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Contos-->2 Detetives - Munhoz em Apuros -- 20/04/2002 - 21:39 (Gustavo Henrique) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Estava uma linda noite de sexta. Clima fresco, uma leve chuva esbarrando graciosamente na janela...
A noite perfeita para Hércules descansar seu cérebro de tantos enigmas. E lá estava o singelo homem, dormindo o sono perfeito, em seu quarto perfeito, na cama perfeita, na noite perfeita.
Foi quando um ruído estarrecedor cortou o sereno clima. Era o telefone perfeito de Hércules, implorando por alguém que o atendesse. Ele mexeu a cabeça, pensando que era um sonho e que podia afastá-lo com isso. E então, instantes depois, abriu os olhos, e resmungou um de seus termos "nada a ver", como de costume. Ergueu-se como se pesasse cem quilos, grunhindo, e atendeu. Uma voz familiar estava aos berros do outro lado da linha.
-Hércules! Hércules! Aqui é o Munhoz! Tem que vir até a delegacia! Estou preso! Me salve-me, amigo! - gritava ele, assassinando a gramática.
Hércules demorou alguns instantes para responder.
-Munhoz... - murmurou, em tom de bronca - Você não foi na festinha de oito anos do seu sobrinho, Munhoz?
-Eu fui!! Mas...
Hércules não o deixou terminar.
-Companheiro... eu não lhe entendo. É o único cara que vai a uma festinha de crianças e consegue ser preso! O que houve? Assassinou o palhacinho ou o mágico? - brincou.
-É... na verdade foi o palhaço! - retrucou Munhoz, constrangido.
O detetive acordou totalmente desta vez.
-Como é que é?? Você matou o palhaço, Munhoz??
-Não fui eeeuu!! Não fui eeeuu!! Me acusaram injustamente!! Me ajude... snif!... não quero mofar na cadeia... snif!...
Ele comoveu-se com o drama do amigo. Era algo muito sério. O que teria acontecido? Só havia um jeito de descobrir...
-Está bem... fique calmo. Qual é o endereço da delegacia onde você está?

Em pouco menos de uma hora, Hércules entrava no 69 DP. Identificou-se e perguntou por Juan Fernandez Munhoz. Após algumas formalidades, um guarda foi até a pequena cela temporária dele.
-Tem visita pra você, rapaz.
-Hã-Hã! Deve ser meu amigo! - animou-se Munhoz, que estava encolhido num canto.
Foi levado até a ala de visitas, e abraçou Hércules calorosamente.
-Ãããã, Hércules!! Eu sabia que não me deixaria aqui!!
-Calma, calma! Sente aí pra gente conversar. O tempo é curto, e devemos aproveitar. Conte-me o que aconteceu.
Munhoz sentou-se afobado, iniciando sua dramática narrativa:
-Sim, eu fui feliz e contente para o aniversário do meu querido sobrinho, ele... ele mora num bairro de luxo da cidade, é verdade, e tem uma casa com piscina e tudo. Aí então eu cheguei lá, e tudo estava indo muito bem... crianças correndo e pulando por todos os lados, musiquinhas divertidíssimas em volume máximo, doces e mais doooces - empolgou-se, lambendo os beiços -, exceto por uma coisa... o palhaço. Soube que minha irmã tinha contratado um, mas ele estava meio atrasado. A festa foi acontecendo, até que a linda mocinha com quem eu conversava sugeriu que fôssemos para a varanda, pois o som estava alto demais. A varanda era enorme, e dava acesso a várias janelas de quartos e aposentos... foi então...
-Então o quê, Munhoz? Continue. - encorajou Hércules.
-Foi então que eu avistei um objeto pequeno no chão, a uns quatro metros de mim. Fui ver o que era e... vi um revólver! E o que foi pior... ele estava caído bem em frente a uma janela, que estava esburacada... e quando eu olhei para dentro... lá estava um defunto morto e sem vida... o palhaço, com um tiro na cabeça... dããii, Meu Deus! Agora todos pensam que fui eu!
Hércules ficou claramente agitado com aquela narrativa. Subitamente teve um sobressalto.
-E a moça com quem você conversava, Munhoz! Ela deve...
-Não, Hércules! Ela tinha ido buscar refrigerantes naquela hora, e quando voltou, eu estava com a arma na mão e olhando todo afobado pela janela quebrada. A coitada ficou com tanto medo ao notar do que se tratava... pensou que eu tinha me aproveitado da ausência dela para assassinar o palhaço. Saiu correndo... e gritando! Foi horrível!
-Você estava segurando a arma, Munhoz?? Qual foi a primeira coisa que eu lhe ensinei?? Nunca, nunca pegue numa arma jogada no chão!! Agora tem suas impressões digitais!
O queixo do acusado começou a tremer, e seus olhos se inundaram. Hércules balançou a cabeça negativamente, e pôs a mão no ombro do amigo.
-Não fique triste, parceiro. Não foi você e isso já é o suficiente para mim. Tenho que pedir ao delegado para que deixe-me participar formalmente das investigações, e enquanto isso tente ficar calmo. Eu te trago alguns sanduíches e...
-Minhas revistinhas em quadrinhos também, Hã-Hã!! - exclamou Munhoz, todo contente.
-Sim, claro.

