Eis-me aqui, altaneiro, teu pássaro cativo, a empreender doce viagem em direção a teus braços. Acolhe-me e me acalma, não vês meu tremor? Assim, alisa suavemente minhas frágeis asas as quais aparaste, temendo que me levassem para longe de ti. Sinta meu pequeno coração em ritmo descompassado, transbordando emoção, por estar tão próximo daquele a quem ama. Veja como brilham meus olhos, único vestígio humano, nesta máscara que confeccionaste para mim. Com a ponta do dedo acaricia meu bico aveludado, e aprecia a metamorfose que sofro neste momento. Tens a teu lado, iluminada, bela dama que um dia seduziste e, mais tarde, com ódio castigaste transmudando-a em pássaro radiante. Desembaraçada da minha penugem, sacudo, desnuda, ampla cabeleira e te envolvo em meus braços. À vontade, nos beijamos apaixonados, cada um querendo ser o primeiro a saciar o desejo do ser amado. Em um átimo me aparto e deslizo entre tuas pernas, lábios entreabertos, à procura do meu alimento. Delicio-me, encantada, com teu sabor. Entretanto, já me puxas e me deitas. Queres a todo custo me conceder o nirvana. Após alguns embates, encontramos uma posição adequada para que nossas bocas, nossas línguas, doces instrumentos do prazer, nos provoquem um orgasmo demorado e tormentoso. Beijamo-nos, mais uma vez, e provamos nosso gosto, nosso cheiro, nessa gostosa promiscuidade. Isto te acende, te faz querer mais. Agora te deitas e me fazes cavalgar este corcel brioso, intrépido, que nunca se abate e está sempre pronto à sua dama servir. E assim ficamos, copulando furiosamente, gozando, explodindo e desmanchando-nos um dentro do outro. Dormimos por algum tempo, descansamos. Queres reter-me indefinidamente, mas meu corpo avisa: é chegada a hora da minha partida. Sensação estranha que me toma de assalto, sinto-a, plena, através de uma contração uterina. É a despedida dos meus orgasmos. A volta à prisão em que tu próprio me encerraste. Se pudesses, neste momento, impedir tal transformação com certeza o farias. Impossível! O mal foi feito quando me amaldiçoaste. Uma lágrima me escorre pela face. Tentas com um beijo detê-la. Lástima. Reaparece como por encanto a face dura da ave, um bater de asas, me desprendo, e corro a voar. Vôo baixo, de pássaro oprimido, a esperar muitas luas para que o encantamento se quebre, e ele volte, ainda que por horas, a ser apenas uma mulher...
26/06/02
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