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Contos-->2 Detetives - Noite Macabra -- 20/04/2002 - 21:36 (Gustavo Henrique) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
-Esse lugar me dá arrepios, Hércules! – comentou Munhoz com voz trêmula, encolhendo-se para o lado dele no banco de trás do táxi.
-Por quê? O nome Vila Macabra lhe assusta? É assim que chamam o povoado, amigo. Se não me engano é por causa do aspecto da noite, e lendas de fantasmas também.
-Ah... n-não diga!
-É... mas são apenas jogadas para atrair turistas... não leve a sério. – desdenhou o detetive.
-Tá, mas e aquela série de desaparecimentos de pessoas que aconteceram algum tempo atrás, hein? Vai dizer que foram lendas também?
-Bem, não. Realmente aconteceram. E o interessante é que nunca pegaram o culpado... sabe, Munhoz, este vilarejo tem uma história muito interessante. Vou pesquisar alguma coisa quando puder.
E lá foram os dois, cortando a noite dentro do táxi, em direção à Vila Macabra, para desvendar o desaparecimento de um valioso objeto antigo, pertencente ao recém habitante da única mansão existente no lugar.
Pelo que disse o cliente a Hércules, ele herdou a propriedade de seus avós, que eram os moradores mais antigos da vila. O objeto roubado era um crucifixo do tamanho de uma mão, todo entalhado em ouro com rubis e diamantes. Disse que já pertenceu a seis gerações da família, e foi feito em homenagem ao fundador da Vila Macabra.
Munhoz espantou-se ao olhar no relógio e constatar que eram quase duas horas da tarde, e tudo estava praticamente escuro. Relatou o fato a Hércules.
-Oh, sim, Munhoz. Parece que este lugar vive perdido em meio a problemas meteorológicos... densas nuvens o tempo todo, essas coisas.
-Puxa, as mulheres daqui devem ser todas branquelas. Não poderíamos ter vindo a um lugar pior!
O detetive deu um tapinha de consolo no ombro de seu inconsolável companheiro, enquanto o táxi ia parando em frente a um enferrujado e gigantesco portão. E via-se por entre suas ornamentadas barras a assustadora arquitetura de um velho casarão.
Os dois entreolharam-se por um instante, antes de cruza-lo, e seguirem o caminho da porta principal. E logo antes de darem a primeira batida, ela abriu-se repentinamente, revelando a figura de um simpático homem.
-Dãi! – assustou-se Munhoz.
-Eu vi o táxi parando. Sejam bem vindos, Hércules e Munhoz!
-O senhor é Ubaldo Mortife? É um prazer conhece-lo. – disse Hércules, estendendo-lhe a mão.
Após as devidas apresentações, os dois foram convidados a dirigir-se à biblioteca da casa, sorrateiramente. Chegando lá, Ubaldo começou a falar discretamente:
-Estou contente por terem vindo me ajudar. Sabe, estou com dois hóspedes aqui, um casal muito amigo meu, e não quero que eles saibam que vocês são detetives.
-Isso significaria que o senhor suspeita deles como os possíveis ladrões? – perguntou Hércules.
-Bem... não vou negar que não me espantaria se o marido, Pedro Ladino, fosse o culpado... mas Sara não tem nada com isso, eu acho.
-Uma mulher? Oba! – vibrou Munhoz, esfregando as mãos.
-Não comece, amigo! Diga, Sr. Ubaldo, por que pensa assim sobre essa moça?
Ele respondeu calmamente:
-Eu a conheço a muito mais tempo do que a seu marido. Na verdade, só o conheci quando casaram, e sei que ela fica tão nervosa e estranha quando faz algo de errado que com certeza eu perceberia se estivesse envolvida.
-Certo, mas vamos ser mais práticos... quando foi que o objeto sumiu?
-Ontem pela manhã reparei que não estava em meu baú, e passei o resto do dia procurando por toda a casa. Como não o encontrei em lugar algum, telefonei-lhe pedindo ajuda, por ter estas arriscadas suspeitas.
-Já procurou no bolso de trás de suas calças? – perguntou Munhoz.
-Como disse...?
-E debaixo do travesseiro? – perguntou Hércules.
-Senhores! Senhores! – irritou-se o anfitrião – Será que não compreenderam ainda a minha aflição? Esse crucifixo é muito valioso, e muito importante para mim! Eu nunca iria simplesmente esquecer onde pus!
Hércules ficou ligeiramente constrangido, e desculpou-se. Afinal, Ubaldo tinha razão.
Mais algumas perguntas foram feitas, e souberam que o casal havia chegado dois dias atrás. Depois, passaram para a grande sala de visitas, a fim de serem apresentados, como sendo mais dois hóspedes, velhos amigos de Ubaldo.
O encontro foi mais rápido do que o esperado, pois o casal Ladino estava de saída para um passeio pela Vila Macabra. A impressão que os detetives tiveram foi boa: uma moça bonita e sorridente, com um rapaz simpático e cortês. Mas nunca se sabe... se todos os bandidos nascessem com rótulo na testa, a polícia teria muito menos trabalho.