Hércules foi conversar com o delegado. Ele era um homem extremamente alto e corpulento, com uma expressão rabugenta e olhos bem severos. Mas, coitado, sua voz era fina que doía na alma.
-O que deseja, detetive Hércules? - perguntou ele.
-Bem, delegado Rasputino, vim pedir gentilmente para que me deixe ajudá-lo nas investigações sobre o caso de meu parceiro Munhoz. Tem que entender que ele, além de um grande amigo e ajudante, é também meu afilhado. Conheço-o muito bem, e sei que é inocente.
O grandalhão encarou Hércules pensativo, e disse:
-Detetive Hércules, entendo sua preocupação, mas todos os meus companheiros de trabalho achariam estranho se um detetive particular aparecesse do nada de repente, no meio de tudo. Mas... se por acaso alguém contratá-lo para averiguar algumas coisinhas... então não vejo por que não.
-Ótimo, sr. Rasputino. Providenciarei isso. Tenha um bom dia. - disse Hércules, bastante satisfeito.

Mais que depressa, ele arranjou um jeito de ser contratado pela irmã de Munhoz.
-Mas isso seria perfeito, sr. Hércules! Meu irmão vive falando bem do senhor, e principalmente que suas deduções às vezes o deixam com um nó no cérebro. - exclamou ela, sentada em frente à mesa do escritório do detetive.
-Seu irmão é um ótimo rapaz, sra. Bernardini. É por essa razão e por muitas outras que não tolerarei vê-lo acusado de um crime.
Bernardini suspirou seriamente.
-Sim, e farei tudo o que estiver em meu alcance para ajudá-lo. Pode contar comigo.
Hércules ajeitou-se um pouco na cadeira.
-Falando em contar... ajudaria bastante se a senhora me contasse o que viu ontem à noite na festa de seu filho.
-Ah, sim! Bem, infelizmente não vi nada de estranho antes... só que, em dado momento, uma moça veio correndo, acho que da varanda, gritando por socorro, e logo depois apareceu meu irmão, com uma arma em punho... pobrezinho... estava tão assustado. Mal conseguia falar. Levei um tempão para entender o que ele estava tentando dizer... que o palhaço tinha sido assassinado. E nem passou pela minha cabeça que pudesse ter sido ele... mas havia um fedelhinho que começou a dizer em voz alta que tinha visto ele atirar... nem lembro quem era, acho que sua mãe ficou constrangida e o levou embora.
-E a policia foi chamada e tiveram que levar seu irmão como principal suspeito, certo? - completou Hércules.
-Exatamente, e eu não pude fazer nada. Tentei dizer algo concreto em favor dele no meu depoimento, mas acho que não consegui. - disse Bernardini, decepcionada.
-E aquela moça que apareceu correndo? Ela deu seu depoimento também, não foi?
-Oh, mas claro. Foi a primeira a depor, e a primeira a ir embora. Pareceu não ter o mínimo de consideração!
Hércules coçou o queixo, pensativo.
-Muito esquisito...
-Mas, sabe, detetive Hércules, no fundo eu até entendo. Qualquer pessoa sensível ficaria assustada o suficiente com um assassinato para querer ficar longe o mais rápido possível. Acho que eu faria o mesmo no lugar dela.
-A senhora não a conhecia, não é? - perguntou ele.
-Não, mas na verdade eu não conhecia praticamente nenhuma das mães que estavam lá. O senhor sabe... meu filho convidou vários amiguinhos, e como a festa foi à noite, as mães vieram junto.
-Compreendo. Mas indo por um caminho mais prático... e quanto ao palhaço que foi assassinado? Pode me contar algo sobre ele?
Sra. Bernardini olhou para o alto, pensando.
-Não sei nada decisivo quanto a ele. Nem o vi chegar. Tudo estava uma bagunça... o som bastante alto. Eu o contratei através de uma indicação que me deram.
-Sei... - murmurou Hércules - E com bagunça e barulho, creio que seria realmente impossível ouvir um vidro sendo quebrado ou um tiro.
-Eu, pelo menos, não ouvi nada disso. Nem sequer uma impressão estranha, principalmente por causa de um menininho. Ele chorava um bocado porque roubaram o pirulito gigante dele, e o senhor deve saber o escândalo que faz uma criança ao chorar por causa de doces. Meu irmão Juan era assim quando pequeno.
-Ainda é... - disse Hércules, quase imperceptivelmente.
-Oh, como disse?
-Nada, nada... mas então, pra onde levaram o corpo? Já limparam o aposento onde ele estava? Retiraram alguma possível pista de lá? - perguntou ele, retomando o tom profissional.
-Sim. O corpo foi levado para o Instituto Médico aqui perto. E já limparam o quarto. - o rosto dela iluminou-se de repente - Ah! Mas o médico que cuidou da retirada do cadáver morto é um conhecido meu, e trabalha lá. É o dr. Doug Douglas, um ótimo sujeito.
Hércules ficou bastante animado com a revelação.
-Cataclismas Inóspitos! Mas isso é ótimo! Creio que ainda não tiveram tempo para examinar o palhaço! Irei até lá logo de manhã! Mas... - ele ficou sério de repente, como quem percebe algo importante - ninguém viu o palhaço chegar mesmo? Nem seu marido?
-Puxa! Realmente eu ainda não conversei com ele a esse respeito. Mas também... com toda essa coisa de assassinato e... meu irmão acusado... eu nem lembrei! - decepcionou-se sra. Bernardini.
Hércules abanou as mãos, levantando-se.
-Não tem importância. Façamos o seguinte... eu vou até o Instituto Médico falar com o tal dr. Doug Douglas, e a senhora pergunta ao seu marido e me liga dentro de... digamos duas horas, está bem? Com certeza já terei voltado ao meu escritório até lá.
-Como quiser, sr. Hércules. Boa sorte. - disse Bernardini, levantando-se.
-Para todos nós... - retrucou ele.

