A história que segue ocorreu pouco tempo após eu entrar para polícia. Ainda era um jovem curioso e disposto ao trabalho. Sempre tivera o sonho, quando criança, de ser detetive. Na adolescência li com frenesi os romances policiais. Raymond Chandler, Agatha Christie e etc. Veio então a idade adulta. Prestei concurso para a polícia e fui aprovado. Nada poderia ser melhor. Mas o tempo é implacável. Logo, comecei a achar o trabalho enfadonho, e tudo desmoronou. Vinte e dois anos depois, o que me resta é aguardar outros três.
Era um dia chuvoso. 23 de maio de 1980. Estava na delegacia jogando conversa fora quando o telefone tocou. Era uma ocorrência. Fui indicado para o caso junto com dois outros policiais.
Chegamos ao apartamento designado meia hora depois. Arrombamos a porta. Nunca havia visto aquilo antes, e poder participar de um caso assim pela primeira vez me deixava excitado. O local exalava um odor fétido. Estava imundo. Pouquíssimos móveis. Apenas uma poltrona, que já fora bege, no canto da sala. Uma mesa de madeira em frente. Sem TV. Sem estantes. Mas havia sim muitos livros, todos dispostos desordenadamente no chão. Vasculhamos o apartamento, e, não creio que por coincidência (nem tudo é mera coincidência (vide texto)), me deparei com o texto a seguir. Antes, peço perdão pelo meu prosaísmo. Sou policial, não artista. E mesmo sendo a arte um ramo da bandidagem, isso não aproxima nós, policias, dos artistas tal qual dos bandidos.
Leitores, deixar-los-ei agora com o texto que me encontrou naquele dia. O conteúdo é forte, intenso como foi a vida de quem o escreveu e a prosa é extraordinariamente soberba. É também a prova cabal do (con)senso comum de que o artista é, por excelência, um espírito elevado, o que, por sua vez, o eleva à perturbação extrema. Antes bandido, ainda que não goste do que faço.
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