No momento, Hércules e Munhoz seguiam Ubaldo escadaria acima, a fim de conhecer seus quartos. Conversavam baixinho.
-Cenouras Mutantes, Munhoz! Não me sinto bem aqui... entende? É como se... como se estivesse cercado por algo!
-Eu entendo... o mal está aqui, Hércules! Posso até sentir como se a morte estivesse soprando minha nuca. – comentou, ligeiramente trêmulo.
-Aqui está. – anunciou Ubaldo, abrindo a porta de um quarto de hóspedes – Qual dos dois ficará neste?
-Nós dois ficaremos! – adiantou-se Munhoz – Sabe como é... somos inseparáveis.
Hércules limitou-se a dar uma risada disfarçada, e um olhar indagador a seu amigo.
-Bem, nesse caso então, fiquem à vontade para arrumar suas coisas. Eu vou descer e preparar algo para os senhores e meu filho. Ele já está pra chegar da escola.
A dupla agradeceu e entrou no quarto. Repararam que nele havia somente uma enorme cama de casal. Dois segundos após olharem simultaneamente para ela, trocaram olhares furtivos, e nem precisaram manifestar a vontade que um e outro tinham de ficar com a cama.
Hércules rapidamente começou a ordenar mentalmente uma dezena de motivos em seu favor, e Munhoz também, logicamente a uma velocidade inferior, e com o detalhe da careta.
-Eu sou mais velho, sou seu patrão, seu amigo e sei que é um rapaz bom e caridoso, não é, Munhoz?
-Vamos tirar no par-ou-ímpar. – respondeu ele, com um olhar severo.

Meio a contragosto, decidiram os dois dormirem na mesma cama; Hércules por não abrir mão de não sentir dor de pescoço pela manhã; e Munhoz por teimosia, pois ele sabe que ronca como todas as portas velhas deste casarão juntas.
Já passava das duas e meia da tarde, e os dois estavam dando uma arrumada nas roupas que trouxeram.
-Então, Hércules, quando você vai começar a “usar sua intuição e experiência detetivescas para encontrar o crucifixo”, como disse Ubaldo?
-Sabe, amigo – respondeu ele, em tom pensativo -, pelo jeito, o que nosso anfitrião quer mesmo é que eu fuce nas coisas do senhor e da senhora Ladino. Mais especificamente nas do senhor Ladino. E não há nada mais propício a se fazer, já que os dois saíram.
O outro esfregou as mãos, sorrindo sarcasticamente.
-Hã-Hã... então vamos remexer tudo, vamos!
Saíram furtivamente do quarto, e puseram-se a procurar o do casal, abrindo e observando um por um. Até que encontraram.
Remexeram malas, armários, armarinhos, gavetas, guarda-roupas, banheiro, bolsos de calças, paletós, calci... bem, esse último foi Munhoz.
O fato é que não encontraram o objeto, nem algo que ajudasse a encontrar. Decepcionados, deixaram tudo como estava, e voltaram.
-Fantasmas Depressivos! Se foram eles, devem ter escondido em outro lugar. E essa casa é enorme! Preciso fazer perguntas a Ubaldo.
-Eu vou com você.
Desceram a escadaria e dirigiram-se à cozinha, onde o simpático homem preparava um delicioso lanche para todos.
-Ah, olá senhores! Já arrumaram suas coisas? Gostaram do quarto?
-Sim, sim! É muito confortável. – disse Hércules gentilmente.
-Ah, que bom... – murmurou ele, picando algumas folhas de alface.
O detetive pigarreou, como que preparando mentalmente uma pergunta.
-Diga, sr. Ubaldo, não tem cozinheira?
-Oh, não. Sabe, já é chato viver num lugar como esse, num casarão gigantesco, e seria ainda mais se eu não fizesse nada. Morreria de tédio.
-Nem mesmo uma faxineira? – insistiu o detetive.
-Sim, faxineira eu tenho. Ela vem uma vez por semana. Acho que amanhã é dia dela vir.
-Só uma vez por semana?? – espantou-se Munhoz – Mas numa mansão velha como essa deve ter um monte de sujeira!
-Claro – retrucou Ubaldo Mortife, calmamente – É que ela é uma mulher eficiente. Quando vem, limpa perfeitamente cada centímetro quadrado de cada móvel e cômodo, não deixa nada para trás. Meu filho sempre reclama porque ela deixa todas as coisas dele limpas e em perfeita ordem, e ele não encontra nada do que quer, entendem? Há-Há! Até tomei o cuidado de avisar os outros dois hóspedes, para que não se espantem se encontrarem suas coisas em perfeita ordem também. Ah! E os senhores, é claro, não se espantem.
-Entendo – sorriu Hércules – Com certeza deve ser uma mulher eficiente... e falando em eficiência, gostaria de saber como é que o senhor prefere que eu aja para investigar o paradeiro do objeto.
-Oh, bem... na verdade não sei exatamente. Só o que quero pedir é que ninguém fique sabendo de nossas intenções. Nesse caso eu devo confiar em sua capacidade de colher informações de maneira indireta, e discreta também.
-Então pode ficar tranqüilo. Eu e Munhoz somos muito bons em manter falsas aparências, não é, Munhoz?