-Bom dia. Venho com urgência para falar com o dr. Doug Douglas, a pedido de uma grande amiga dele. - disse Hércules, para a recepcionista do Instituto Médico.
-Bom dia, senhor. Vai me desculpar, mas creio que o dr. Douglas está em serviço no momento. - respondeu ela, mecânica e educadamente.
-Poderia então pedir para que ele abandonasse o que está fazendo? Sou o detetive particular Hércules Bartolomeu, e estou investigando um assassinato. - e mostrou a ela, com pinta de galã, a sua insígnia de detetive.
A recepcionista torceu os lábios, ergueu ligeiramente as sobrancelhas e levantou-se de sua cadeira.
-Vou ver o que posso fazer pelo senhor, detetive Hércules.
Observou atento a saída da moça, e murmurou consigo mesmo, sorrindo:
-Está caidinha...

Vinte minutos de espera, e surge na recepção um senhor de aparentemente cinquenta anos, altura mediana e meio curvado. Ou sua testa era grande demais, ou ele era calvo. Andou até Hércules com um simpático sorriso, e numa velocidade que denunciava um caráter agitado e impetuoso. Sacudiu a mão de Hércules com bastante ênfase.
-Olá, sr. Hércules! Como vai? Posso ajudá-lo em alguma coisa?
-Creio que sim, dr. Douglas. Como já devem ter lhe contado, estou investigando um assassinato. A vítima foi um homem que trabalhava como palhaço.
-Um político?? Há-Há-Há!! - brincou ele.
Hércules sorriu alegremente. Afinal, era difícil ver pessoas que ficavam o tempo todo rodeados por cadáveres esbanjarem bom humor.
-Não, dr. Douglas, creio que desta vez era um palhaço de verdade. Deve ter chegado aqui na madrugada de ontem pra hoje.
-Oh, sim! Sei quem é! Teve sorte... ainda não tivemos permissão de abri-lo. Está praticamente intacto. Quer ver?
Hércules fez um sinal afirmativo, e acompanhou Douglas por vários e vários corredores. Chegaram na sala das "gavetas geladas". O doutor procurou por alguns instantes, e abriu uma delas habilmente. Hércules engoliu seco, e aproximou-se mais para ver. O que estava lá era um rapaz bem simpático, com cabelos bem encaracolados e azuis (com certeza pintados). Ele estranhou algo ao reparar bem no rosto do cadáver.
-Eu sei que mortos são pálidos... mas o rosto deste homem não está praticamente branco?
Douglas deu uma risadinha.
-É pó-de-arroz, detetive. Já estava se preparando para animar a festa quando foi morto.
Hércules ficou vermelho de vergonha.
-Oh, sim... mas... é claro, He-He! Então... não mexeram no corpo ainda, mas, já tem alguma informação a respeito? Algum diagnóstico?
-Bem... ele faleceu instantaneamente devido a um disparo que atravessou o cérebro. Foi encontrado no chão, com o rosto levemente convulsionado. É só o que eu pude averiguar à primeira vista.
-Acha que seria útil que eu falasse com algum outro doutor?
-Sinceramente, acho que não. Informações mais precisas só serão apuradas se a polícia exigir uma autópsia e...
Hércules o interrompeu, afobado.
-E vocês já tem alguns dados pessoais dele? Como nome... endereço...
-Sim, temos. Quer cópias para o senhor, detetive?
-Santa Fausta! Claro que sim! Obrigado dr. Douglas, é muito gentil de sua parte!
O doutor foi buscar as informações para Hércules, todo contente.

