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Artigos-->NA MARGEM DO POTENGI -- 10/07/2006 - 23:50 (Francisco das Chagas Rodrigues) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Quando adoecemos e sentimos a força vital que mantém nossa matéria viva diminuir, avaliamos com maior profundidade a finitude de nossa existência e a pergunta do que em nós pode ser eterno fica mais incisiva.

Foi com essas elucubrações que sentei à margem do rio Potengi que banha minha cidade, Natal. Estava a procurar respostas que não encontrei até agora nos livros acadêmicos. Mas o rio corria indiferente à minha angústia. Via os barcos ancorados na sua margem com velas arriadas e o espelho cristalino de sua superfície, somente estremecida pelas pequenas ondas que o vento suave formava, refletia os últimos raios do sol que pintando o horizonte de cores carmesins avisava que já ia embora.

Mas o sol indo embora, ficava comigo o rio. Prestando maior atenção ao seu deslizar silencioso achei que ele queria me dizer alguma coisa além de sua capacidade de brilhar à luz do sol e à noite ser capaz de refletir as estrelas e a luz do luar. Do diminuto murmúrio de suas águas beijando o cais, a minha consciência debilitada interpretava aulas de um professor como nunca tive na vida.

“Sou grande e imponente agora, mas já fui no passado um filete de água que escorria dos morros. No meu trajeto fui acumulando mais e mais água até chegar ao ponto que me contemplas. Porém tu sabes que em uma piscadela e outra do teu olhar já não é o mesmo rio que fala contigo. O meu destino é derramar no oceano e mais uma vez nutrir a fonte que alimenta as nuvens para minha existência continuar. A eternidade que tu procuras depende fundamentalmente da tua mortalidade, para que nutras a terra da qual tu surgisses. Porém tudo seria muito insosso se apenas esses ciclos fossem suficientes. Cada ser ou entidade natural desempenha um papel específico dentro da própria Natureza. Eu, como vês, estou agora a servir de meio de transporte, lazer para os banhistas e recursos nutritivos para os pescadores. Antes podiam até me acusar de egoísta por eu estar acumulando tanta água, mas neste ponto em que me vês, entendes então, porque era necessário agir assim. Eu tinha que me robustecer para melhor cumprir meu destino, o destino de um rio.

“Tu és humano e por isso o teu destino não pode ser igual ao meu. No entanto, alguns princípios são comuns. O ciclo da vida, mesmo diferente, rege a mim e a ti. Também a necessidade de se fortalecer para cumprir nosso destino. Porém comigo é mais fácil, pois todo o processo evolutivo é comandado diretamente pela mãe Natureza. Contigo entra um novo fator, o livre arbítrio, que lhe dá condições de tomar direções segundo a tua própria consciência. Então, o egoísmo que é importante para nos robustecer e cumprir nosso destino, comigo é naturalmente cumprido. Contigo, depende de tua consciência libertar-se desse egoísmo no momento oportuno. Para saber quando esse momento chegou é necessário que também desenvolvas o sentimento do Amor, pois só ele pode dar a sensibilidade necessária do ponto em que tudo que acumulastes agora deve ser devolvido à sociedade que te nutriu. Os filhos que tu gerastes e educastes são a garantia de que continuarás perene ao longo do tempo”.

De repente percebi que o rio-professor estava me cobrando amor. Se realmente eu tivesse amor suficiente no coração não estaria com essas lamúrias na sua margem. Percebi que eu já estava amadurecido e no ponto de devolver à sociedade o que dela absorvi, sem mais a intenção de acumular indevidamente. Que a minha mortalidade pessoal não pode ser reclamada, pois a minha existência é devido a mortalidade dos meus antepassados. O que poderia lamentar é que a Natureza, me resgatando tão cedo, deixa perder tanta contribuição que eu poderia oferecer à comunidade. Neste ponto dos meus pensamentos avistei um cardume piruetando no centro da correnteza, e não sei porque, interpretei como se o professor estivesse satisfeito com a aula que ministrou e com o resultado que alcançou.

Levantei e fui para casa. Continuava abatido, mas a minha consciência resplandecia. Tinha recebido a aula mais bela de toda a minha vida e de alguma forma eu teria que retribuir. Mas como pagar a um rio? Com lágrimas de gratidão, aumentando os seus afluentes? Mas ele me trouxe paz ao espírito e maior amor ao coração, e as lágrimas não surgem naturalmente nessas circunstâncias. Vou então correr o risco de ser sacrílego e pedir para que façam a única coisa que me deixará em paz com minha consciência:

Quando eu morrer, enterrem meu coração na margem direita do Potengi!

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