-Claro! Hã-Hã! Minha boca é um túmulo onde falecem verdades!
-Puxa... devo dizer que seu comentário foi muito pertinente – disse o anfitrião. – Tudo por aqui transpira esse ar de terror...
-Oi, papai! – berrou um simpático garoto, entrando na cozinha com uma mochila nas costas e uniforme escolar.
-Já chegou, Adamastor! Venha conhecer meus dois amigos! Vamos tomar um lanche juntos!
E assim foi. Após Ubaldo preparar sanduíches e um cheiroso bule de café (com café dentro), os quatro sentaram-se à mesa e conversaram animadamente sobre suas respectivas e diferentes rotinas. Então, houve um agradável silêncio, quebrado pela alta e estridente fala do simpático Adamastor:
-Papai, eu encontrei o Pedro e a Sara na rua! Eles tavam indo lá na loja de bengalas!
-Meu filho, você disse boa tarde pra eles?
-Disse! A Sara até me contou uma piada de terror! Mó da hora! Era de um zumbi que tava com dor de barriga e robô as faixas da múmia... aí...
-Entendemos meu filho... que zumbi malvado, Há-Há. – interrompeu o pai, constrangido.
-Não era malvado não, papai... – enfezou-se o garoto – Ele devolveu elas depois!
As risadas foram inevitáveis, e de diferentes intensidades. A de Munhoz foi forte e repentina, o que o fez cuspir um pedaço de biscoito na testa de Ubaldo.

A noite tomou conta do lugar. Silenciosa e fria.
A dupla já ocupava a cama de casal. Hércules, do lado direito, lia um livro que encontrou numa estante do casarão. Munhoz tentava dormir, mas a luz acesa e o fato de seu amigo ler em voz alta o atrapalhavam. Teve de ouvir, portanto, cada palavra que ele dizia, sobre a narração escrita por um antigo habitante da Vila Macabra:
“... mas somente quando se repara, é que realmente sente, cada um, a seus medos interiores. Não ter um relógio e perder a noção de quando é noite e quando é dia, realça tais medos e põe todo o cenário em primeiro plano na mente. E então, o frio não é mais por causa do vento, e os arrepios não são mais por causa do frio.
“Um lugar como este não crescerá nunca, em qualquer sentido: população, economia... nada. As pessoas temem ficar, e temem sair. Temem talvez mais a agitação e correria das grandes cidades do que os assustadores acontecimentos. Visitantes preferem chamar de lendas. Uma pena, pois quem mora na Vila Macabra sabe que o lugar costuma enlouquecer muita gente. O irônico é que tal afirmação dá impressão de englobar toda a população daqui.
“Somos extremamente estranhos, mas não por opção. Somos obrigados a ser por tudo que vemos e sentimos. O somos por cada desaparecimento misterioso, por cada uivo de lobo vindo do cemitério, por cada sombra veloz voando pelas árvores secas e sem cor. E, é claro, o somos por cada flor que nasce, por ser uma vida valorosa que não dura.
“Os poucos rapazes presenteiam suas poucas amadas com o melhor sorriso que podem e uma mão cheia de algo com muito significado e pouco valor monetário, mas não flores. Quem nasce aqui está acostumado, então não sabe como é. Mas, afinal, quem dita as regras e pode ter certeza do que é melhor ou do melhor jeito? Estaremos nós no direito de amaldiçoar o fato de velórios aqui se assemelharem a casamentos? Quando é que teremos um raio de sol sobre uma noiva de branco, iluminando sua face alegre? Só compreendemos verdadeiramente a escuridão dos velórios, porque ela se assemelha ao vazio dentro de nós, em tais horas.
“Talvez um dia a cúpula maldita que nos cobre envelheça, e nela se faça uma fenda por onde a luz nos cegará, e o calor nos fará sentir humanos.”
-Ah... ventos alísios... muito interessante. Capítulo seis... cemitérios. – murmurou Hércules, virando a página.
“Darei o troco quando começar a roncar...” – pensou Munhoz, suspirando.

E ele, às três da madrugada, não sabia por quê havia acordado com ruídos tão sorrateiros, vindos do andar de baixo da casa. O sono o impediu de identificar bem o que eram. Somente quando fitou Hércules dormindo pesadamente é que teve um pensamento bastante engenhoso:
-Ei... – murmurou consigo mesmo – Pode ser que o ladrão esteja aprontando alguma lá embaixo... essa pode ser minha chance de mostrar pro Hércules que sou bem esperto.
Em seguida, levantou-se bem devagar, e saiu a passos furtivos para o corredor, em direção à escada, levando consigo uma lanterna, mas sem acende-la.
Empenhou-se ao máximo para amenizar os rangidos dos degraus, e suspirou aliviado quando chegou finalmente ao andar de baixo. Mas seu alívio foi momentâneo, pois um ruído semelhante a talheres ou ferramentas se fez ouvir, vindo provavelmente da cozinha. Munhoz soltou um abafado gemido de susto, fez o sinal da cruz e foi andando lentamente até lá.