A mente de Hércules funcionava enquanto ele dirigia-se de táxi até o apartamento onde morava o palhaço: "Onde devo procurar? Na festa, com certeza. Tudo aconteceu lá. Mas por que será que ninguém o viu chegar? Deve ser um desses artistas que chegam à paisana e se vestem no próprio evento... sem dúvida. Será que ele não tinha nenhum ajudante? A moça que foi com Munhoz até a varanda deve ser investigada a fundo. Foi uma atitude natural da parte dela, mas nunca se sabe. Ah, sim... o garoto chorando por causa do pirulito... isso me dá praticamente a certeza."
O táxi parou em frente a um prédio. Hércules pagou a corrida e foi até o porteiro, mostrando sua insígnia.
-Boa tarde. Sou o detetive particular Hércules Bartolomeu, e preciso falar com a sra. Eliza Maltraphis, esposa do falecido Edgar Maltraphis.
-Ah... sim, a policia já esteve aqui. - respondeu o porteiro, com desdém - Vou avisar a sra. Maltraphis.
Alguns instantes depois, o detetive subia o elevador até o quinto andar. Tocou a campainha do 52. Uma senhora relativamente jovem abriu a porta. Tinha uma cara de poucos amigos que chegava a acuar. Com toda certeza não estava nada contente.
-O que o senhor quer?
-Preciso fazer-lhe algumas perguntas, sra. Maltraphis. - disse Hércules, gentilmente.
-A policia já veio me encher o saco! Vá embora!
-Compreendo que esteja cansada de tudo, sra Maltraphis, mas acontece que meu parceiro e afilhado Munhoz foi acusado injustamente do crime, e eu tenho que fazer de tudo para ajudá-lo. Por isso, peço humildemente sua colaboração.
A jovem senhora deu passagem para ele entrar. Talvez tenha pensado que não adiantaria o que dissesse, aquele magrelo descabelado não iria embora.
O apartamento era pequeno e confortável. A sala tinha um par de sofás pequenos, com uma mesinha de centro e um vaso... não... não havia vaso lá. Apenas um tapetinho redondo. Os dois se sentaram.
-Em primeiro lugar, a senhora era esposa do falecido Edgar, não? Há quanto tempo estavam casados?
-Dois anos e três meses. - respondeu ela, com má vontade.
-Ele era um bom marido?
-Às vezes. Ele era um mentiroso de dar raiva.
-Sim... - murmurou Hércules - Que tipo de mentiras contava?
-As mais idiotas e inúteis que se possa imaginar. Mentia sobre qualquer coisa que achasse que eu não fosse gostar. Eu odiava isso! Odiava! Seria capaz de matá-lo! - vociferou a mulher.
Mas de repente ela constrangeu-se com a própria demonstração de fúria, e ajeitou-se na cadeira, respirando fundo.
-Mas isso, é claro, é apenas uma maneira de dizer... - completou - Eu nunca mataria o pobre Ernesto.
Hércules olhava para ela atentamente, captando todos os sinais.
-Tiveram alguma briga recentemente, sra. Malthaphis?
-Bem... na verdade sim. Foi ontem à noite.
-E por que discutiram?
-Foi por causa das mentiras dele! Aquele verme maldito!
Novamente constrangeu-se com sua raiva inoportuna.
-Mas isso... é claro (e blá-blá-blá...)

A entrevista com Eliza Maltraphis foi extremamente compensadora na opinião de Hércules. Ela tinha tanto ódio de seu marido que mal conseguia contê-lo. Era aparentemente um motivo forte, mas o detetive ainda não estava satisfeito. Ah, vale ressaltar que, ao sair do apartamento dela, reparou em um minúsculo fragmento de vidro "grudado" em um enfeite de porta, do lado de dentro. Prova de que realmente brigaram pra valer.
Ao sair do elevador, ele lembrou-se de um ponto importante: a oportunidade. Se a mulher aparentemente tinha um motivo, faltava a oportunidade. Assim, perguntou ao porteiro se a sra. Maltraphis havia estado fora na noite anterior.
-Não, senhor. Ela ficou aqui embaixo até tarde. Depois que o marido saiu, ela desceu pra conversar comigo. Sempre fazia isso quando os dois brigavam.
-Quer dizer então que ela costumava desabafar com o senhor? - perguntou Hércules, naturalmente.
-Costumava. A dona Eliza não tinha muitos amigos por aqui, e com um marido mentiroso daqueles... não me surpreende.
O detetive fez um gesto afirmativo com a cabeça, e raciocinou por alguns instantes. Enfim disse:
-Tem por acaso alguma prova do que está dizendo? Alguma prova concreta de que ela esteve realmente aqui com o senhor durante a noite de ontem.
O porteiro respondeu rapidamente:
-Ah, claro. Se estivemos aqui, a câmera de segurança deve ter filmado. Quer que eu procure nas fitas de ontem para o senhor?
-Eu agradeceria muito.
O homem saiu em busca da prova. Voltou três minutos depois, contente, com uma fita de vídeo nas mãos. Mostrou-a para Hércules, e colocou-a para rodar.
A imagem mostrava quase toda a área da portaria, e a data e hora na parte inferior direita da tela. A gravação começou às seis horas, e o porteiro adiantou-a para nove e dez, quando apareceu Eliza no monitor. Parecia realmente irritada com alguma coisa. Começou a conversar com o porteiro, e nisso ficou até as dez para as onze. Hércules se deu por satisfeito, e agradeceu a colaboração.

