseguimos dois “nacos” de pão, mas tivemos que carregar o tarro do leite até a frente da escola, onde seria coletado. Obviamente esse tarro sofreu um assalto até chegar lá. Já atrasados, Corremos para a sala de aula, no corredor esbarramos, e quase derrubamos, o “Seu Jairo”, que era o encarregado da disciplina, mas não deu nada, nos man-dou correr pra sala de aula. A professora Rosane, de matemática, era muito legal, além de possuir um belo sorriso e não se importar com pequenos atra-sos. – por falar no “Seu Jairo”, naquela época eu andava de skate, fora dos horários de aula e nos finais de semana que ficava lá, usava alguns corredores da escola pra treinar umas manobrinhas. Foi então que numa dessas eu atro-pelei o cara no corredor dos alojamentos. A partir de agora tu está proibido de andar com esse “patinete” aqui dentro da escola. Tu pensa que me engana ? Eu sei que cabeludo como tu, lá de Porto Alegre, gosta dum “fuminho”. Abre teu olho, eu te expulso! Disse ele, bem bravo. Um cara que chama Skate de patinete não pode ser levado a sério, pensei. - Às aulas terminavam às 11 horas, desse horário até o almoço, às 12:30 horas, íamos, eu e a turma de Herval do Sul, para um galpão que pertencia a uma sociedade dos funcionários da escola (SORESI) e estava meio abandonado. O programa era chimarrão, ci-garro e histórias, muitas histórias e gargalhadas.

O almoço era servido em bandejas de alumínio, durante o almoço acon-tecia uma bolsa de trocas de alimentos. Um gritava:

_ Sobra a batata !

_ É meu. Respondia outro.

_ Troco o doce pelo guisado, quem vai ?

E assim por diante.

Dos apelidos interessantes que haviam na escola lembro de 2 irmãos bem magrelos e brancos, o apelido do mais velho era “Tô fraco” e do mais no-vo “Tô fraquinho”.

No período da tarde os alunos eram divididos nos vários setores da esco-la para aula prática, cursos e trabalho. Naquela semana eu estava distribuído para a suinocultura – popularmente, “a pocilga”-. As tarefas diárias principais era dar banho nos porcos – com mangueira, escovão e sabão -, lavar as pocil-gas ( tirar os cocôs ) e no fim do dia distribuir a ração. Havia um funcionário que coordenava o grupo – ou tentava -. Naquele dia o “rango” dos porcos era batata doce crua. Eu e o Rosário “desviamos” umas 10 batatas. Escondemos no canto de uma pocilga vazia. Então à noite, após a janta, convidamos o Ca-tarina para fugirmos à noite para assar as batatas. Tudo certo, tudo combina-do. O Catarina convidou o Márcio lamas ( um cara de pelotas que estava lá na escola porque nenhum colégio da sua cidade aceitou sua matrícula ). Convidei também o Roney, que convidou o Caravagio e o Bylu, todos de Herval do Sul. revisado

Uma hora após o silêncio, todos dormiam, eu e o Rosário fomos até a cama do Xerife Leonel tentar capturar a chave da porta principal. Com a faca, cortei o cadarço que segurava a chave no seu pescoço. Erro, a chave era a do seu armário, provavelmente a que procurávamos estava lá, mas em armário alheio eu não mexia.

Nos encontramos na sala de armários com Roney e os outros. Fomos até um alojamento no térreo que estava sem uso. As janelas eram basculantes, havia uma com dois vidros quebrados, tiramos os cacos, esgaçamos a estrutu-ra e fomos saindo um a um, como lagartixas. Naquele dia no Ronei havia tra-balhado de ajudante na cozinha, separou uma sacola plástica com pães, um naco de queijo e um pedaço de lingüiça. Escondeu, em um saco bem fechado, do lado de fora da cozinha, junto com o lixo. O Caravagio havia trabalhado na horta, desviou algumas cebolas. O Márcio levou duas garrafas de vinho e uma de conhaque. O Catarina levou o violão, era o encarregado da música e dos “baseados”. E havia ainda o Rosário, ele não havia levado nada, mas no cami-nho inspecionou vários “mundéus” – é um tipo de armadilha que usa a força de um galho de árvore envergado, para caçar – que havia montado à tarde. Pe-gou quatro aves, dois pássaros eram muito pequenos e ganharam a liberdade novamente, os outros dois não tiveram a mesma sorte, eram pombas, foram para grelha fazer companhia para uma solitária galinha que havia sido roubada da casa de uma lavadeira e estava amarrada, em um galho de árvore. ( nas vizinhanças da escola haviam várias lavadeiras, uma vez por semana os alu-nos, individualmente, levavam seu saco de roupas sujas para serem lavadas ). Era uma bela noite, não havia uma nuvem, o céu como raras vezes eu vi tão límpido e estrelado, a lua estava minguante, bem fina. Descemos a trilha que levava até a cacimba ( poço ) de onde era bombeada a água para escola. Essa trilha ia por dentro da mata, não permitindo que olhássemos para o céu. Ao chegarmos no fim da mata onde havia a cacimba e começava um campo, vis-lumbrei algo realmente muito bonito: a relva desse descampado estava total-mente bordada por milhares de vaga-lumes, parecia que o céu estrelado conti-nuava na terra. Ficamos pasmos. Paramos e curtimos por alguns instantes em silêncio.

_ Bah... que viajem esses bichinhos, véio. E ninguém fumou nada ainda ..hehe. Disse o Catarina.

Cruzamos o campo e entramos em outra mata, seguimos pela trilha e estacionamos em uma clareira próximo ao rio, dava pra escutar o ruído da á-gua. Foi feita uma fogueira, sentamos à volta do fogo conversando e prepa-rando os “rangos” – que eram: lingüiça assada com queijo derretido, pão gre-lhado, cebola assada, pomba assada e a famigerada batata-doce assada- , enquanto isso, o Catarina, que já tinha dado uns “pegas” num “baseado” tirava uns solos no violão. Batata-doce assada no braseiro foi o que mais gostei.

Enquanto cantávamos, passava de mão em mão o que chamávamos de “cachimbo da paz “, era o cachimbo do catarina, só que com maconha ao invés de tabaco. De molhado, havia vinho e conhaque.

_ E agora vai rolar uma homenagem para o sempre vivo Elvis Presley ! Gritou o Catarina. - Desde o momento que ficou sabendo da sua morte, ele ensaiou algumas baladas do cara –

Ficamos realmente impressionados com a desenvoltura do Catarina, ele tocou muito bem e cantou no timbre de voz do Elvis. Cantou as 4 canções que havia ensaiado e depois tocou mais alguns blues. Aplaudimos e assobiamos bastante.

O ar frio da noite, o cheiro de lenha queimando, na escuridão da mata, nossos rostos iluminados pela luz do fogo, aquela imagem ficará na minha memória para sempre. O difícil mesmo, naquela noite, foi acertar o caminho de volta pra escola. Mais uma vez a sorte não me abandonou.



FIM







AUTOR: wildwind





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