O brilho da lua atravessava a janela, e pode perceber que a cozinha transpirava perfeita ordem, embora alguns cantos dela estivessem escuros. Foi observando em volta que arregalou os olhos, ao perceber a porta que descia para o porão: entreaberta. Sua excitação aumentou, respirou fundo, disse para si mesmo que monstros e fantasmas nunca existiram, e tomou coragem para descer.
Mais degraus, mais rangidos. Acender a lanterna era inevitável. Observava com atenção cada ponto iluminado pelo facho de luz. Ao chegar no porão, ficou parado e ofegante, passando a lanterna em tudo à sua volta. Viu ferramentas de pedreiro, sacos de cimento e coisas para jardinagem, mas demorou a reparar que todo o chão era de terra ainda, e que aparentemente não havia ninguém lá. Andou pelo lugar para procurar pegadas. Não as encontrou, mas entrou em um momento de apreensão total ao sentir que a terra, em determinada área quase central do local estava ligeiramente fofa.
-Hã-Hã! Se isso for o que estou pensando... se isso for o que estou pensando... – vibrou, falando baixo, e indo atrás de algo para cavar.
Como achou que uma pá fosse exagero, pegou uma colher de pedreiro, e rapidamente ajoelhou-se sobre a área fofa, cavando um pequeno buraco.
Quando chegou a aproximadamente dois palmos de profundidade, sentiu a ponta da ferramenta bater. Seu coração disparou, largou a colher e deixou a lanterna cair despreocupadamente. Sem rodeios, enfiou a mão no buraco e começou a puxar um objeto. Com alguma dificuldade, conseguiu tira-lo, mas sua expressão não era de alegria, mas sim de dúvida, pois nunca imaginou que um crucifixo pudesse parecer-se tanto com uma bola de boliche leve. Pegou a lanterna para averiguar, e o facho de luz, atravessando os buracos e frestas daquele crânio que ele tinha nas mãos fez sombras demoníacas nas paredes do porão.
-Ããããã! – berrou Munhoz, largando o crânio e tapando a própria boca com as duas mãos para abafar o susto. – E-eu sabia... sabia que havia um serial killer por aqui! Só pode ser Ubaldo... Hércules vai ter de acreditar em mim!
O que fez em seguida foi enterrar o crânio exatamente do jeito que estava, guardar a ferramenta e subir para a cozinha sem deixar suspeitas. Mas ao chegar lá em cima, a luz se acendeu repentinamente, revelando a figura sonolenta e despenteada de Ubaldo Mortife, com um enorme garfo na mão, sujo de terra. Munhoz não conseguiu evitar de se sentir acuado.
-O que faz aqui a essa hora, Sr. Munhoz? – perguntou sonolento o anfitrião.
-B-bem... eu... eu ouvi um barulho e desci para averiguar, já que poderia ser o ladrão. – respondeu ele, encarando amedrontado o garfo.
E de repente, Ubaldo assumiu uma expressão de normalidade.
-Oh, tudo bem... então deve ter sido o senhor que eu ouvi.
-Hã-Hã! – riu Munhoz forçosamente – Então está explicado, eu ouvi o senhor e o senhor me ouviu. É melhor eu ir dormir... sonhe com os anjinhos!
E Ubaldo Mortife acompanhou com estranho olhar a retirada do rapaz para o quarto de hóspedes.
Ao chegar lá e trancar a porta, correu para acordar Hércules, e o sacudiu nervosamente.
-Hércules! Hércules!
-Ah... o que é que foi...?
-Não vai acreditar no que eu descobri! Ubaldo é o tal assassino que ronda esta vila!
O detetive pareceu não se empolgar nada com tal afirmação. Só o que fez foi espreguiçar-se e apoiar-se na cabeceira da cama.
-Olhe, amigo, este lugar tem uma aura estranha... você pode estar imaginando coisas.
Munhoz pôs-se de pé e começou a andar ligeiramente de um lado para o outro enquanto falava:
-Mas é verdade! Eu acordei com um barulho estranho, e desci para a cozinha, mas não havia ninguém. Então eu vi a porta do porão aberta, e desci até lá. Tem um monte de material de pedreiro, e o chão é todo de terra. Foi quando percebi que tinha uma parte onde a terra estava fofa. Aí eu peguei uma colher para cavar, pensando que fosse a cruz enterrada, mas sabe o que eu achei? Sabe? – finalizou, chacoalhando Hércules pelos ombros.
-O quê...? Uma minhoca?
-Não! – e murmurou: - Uma caveira de cadáver morto!
-É sério mesmo isso, amigo?
-Claro! Eu sei que não sou muito esperto, mas nesse caso a minha burrice apenas me faria pensar que aquilo era uma fruta nativa gigante e de casca dura.
-Vampiros Banguelas, Munhoz! Eu confio no que diz... mas é uma afirmação bastante grave. O que fez depois?
-Eu enterrei o crânio de novo, e subi para a cozinha. Então Ubaldo apareceu com um garfo sujo de terra na mão! Pensei que fosse me atacar!
-E de onde vinha ele?
-Estava entrando pela porta da sala de jantar. Disse que tinha acordado com barulhos, como eu.