Voltou às pressas para seu escritório, pois faltava pouco para que a irmã de Munhoz ligasse. Chegou lá e aguardou alguns minutos, quando o telefone tocou.
-Alô, sr. Hércules? É Bernardini. - disse a voz do outro lado.
-Olá. E então, falou com seu marido a respeito?
-Sim, sim. Ele disse que viu um rapaz se apresentando ao segurança que contratamos para ficar no portão recebendo os convites. Não tinha certeza de quem era, mas viu que seu cabelo era azul, e ele portava uma grande mochila.
-Acho que era ele mesmo... - concordou Hércules - Mas diga... ele veio sozinho? Não tinha nenhum parceiro? Isso é muito comum entre os palhaços.
-Ah, sim... eu acho. Pelo que entendi, uma moça chegou alguns minutos depois, também com uma grande mochila. Parece que se identificou como parceira dele, mas não tenho certeza... meu marido é tão avoado. Não explica nada direito.
-Chegaram a vê-la?
-Não... - respondeu ela, decepcionada - Estávamos todos dentro da casa. E a bagunça era grande.
-Acha que o segurança a reconheceria?
Ela animou-se de repente.
-Mas claro! Com certeza. Quer que eu entre em contato com ele?
Hércules raciocinou por alguns instantes.
-Não sei ainda... ah! Seria ótimo! Acabo de perceber algo! Poderia pedir a ele que venha até meu escritório ainda hoje, lá pelas cinco e meia?
-Farei isso, sr. Hércules. - respondeu ela, prontamente.

Até as cinco e meia, o detetive tinha três horas livres. Então decidiu ir falar com o delegado Rasputino. Perguntou a ele sobre o depoimento da moça que estava com Munhoz na varanda, e que depois o acusou.
-Bem, o senhor sabe... - começou ele, com certo desdém - O nome dela é Ingrid Stractokovinskinsk. Disse que saiu para buscar bebidas para ela e Munhoz, e que quando voltou, ele segurava uma arma e olhava todo afobado por um buraco na janela. No momento não entendeu bem, mas ao olhar para dentro e ver o cadáver do palhaço, saiu correndo em desespero.
Hércules ouviu a tudo atentamente.
-E ela o acusa assim... a esmo? - perguntou ele.
-Não, não... foi mais uma coisa de momento. Ela enfatizou no final do depoimento que "o que qualquer um iria pensar na minha situação?", e falou num tom que fez parecer que não estava querendo ser precipitada quanto ao culpado...
-Sei, sei... - interrompeu Hércules - Mas, pelo que ouvi da irmã de Munhoz, a tal Stractokovinskinsk disse as coisas de um jeito que vai pesar muito contra meu amigo.
Rasputino sorriu e deu uma ligeira gargalhada.
-Há! Pior que é! Não é engraçado?
O detetive não achou graça. A negligência que o delegado aplicava a detalhes tão importantes o irritava um pouco. Rasputino continuou:
-... Mas então, creio que o senhor tenha vindo aqui para obter informações técnicas sobre a cena do crime também, não?
Ele concordou com a cabeça, e o delegado pegou alguns papéis e fotos, dizendo que o buraco no vidro da janela não foi feito pelo tiro, mas sim, possivelmente, por uma pedra que foi encontrada próxima a uma parede, dentro do cômodo, é claro. O corpo estava caído ao lado de uma cadeira, onde ele possivelmente estivera sentado na frente do espelho se preparando para atuar. Sua mochila estava aberta e alguns apetrechos, como estojo de pó-de-arroz, tintas e perucas, colocados sobre a penteadeira. Somente um tiro foi disparado, acertando em cheio na têmpora esquerda da vítima. Nenhuma impressão digital na pedra, somente as de Munhoz na arma, e nada mais que seja importante.
-Estranho... - comentou Hércules - Por que quebrariam o vidro com uma pedra antes de atirar?
Rasputino explicou:
-O vidro era desses cheios de relevos e ornamentos, coisa de luxo. A visibilidade é péssima.
-Ah, sim... faz sentido. - retrucou ele, levantando-se - Delegado, eu estava pensando em conversar com Ingrid Stractokovinskinsk... poderia me arranjar o endereço dela?
-Mas claro, sr. Hércules! Agora mesmo.

Era uma casa pequena e pobre, que ficava num bairro bem humilde. O detetive parou em frente ao portão e bateu palmas. Alguns cães da vizinhança puseram-se a latir, e demorou um pouco para Ingrid aparecer desconfiada na porta. Tinha longos cabelos negros, lisos, e seus olhos eram de um castanho meio opaco. Não era feia, mas tinha lá um certo encanto. Parecia beirar vinte e sete anos de idade.
-Pois não? - sua voz era bem agradável.
Hércules pigarreou, e apresentou-se:
-Boa tarde, sou o detetive particular Hércules Bartolomeu. - mostrou a insígnia - A senhorita é Ingrid Stractokovinskinsk?
Ela ficou ligeiramente acuada.
-Sim... sim... sou. Mas...
-Incomodaria se eu entrasse? - interrompeu Hércules, abrindo o portão.
-Não... claro que não. - respondeu, a contragosto.
O interior da casa até que era agradável. O detetive foi convidado a sentar-se, e negou educadamente o cafezinho.
-Não tenho muito tempo. Vim até aqui para fazer algumas perguntas, pois fui contratado pela irmã de Munhoz para investigar a morte do palhaço.
-Ah... de novo isso? - revoltou-se a moça, balançando negativamente a cabeça.
-Em primeiro lugar, há quanto tempo conhece a sra. Bernardini?
-Faz pouco tempo... seis meses, eu acho.
-E onde a conheceu?
-Não... não lembro direito. - respondeu, meio constrangida.
Hércules tentou esconder um repentino sorriso. Não conseguia acreditar na ingenuidade daquela mulher. Achou que podia aproveitar-se e bem do fato. Reparou que ela não tinha telefone em casa.
-Bem, senhorita, quanto a Munhoz... acha mesmo que foi ele?
Ingrid ficou um pouco cabisbaixa, e respondeu:
-Pensei um pouco a respeito... e cheguei à conclusão que é mais provável que não seja ele. Afinal, se eu fizesse aquilo, não ficaria esperando alguém chegar, com a arma na mão pra mostrar o feito.
O detetive fingiu um alívio exagerado.
-Ótimo... não sabe como fico feliz com isso. Poderia fazer uma gentileza pra mim?
-Mas claro, sr. Hércules.
-Poderia fazer uma ligação para o delegado Rasputino? Peça a ele para dar o recado a Munhoz.
-Que recado, senhor? - perguntou a moça, intrigada.
-Que a senhorita acredita na inocência dele, é claro. Parece bobagem, mas meu amigo ficaria muito feliz em saber disso, o que, com certeza aliviaria um pouco sua prisão temporária. O coitadinho está desesperado por todos acharem que foi ele.
Ela mexeu-se um pouco, com um sorriso solidário no rosto.
-Oh, puxa... deve ser horrível. Me dê o número que eu ligo sim!
Hércules passou para ela o cartão. Ela convidou-o para acompanhá-la até o orelhão, mas ele alegou preferir ir ao toillete, dando ênfase ao "se a senhorita não se importar, é claro!". Caiu direitinho, e, ao sair, ele embrenhou-se pela casa até o quarto.
Tudo era muito humilde: cama, cômoda e criado-mudo. Ele começou por todas as gavetas que encontrou pelo caminho. Suas mãos trabalharam rapidamente, mas com cuidado para não bagunçar tudo. De tudo o que encontrou, quatro coisas lhe chamaram a atenção: uma foto de um rapaz com cabelos azuis, um pequeno fio de lã rosa, uma revista sobre arquitetura de dois meses atrás e uma carta anônima, com uma letra redonda e bem desenhada. Dizia:

"Pense a respeito do que lhe proponho. Com certeza chegará a conclusão de que é o seu único jeito de mudar completamente de vida. Da pobreza ao luxo. Pense e me ligue. Você sabe o número."

Ele memorizou bem aquelas palavras e guardou-a com cuidado, bem como a foto. A lã, guardou no bolso. Deu uma olhada em volta, e deu-se por satisfeito. Voltou para a sala e sentou-se para esperar, como se nada tivesse acontecido. Ingrid chegou alguns minutos depois, toda contente.
-O delegado estranhou bastante, mas garantiu que dará o recado. Obrigado por me pedir isso, senhor Hércules! Me sinto muito melhor agora.
-Não tem de quê, srta. Stractokovinskinsk. Mas... posso abusar de sua presteza e pedir uma informação?
-Mas claro.
-Sabe, com essa coisa de palhaço assassinado... achei que seria interessante visitar alguma loja de artigos do tipo, entende? Fantasias, roupas... sabe onde tem uma aqui por perto?
Ingrid respondeu com bastante gosto.
-Sim, sei sim. Saindo da minha casa, vá pela esquerda, depois pegue a terceira direita e então a quarta direita. Siga em frente e verá uma lojinha.
Hércules levantou-se, grato, repetindo:
-Ir pela esquerda, terceira direita e quarta direita... entendi. Muito obrigado, senhorita!
Despediu-se educadamente, e seguiu pela esquerda.

Saiu da lojinha de fantasias bastante satisfeito, dizendo para si mesmo:
-Formigas Onipotentes! Sim... tudo se confirma.

Voltou depressa para seu escritório, a fim de receber a visita do segurança que trabalhou para Bernardini na noite do crime. Ele já estava lá quando Hércules chegou. Mas a conversa não foi nada proveitosa.
O homem era uma anta. Não lembrava de ter visto a moça com uma enorme mochila entrar, nem quando o detetive a descreveu detalhadamente. Foi burrice não ter surrupiado uma foto da casa de Ingrid.
Diabos da Tasmânia!
Depois que o burro foi embora, a secretária anunciou uma ligação do delegado. Hércules atendeu:
-Detetive Hércules! Tenho uma informação que pode ser preciosa.
-Diga, delegado.
-Um avô rico do palhaço morreu há algumas semanas atrás, e adivinha quem foi o herdeiro?
Aquilo foi como uma alegre chuva de fogos de artifício para Hércules. Agora tudo fazia sentido! Precisava apenas esclarecer um detalhezinho:
-O senhor me permitiria ter uma palavrinha com Munhoz, delegado? Irei até aí se for necessário! É urgente.
-Bom, o senhor vai ter que vir até aqui mesmo. Ele não pode mais dar telefonemas por enquanto.