-Isso tudo é muito estranho mesmo... mas não devemos nos precipitar com afirmações contra ele. Devemos continuar mantendo as aparências por mais difícil que seja, está certo?
-Tudo bem... tudo bem. Vou tentar. Mas é melhor ficar de olhos abertos. Acho bom encontrarmos o crucifixo logo e cair fora.
-Não se afobe, Munhoz. Devemos fazer as coisas com calma. Amanhã conversaremos com o garoto Adamastor. Não podemos excluir a hipótese de uma travessura de criança. Só que não diremos a ele nada sobre detetives ou investigações.
-Entendi, vamos ficar amigos dele.
-É isso mesmo... eu tenho uma idéia que pode dar certo. É o seguinte...

O dia amanheceu, e até as três da tarde tudo correu normalmente, dentro do possível. Hércules e Munhoz percorreram a casa discretamente, para fazer investigações antes que a faxineira chegasse e sumisse com todas as pistas, se elas existissem.
Depois disso, ela apareceu, Adamastor chegou da escola, e os detetives decidiram se dividir: Munhoz conversaria com o casal Ladino, enquanto Hércules faria amizade com o garoto.
O segundo bateu à porta do quarto e abriu-a, encontrando Adamastor sentado em sua cama, desamarrando os tênis.
-Boa tarde, seu Hércules! – berrou ele, sorrindo. – Quer alguma coisa?
-Boa tarde. Só achei que você deve ser um garoto esperto, e pensei em vir aqui e conversar, sabe. Eu tenho um filho quase da sua idade.
-E como ele se chama??
-Chama-se... chama-se... Fábio. – gaguejou ele, sentindo o peso da mentira.
-Legal! O senhor devia ter trazido ele junto pra brincar comigo. A gente ia aprontar um monte de encrenca. Aqui é muito mais chato do que onde eu morava.
-Ah... tenho certeza de que aprontariam muitas mesmo... o Fábio é um diabinho. Sabe que eu tenho um relógio antiguíssimo que ganhei de minha bisavó, de ouro, e ele uma vez pegou e escondeu, aquele pestinha. Fiquei feito bobo pela casa toda, e até chamei a polícia!
O menino engoliu seco, e ficou mais agitado e rubro.
-É m-mesmo? E o que aconteceu?
Hércules virou as costas casualmente, com as mãos para trás, fingindo não ter reparado naquele repentino nervosismo.
-Bem, depois eu percebi que tinha sido ele, e disse que a polícia teria de prende-lo se não devolvesse, e eu, mesmo sendo pai dele, não poderia fazer nada.
Um “snif!” soou atrás do detetive, e ele virou o rosto, deparando-se com um pranto soluçado de Adamastor.
-O que foi? Você está bem?
-E-eu n-não quero ir pra prisão, snif! Eu confesso! Eu catei a cruz do meu pai pra mostrar na escola! Eu catei, snif!
Sem saber se berrava de alegria ou se o consolava, Hércules apenas adotou um tom casual:
-Ora... não fique assim... é só devolver e tudo fica resolvido.
-É mesmo... snif!... eu até devolvia se não tivessem roubado de mim!
Ele sentiu uma pontada. Seria essa a hora de ter um enfarto? Não... ainda não. Mas que diabos! Qualquer dia seu coração diria “basta!” para as surpresas da profissão!
-Roubaram a cruz de você? Não viu quem foi?
-Claro que não! Se tivesse visto ia encher de soco, assim ó! – respondeu o chorão, esmurrando o ar, todo desengonçado.
Hércules viu a mochila dele em cima de uma cômoda amarela com gavetas azuis, e correu até ela.
-Tem certeza? Vai ver apenas não procurou direito. – disse ele, abrindo o zíper, que tinha um chaveiro de mulher nua. E ao vê-lo, um pensamento passou-lhe pela cabeça, mas não era uma pista lógica... pensou que era a primeira vez em um bom tempo que tocava numa mu... chacoalhou-se, jogando a idéia fora. Concentrou-se em procurar e procurar.
Espalhou todos os materiais escolares, mas em vão. Nada havia de parecido com um crucifixo lá dentro. Suspirou de decepção ao desistir, e virou-se novamente para o assustado Adamastor.
-Não percebeu, viu ou sentiu nada de estranho no dia em que foi roubado?
-Não... nada. Só que quando eu levei ela pra escola, tava tudo bem, mas voltando pra casa, a mochila começou a fazer barulho, como se tivesse alguma coisa estranha dentro, mas eu nem liguei.
-Ruínas Gregas! Se eu considerasse isso uma pista, me sentiria um idiota.
O detetive saiu reclamando pela porta. Ao fecha-la com vigor, o garoto assumiu uma expressão de dúvida:
-Puxa... até parece que ELE queria me roubar!

A peculiar dupla uniu-se no quarto de hóspedes, como o combinado, para fazer um levantamento do que conseguiram. Aparentemente Munhoz era o único que estava com cara de quem descobriu pistas. Ao reparar nesse detalhe, o outro comentou:
-Amigo, pela sua cara, está contente, hein!
-Hã-Hã! Tem razão devo estar mesmo...
Hércules empolgou-se dando tapinhas de congratulações no ombro dele.
-Ah... significa que descobriu algo importante? O que foi?
-Nada... Hã-Hã! Daqueles dois eu não descobri nem quanto é 1 vezes 3.
-Então por que está tão feliz?
-Não tô não, se liga!
-Está com aquela cara de bobo, e eu conheço! O que aprontou?
-Não aprontei nada! – zangou-se Munhoz.
-Não se faça de mais idiota! Diga-me ou...
-Ou o quê?? – perguntou ele, pegando um travesseiro e atirando-o com força no rosto de Hércules, deixando-o ainda mais despenteado.
-Ei! Está passando dos limites, Munhoz! Se não falar, eu conto pra secretária que foi você quem lhe deu sonífero só pra roubar-lhe a mistura do almoço!
O outro ergueu as mãos, numa atitude de rendição.
-Tá bom! Tá bom! Eu conto! Estou contente porque... bem... Hã-Hã! A dona Sara é uma mulher muito gentil.
Hércules foi se aproximando lentamente de Munhoz, com uma expressão bastante severa.
-É por isso que está contente? É por isso que está contente? Você andou flertando com a esposa de Pedro, seu imoral?
-Ah... que mal tem isso?
-Como que mal tem nisso?? Nunca ouviu o mandamento que diz: “Não cobiçarás a mulher do próximo”?
-Mas somente quando o próximo está próximo!
-Não diga besteiras! Qualquer dia vai se dar muito mal por causa da sua inconseqüência!
-E daí? Eu não quero ser um homem igual a você, que nunca tenta nada, por isso está há anos sem ter um relacionamento!
O detetive olhou com raiva para Munhoz, e agarrou-o pelo colarinho.
-Escute aqui, seu camarão... – começou Hércules, mas sem terminar a frase, assumindo de repente uma expressão pensativa.
-O-o quê...?
-... Acabou de me dar uma idéia interessante... interessante mesmo.
Largou Munhoz, e saiu pela porta.
Era incrível como, às vezes, seu parceiro e amigo, com sua inteligência e perspicácia, conseguia faze-lo sentir-se totalmente ausente e solitário. Por nunca conseguir acompanhar seu raciocínio, apenas calava-se e o deixava trabalhar suas “idéias interessantes”, ou deixava-o só para não dizer bobagens que o desconcentrassem.
Desta vez, não foi Munhoz quem deixou Hércules pensando. Desta vez foi deixado. E teve pela primeira vez em toda sua extensa carreira, a estranha impressão de que não estavam no mesmo barco.
Hércules costumava explicar-lhe o que fazer quando preferia investigar coisas sozinho. Desta vez teria de se virar...
-Bom... Hã-Hã! Vou interrogar a Sara de novo... – disse para si enquanto esfregava as mãos e levantava-se, em direção ao espelho.

E Hércules já estava há cerca de meia hora no porão quando Ubaldo foi até ele. E suas maneiras mostravam preocupação.
-Oh... vejo que está fazendo suas buscas...
O detetive respirou fundo, e suspirou, dirigindo-se até Mortife.
-Sim, estou... o senhor veio me perguntar algo?
-Não, não... digo, sim! É que, bem, só gostaria de saber como vão as coisas.
-Com mais surpresas do que qualquer um poderia imaginar... – respondeu, limpando as mãos num lenço e indo em direção à escada.
Ubaldo olhou atentamente em volta, secou o suor da testa e também subiu.
Na cozinha, ouviu duas vozes conversando alegremente. Foi até a janela e viu que se tratava de Sara e Munhoz, sentados em um banquinho de madeira, no imenso quintal.
-Puxa, Juan! Você é um rapaz muito divertido mesmo! – exclamava a moça.
-Me chame de Munhoz... já estou acostumado. Só minha mãe é que me chama de Juan.
-Sei, e mãe é uma coisa sagrada, não é?
-Sim. – e aproximou-se do ouvido da moça para cochichar – Mas não para alguns dos meus amigos...
E ambos riram alegremente, até serem interrompidos por um chamado de Ubaldo.
-Ei, Munhoz! Pode vir até a cozinha, por favor? Preciso conversar com você!
-Claro! Hã-Hã! Espere um pouquinho, Sara. Já volto.
Ele levantou-se e foi andando até a porta.

Na biblioteca, Hércules conversava com Pedro Ladino sobre trivialidades. No momento, o assunto era arquitetura.
-... e esta casa parece ser completamente original ainda. – disse Pedro.
-O senhor quer dizer que acha que ela nunca sofreu reformas?
-Sim, quer dizer, não diria que ela nunca sofreu reformas, mas algum pequeno reparo aqui e ali... mas isso é necessário, e não penso que destrói a originalidade do lugar.
-Ah... minha opinião é diferente... para mim, algo original tem de ser intocado, mesmo que esteja preste a desabar. E falando em reformas, parece que o senhor Mortife pretende ajeitar o porão.
-É mesmo? Sabe que eu nem notei?
-É verdade. Ele me disse que os pedreiros chegam amanhã pra começar o serviço.
-Que coisa... bom, acho que vou procurar minha esposa. Combinamos de ir até... a loja de bengalas. – disse Ladino, levantando-se.