-Munhoz! - começou Hércules, frente a frente com o amigo - Tenho o caso praticamente resolvido. Mas preciso reforçar a teoria com a confirmação de um detalhe. Compreenda que isso é importante, então você deve responder a verdade. Ouviu bem? Não é uma repreensão, mas sim uma pergunta.
-Hã-Hã! Já entendi, Hércules! Fala!
-Munhoz, amigo, você roubou algum pirulito de alguma criança na festa?
-Hã! Não, até pensei nisso... mas não!
-É só o que eu queria saber. - disse ele, cumprimentando Munhoz e saindo.
Foi até o delegado, apressado.
-Senhor Rasputino! Acho que já podemos efetuar pelo menos uma prisão! - exclamou o detetive.
-Como disse? Quem devemos prender?
-Ingrid Straktokovinskinsk, por disparar um tiro contra o palhaço.
Rasputino parecia meio incrédulo. Pensou alguns instantes em sua cadeira, e falou:
-Faz sentido, detetive... mas tem algo concreto? Alguma explicação?
Hércules deu um malicioso sorriso.
-Tenho sim. E é a seguinte: todas as evidências apontam para o fato de que ela nunca conheceu a irmã de Munhoz, então, como foi parar lá? Ela era parceira do palhaço! Trabalhava com ele, e naquela noite chegou depois dele, de propósito, também com uma mochila carregando seu material. Material este ela tratou de esconder muito bem, fora de sua casa, mas... nesse processo esqueceu um pequeno fio de lã rosa, que eu constatei mais tarde pertencer a uma peruca feminina de palhaço. A missão dela era difícil. Creio eu que, logo que chegou na festa, ela foi para o jardim, onde não havia ninguém, deixou sua mochila, tirando dela uma arma, e em seguida, apoderou-se de uma pedra. Entrou na casa normalmente, e o que fez foi verificar em qual cômodo estava seu parceiro, provavelmente batendo nas portas, ou entrando e olhando, tanto faz. Sabendo da localização, deu a volta, indo para a varanda. Não havia ninguém lá, por sorte, então ela atirou a pedra no vidro para ter visualização e atirou. Ninguém ouviu nada, pois a música estava altíssima, fora a bagunça das crianças. Depois, Ingrid escolheu quem seria o culpado, viu Munhoz, que talvez estivesse fazendo algo bobo, e deduziu que ele fosse bem ingênuo. Ela roubou um pirulito de um garoto, sem que este visse quem foi. As crianças são distraídas, e, no meio de tanta confusão... bem, mas o fato é que ela usou o doce para pedir um favor a outra criancinha: acusar Munhoz assim que eles voltassem da varanda. Isso só para reforçar a acusação. Chegou até meu amigo, conversou, chamou-o para a varanda, e saiu para buscar um refrigerante, imaginando que, ao voltar, Munhoz já teria visto a arma. E assim foi. O resto a gente já sabe.
Rasputino estava com uma cara muito estranha.
-Mas Hércules... há um erro nisso que acabou de dizer.
O detetive não pareceu abalado com a afirmação do delegado.
-Que erro, senhor?
-Pelo que entendi, tudo foi cuidadosamente planejado, certo?
-Certo.
-Então, Hércules! Não se pode planejar um crime desse tipo sem conhecer a casa, sem saber se as janelas não estão à vista de todos, etc.. Entende o que eu quero dizer?
Hércules ergueu o indicador rapidamente:
-Arrá! Mas ela conhecia a casa dos Bernardini. Encontrei nas coisas de Ingrid uma revista de arquitetura, e ela continha algumas fotos da casa deles. A arquitetura dela é bem peculiar, o que deve ter chamado a atenção da equipe da revista.
-Sério mesmo, detetive? Então... nesse caso, acho que vou mandar prender esta mulher! Mas... você disse quando veio até mim que podíamos efetuar pelo menos uma prisão. Acha que há mais alguém mais envolvido?
-Não acho, tenho certeza. O senhor deve ter notado que, no que eu narrei há pouco, falta o principal: um motivo. E esta outra pessoa trás o que está faltando. Ela é a sra. Maltraphis, esposa do falecido palhaço. O motivo foi dinheiro. Mas o diabo é que eu não tenho nada decisivo contra ela! - revoltou-se Hércules.
-Mas tem algo, não tem? - perguntou Rasputino
-Sim, mas...
-Certo, podemos tentar intimidá-la com isso, e assim, quem sabe ela não confessa. Vamos, lá! Tenho um plano.
Hércules ficou calado ouvindo, mas algo em sua expressão dizia que ele não estava nada satisfeito.

E lá estava ele, novamente no prédio da sra. Maltraphis. O porteiro anunciou-o pelo interfone, e o detetive subiu. Tocou a campainha do apartamento.
-Detetive Hércules... - falou a mulher, sem nenhuma satisfação - A que devo a honra de sua visita? Sente-se, por favor.
-Bem, senhora, vim até aqui para dizer que a polícia e eu sabemos que está envolvida no assassinato de seu marido, e para pedir que se entregue sem causar transtornos.
Ela franziu as sobrancelhas, e depois começou a rir com bastante gosto.
-Eu? E posso saber que provas têm, sr. Hércules?
-Tenho em meu poder uma carta escrita pela senhora à Ingrid Stractokovinskinsk, pedindo a ela para juntar-se à senhora em um plano, dando em troca, com certeza, uma parte do dinheiro da herança que receberia.
-Oh, eu não sabia que a carta dizia tudo isso. - ironizou ela.
Hércules inclinou-se, encarando a mulher seriamente.
-E eu não sabia que a senhora conhecia o conteúdo da carta.
Maltraphis desafiou o olhar do detetive firmemente.
-Não sou idiota. Nunca conseguirá provar nada contra mim. Agora vá embora!
Naquele momento ele sentiu a vibração do fluído malígno que aquela mulher tinha no sangue. Não deu certo o plano do delegado de tentar intimidá-la. Levantou-se, tentando clarear as idéias, e disse:
-Mas provarei, sra. Maltraphis. Não descansarei enquanto não deixar tudo preto-no-branco, eu juro!
Foi caminhando até a porta, mas de súbito, parou, e virou-se novamente. "É isso! Preto-no-branco!", pensou, e falou com extrema convicção:
-E acho que a senhora não se incomodaria se eu pedisse um exame toxicológico no corpo do seu marido.
Ela esbugalhou os olhos.

-Hããii, Hércules, Hércules! - chorava Munhoz, abraçando fraternalmente seu amigo - Obrigado! Nunca vou esquecer disso! Me livrou de passar o resto dos meus dias na cadeia!
Os dois estavam reunidos com Bernardini e Ramon (o simpático e serelepe sobrinho de oito anos), na enorme sala de estar da casa dela.
-Conte, sr. Hércules! - sugeriu impaciente a irmã de Munhoz - Como foi que provou a culpa da esposa do palhaço também?
O detetive ajeitou-se pomposamente no sofá, e falou:
-Foi difícil no começo. Consegui descobrir que aquela moça, a Ingrid, executou o disparo, mas ela estava trabalhando junto com alguém, como sugeria uma carta que estava em poder dela. A primeira de quem suspeitei, sem dúvida, foi da sra. Maltraphis, pois ela, além de odiar o marido e saber da herança que ele recebeu devido à morte de um parente, era extremamente maligna. Mas ela tinha um álibi para o crime, que era a filmagem de uma câmera de segurança, e a prova da carta era fraca demais para poder concretizar uma acusação. A única certeza que eu tinha era de que ela havia planejado tudo, comprando a revista com fotos da sua casa, analisando, e entregando-a a Ingrid. Sim, ela planejou, pois a outra moça era muito tola e ingênua para isso, porém era bastante hábil. Mas eu não estava tranquilo! Precisava provar a culpa dela! Não podia deixar que uma pessoa tão má ficasse rica e impune. Até que fui conversar com ela em seu apartamento, para tentar intimidá-la com a evidência da carta. Não consegui, mas pelo comportamento dela, tive certeza de que era culpada também. E foi então que eu disse uma frase... não me lembro direito... mas tinha algo a ver com deixar tudo "preto-no-branco"... e foi isso que sugeriu-me uma idéia que se encaixava perfeitamente com o que eu precisava. Já sabemos que Ingrid é meio tonta, então, se eu fosse pedir a ela para que executasse alguma tarefa, com certeza tomaria algumas precauções.
Bernardini parecia bastante confusa com a história.
-"Preto-no-branco"... o que o senhor quer dizer exatamente com isso? O que tal sentença lhe sugeriu de tão decisivo?
Hércules explicou:
-Na verdade não foi a sentença toda que me fez pensar em algo... foi só a palavra "branco". Me fez lembrar de um infeliz comentário que fiz ao doutor Doug Douglas, comentário este que agora não parece ter sido tão infeliz assim. Eu disse a ele que o morto estava com o rosto pálido demais, e ele riu, dizendo que era por causa do pó-de-arroz. A imagem me veio à mente quando disse aquilo à sra. Maltraphis, e quase instantaneamente lembrei de um veneno sobre o qual li certa vez. Um veneno de efeito rápido, e que pode ser facilmente absorvido pela pele. E tudo se encaixava perfeitamente: Ingrid era burra, e a sra. Maltraphis precisava ter certeza de que seu marido morreria, então foi fácil colocar um pouco do veneno no pó-de-arroz dele, sabendo que só seria usado na festa em que ele trabalharia. Combinou com Ingrid que ela só deveria matá-lo quando ele estivesse se preparando, e tudo deu certo. O infeliz palhaço passou o pó na cara, instantes depois começou a passar mal (o que explica o rosto contraído) e logo foi atingido na cabeça por um tiro. E tendo sido esta aparentemente a causa da morte, ninguém sequer cogitaria a possibilidade de um envenenamento.
-Ah... mas graças ao senhor as duas estão presas! - aliviou-se Bernardini.
Ramom aproximou-se de seu tio Munhoz e deu-lhe um inocente, porém sincero abraço, dizendo, todo feliz:
-Tio Munhoz, quando eu crescer quero ser detetive igual ao senhor!
-Hã-Hã! Claro, eu te ensino todos os truques!
Hércules olhou para Bernardini com um sorriso meio amarelo. E todos caíram na risada.
Quando um palhaço deixa a vida, as crianças choram por dentro, e o mundo derrama uma lágrima...
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