Hércules também levantou-se educadamente. Mas ambos assustaram-se com uma gritaria de homens vinda de fora. Logo, já estavam correndo para a cozinha.
Lá, encontraram Munhoz acuado em um canto, e Ubaldo Mortife empunhando ameaçadoramente uma pequena faca.
-Quem você pensa que é para... – de repente ele parou, ao olhar Sara, Pedro e Hércules – Oh, senhores... como vão? Eu só estava... só estava...
Ele largou a faca e sentou-se numa cadeira, pondo as duas mãos no rosto. Munhoz foi arrastando-se pela parede, o mais longe que podia de Ubaldo e juntou-se ao grupo.
Hércules estava extremamente sério, e adiantou-se:
-Senhor e Senhora Ladino, eu e meu parceiro Munhoz precisamos ter uma conversa com o Ubaldo Mortife. Poderiam por gentileza se retirar?
-Parceiro...? Mas o que quer dizer? – indagou Pedro – Vocês são...?
-Detetives particulares, contratados por nosso anfitrião. – revelou o detetive.
Nesse momento, Munhoz entortou a boca em direção a ele e murmurou:
-Hércules... viu o que fez? Contou nosso segredo.
-Eu sei... – voltou-se para o casal - Poderiam nos deixar a sós?
O casal retirou-se apressadamente, e os restantes sentaram-se junto a Ubaldo.
-Não vou esconder nada, senhor Mortife. Sei do corpo em seu porão, e agora, me parece que se revelaram suas tendências homicidas, não é?
-O-o quê?? Do que está falando?? Eu não tenho nada a ver com isso!
-Ah, não? O que fazia acordado na noite de ontem, e com um garfo sujo de terra em punho?
-A pergunta é: o que o seu amigo fazia no meu porão na noite de ontem? E o garfo eu achei no chão da cozinha, logo antes de acender a luz e me deparar com esse homem, mais branco do que uma freira!
-O senhor não nos engana mais. Não vamos nos precipitar em acusações, mas, sinceramente, temo pelo seu filho. Espero que suas tendências homicidas não causem uma tragédia. Sabe o que vamos fazer?
Ubaldo estava simplesmente pasmo demais para falar.
-Isso mesmo! Hã-Hã! O que vamos fazer, Hércules?
-Vamos embora. – respondeu ele.
-Isso! Vamos... o quê?? – indignou-se Munhoz.
Alguns minutos depois, com seu amigo pra lá e pra cá reclamando, Hércules já estava chamando um táxi. E enquanto esperavam, ficaram sabendo que o casal Ladino também iria deixar a casa mais tarde. Os dois, principalmente Sara, pareciam muito preocupados.

Postos no banco de trás do carro em movimento, a peculiar dupla conversava. E o sorrisinho estranho que brotava no rosto de Hércules Bartolomeu só intrigava ainda mais seu amigo.
-Não entendo! Por que fomos embora? Estávamos pra capturar um assassino! Nem sequer achamos o crucifixo. Você não aceita minhas sugestões! O que está havendo? Nós somos uma dupla, não somos?
-Amigo, acalme-se... está entendendo tudo errado. Responda, por que Ubaldo lhe ameaçou com aquela faca?
-Ele estava bastante nervoso. Não deu pra entender muito bem o que dizia, mas tinha a ver com a Sara.
-Acha que ele estava com ciúmes de suas conversas com ela?
-Sim! Hã-Hã! Agora que você disse, eu tenho quase certeza que foi isso! Mas, ainda não entendo por que abandonamos o caso. Nunca fizemos uma coisa dessas!
-Já disse para se acalmar. Nós não abandonamos o caso! O casal Ladino já está de saída, Ubaldo vai aprender a controlar melhor seus impulsos e o garoto Adamastor com certeza tirou um grande peso das costas.
-Tá, mas e o crucifixo?
-Ah... você quer dizer, isso? – perguntou Hércules, retirando do bolso interno do paletó branco um crucifixo de ouro com pedras preciosas, extremamente brilhante.
-Meus Deus! – espantou-se Munhoz – Foi você quem roubou! Depois ainda reclama que eu pego as misturas da secretária!
-Puxa, não sabia que eram ‘AS misturas da secretária’... e eu não o roubei. Apenas usei a lógica, como sempre, para encontra-lo.
Constrangido, o outro perguntou:
-E como foi que achou?
-Bem, o principal começou com um comentário seu, a respeito do fato de eu não ter um caso amoroso há muito tempo. Lembrei-me de um chaveiro que vi na mochila de Adamastor, um chaveiro de mulher nua. A segunda pista foi o garfo sujo de terra. A terceira, foi a faxineira. E a quarta, as reformas no porão com chão de terra. Há mais coisas, é claro, mas o principal são esses pequenos detalhes.
-Garfo, chaveiro, faxineira... nada parece ter ligação.
-Mas tem, quer ver? Já lhe contei que o garoto confessou ter pego o crucifixo para mostrar aos amigos de escola. E disse que quando foi estava tudo normal com sua mochila, mas na volta ela começou a fazer barulho, como se tivesse algo dentro.
-Ué? Mas se ele foi roubado, algo NÃO deveria estar dentro. Não tem lógica!
-Arrá! Exatamente, amigo! Se está tudo normal numa mochila, algo é retirado dela, e um ruído se faz ouvir, deve se procurar outro motivo para tal. E o mais plausível, e talvez único plausível, seja que um zíper aberto parcialmente, faça com que um chaveiro nele fique esbarrando na mochila. E se eu fosse roubar algo da mochila de uma criança, iria distraí-la com algo, e abrir o zíper apenas o necessário, cuidadosamente. E diga Munhoz, o que nos revelou Adamastor naquele dia, assim que chegou da escola?
-Hã-Hã! A piada da múmia! Hã-Hã!
-Bem, quase... um pouco antes ele comentou com Ubaldo que havia encontrado o casal Ladino na rua, e que eles estavam indo na loja de bengalas... puxa vida, a mesma coisa que me disse Pedro Ladino quando estávamos na biblioteca. Não existe aí uma mentira, ou ocultação de algo importante ou constrangedor? Então, ao encontrarem o menino, Sara contou-lhe uma divertida piada, que ele adorou. Não é a perfeita distração para uma criança, e a perfeita oportunidade para um ladrão abrir parcialmente um zíper?
-Sim! É mesmo? Mas como é que eles adivinharam que o crucifixo estava com Adamastor?
-Ora, se a intenção deles era roubar, devem ter visto o garoto esgueirando-se para apoderar-se furtivamente do objeto. Não é difícil como parece. E nesse caso, descobriram que ele levaria a cruz para a escola, e saíram de propósito para topar com ele.
-E nós não achamos nada nas coisas deles depois, quando fuçamos em tudo! Onde era o esconderijo?
-Essa parte não foi muito difícil de descobrir... através de Ubaldo ficamos sabendo que a faxineira era eficiente demais, e vivia arrumando tudo o que encontrava pela frente, não importando o dono, e o casal Ladino sabia dela e do dia em que viria. Então, só tive de pensar no único lugar de uma casa onde uma empregada nunca faria uma limpeza geral...
-Mas onde? Uma faxineira com certeza limparia um porão, um sótão, um banheiro, uma sala, um quarto, uma cozinha... realmente não sei de nenhum cômodo “não limpável”.
-Eu sei... e é nada menos que um cômodo em reformas, o porão. A primeira coisa que você disse. Nenhuma empregada limparia um lugar onde seriam feitas reformas, com montes de cimento, ferramentas e etc.. Além do mais, tem o chão de terra, perfeito para enterrar algo... e como no geral a terra era dura, não foi muito difícil encontrar um pequeno espaço onde ela fosse fofa.
-E desenterrou o crucifixo escondido?
-Foi.
-Puxa... eu nunca poderia imaginar que a Sara estivesse envolvida nisso...
-Mas estava. Viu como os dois ficaram tensos quando revelamos que éramos detetives e não hóspedes.
-Sim, percebi... mas, minha nossa! Falando em desenterrar... e o esqueleto que encontrei?? Hércules, esquecemos que Ubaldo era um Serial Killer!
-Ah, Aranhas Paraplégicas! – riu ele – Não é nada do que está pensando!
-Como assim?
-Lembra do livro que eu estava lendo, sobre a história desse lugar? Ele fala de uma mansão que foi construída em cima de um antigo cemitério!
-Caramba, Hã-Hã! Bem que o senhor Mortife queria cimentar o porão todo!
-É mesmo... imagine morar em cima de um monte de corpos. Duvido muito que o filho dele sabia. Mas, voltando ao crucifixo, acho que vou esperar um tempo pra manda-lo de volta.
-Por que?
-Quero bolar direito um bilhete irônico que vou colocar junto, sobre apólices de seguro. Tenho suspeitas de que ele planejava ganhar um dinheiro... vi um documento desses nas coisas dele.
-Ah, eu acho que você está desconfiado demais. Precisa de umas férias. E eu também!
-Não é bem assim, amigo Munhoz. Todos mentiram descaradamente neste caso. Havemos de ser cautelosos.
-Isso sim. Eu me precipitei em acusar Ubaldo, quando o vi com o garfo cheio de terra na mão, pensei que tivesse enterrado mais um corpo.
-Não... acho que pelo menos quanto a isso o homem deve ter sido sincero. Pedro deve tê-lo usado para esconder o crucifixo, e o deixou cair. Mas agora não faz diferença, já que todas as hipóteses anteriores, Graças a Deus, se confirmaram.
Munhoz sorriu, e deu tapinhas no ombro de Hércules.
-Acha que devemos a Deus o fato de sermos bons detetives? Hã-Hã!
-Hum... não exatamente. Mas a Ele devemos o fato de estarmos sãos e salvos até hoje, não é?
-É! Hã-Hã! Obrigado, Deus, por eu não ter visto nenhum fantasma!
-Não agradeça... – sussurrou o taxista.
E Hércules Bartolomeu e Juan Fernandez Munhoz berraram ao olhar para o rosto dele...
O carro cortou a estrada, entre a paisagem sombria, e debaixo do céu cinza e pesado.
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