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cronicas-->O Gonzaga -- 01/02/2002 - 22:37 (Fábio Feldman) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Naquele dia uma correspondência estranha apareceu no meio das contas e mais contas. Como destinatário conferia: Luís Golveia da Costa. Agora, o remetente... Luís considerou ser uma brincadeira de mau gosto. Só podia ser coisa do Joca. Todavia após verificar o conteúdo da misteriosa missiva, sua desconfiança passou a contentamento e o contentamento às lágrimas. O remetente conferia: "A turma".
O homem taciturno, conhecido por suas sentenças monossilábicas e racionais, sentara-se banhado em sua própria emoção. A turma. Havia tanto tempo...Vinte anos. Para muitos, uma vida! Quem diria que a turma, tão unida e festeira terminaria assim, cada um pro seu canto. Tudo bem, ele ainda mantinha contato com o Joca e vez por outra tinha notícias da Valsicréia. Mas, muitas e muitas vezes, ao botar a cabeça no travesseiro, Luís lembrava-se nostálgico do resto da velha "gangue" (como chamava o Bolo Fofo, mundialmente conhecido por sua capacidade de devorar um panetone inteiro em menos de dois minutos e recitar todas as frases de `O selvagem da Motocicleta´ em diversos idiomas diferentes- o verdadeiro precursor da tecla SAP). O homem recordava os rostos daqueles membros reminiscentes, largados pelo mundo afora. Como estaria o Felipe, único moleque da área que conseguia arrotar o alfabeto de trás pra frente e de frente pra trás sem empestiar o ambiente? E a Júlia, doce Júlia, com seus cabelos louros cacheados, pernas grossas torneadas, seios fartos... Como estaria o Bêba, o Moca, a Beatriz, o Jucão- como estaria o Jucão? Agora todos são adultos, estarão mudados, responsáveis pais e mães de família, quase todos com bons empregos e planos de saúde. Mas Luís sabia que a magia ainda estava viva. Uma amizade dessas não se perde com o tempo.
Sábado. Às dez. Casa da Margó. Ele nunca gostou muito da Margó, mas agora a abençoava silenciosamente por tão esplendorosa idéia. Uma reunião após vinte anos de separação, uma separação nunca muito bem explicada, mas óbvia em todos os aspectos: sem o Gonzagão não tinha mais graça. Assim que o Gonzagão se mudou para Harvard, cursar a faculdade que conforme suas expectativas ditavam o levariam para o topo de Wall Street, nada voltou a ser o mesmo. As notícias acerca do ídolo nos anos que se passaram foram escassas e todas construídas em cima de boatos.Há de se entender que o grande Gonzagão era o cérebro e o coração da turma. Era aquele que armava todos os esquemas para sábado à noite, o galã indomável, o amigo para todas as horas. O Gonzaga era um modelo a ser seguido por todos. Luís indaga-se se o grande amigo estará lá. Dificilmente. Deve ser um homem importante. Provavelmente um alto executivo. Ou um poderoso comerciante. Ou quem sabe, um alto executivo envolvido no jogo do comércio. O suor descia gélido pela face de Luís. A espectativa de reencontrá-lo era grande. Resolveu comprar um terno novo.



Luís estava tenso. Já havia espancado as crianças três vezes aquele dia. A mulher tentou impedir. Foi espancada duas. Ele acabou indo sozinho ao encontro. A triunfal reunião da turma! Chegando à casa de Margó deparou-se com uma gorda senhora, cheia de blush nas bochechas e um perfume barato exalando de seu corpo desforme.
_ A Margó está?
_ Lú? É você?
Sim, Lú era ele. Ambos riram. Foi um choque perceber que aquela figura estranha era na verdade a própria Margó, agora uma zen-budista.
A alegria foi constante. Todos estavam bastante mudados, mas assim como havia constatado anteriormante, a magia permanecia viva. O Bolo Fofo agora era chamado pelo nome, Whachinton (com ch e sem o g mesmo), era dono de um restaurante badalado no Rio e ainda sabia de cor os diálogos do `Selvagem da Motocicleta´, além de ter aprendido imitações de De Niro no `Touro indomável´ e de Brando como Chefão. Era uma figura. Porém, todos ficaram um pouco decepcionados quando ele se negou a devorar um bolo com as mãos no momento que chegou. Sua mulher considerava repugnante. Ela não era da turma.
O Felipe, eterno hippie, fã de Lennon e Sid Vicious (ele também teve sua fase Punk) tornou-se maestro da filarmónica do norte do Jequitinhonha.
_ Agora sou erudito!- dizia ele após arrotar o nome dos três últimos presidentes em ordem alfabética.
Júlia, a doce Júlia, acabou virando professora de inglês num curso em Maceió. Tudo bem, a carreira de modelo não deslanchou mas pelo menos ela agora é bilíngue, o que de acordo com o Moca, que não tirava os olhos das pernas curvilíneas da moça, era um luxo para poucos.
Conversa vai, conversa vem, todos- com exceção do Gonzagão- estavam presentes e relembravam felizes os tempos que não voltam mais. O caso do pastel, as brigas, os beijos, tudo veio à baila. Mas a verdade é que já era nove horas e nada do grande Gonzagão chegar. Seu nome não foi pronunciado nem uma vez, mas a tensão crescia e a ansiedade tomava conta dos rostos de todos. Sem o Gonzaga a reunião ficaria pela metade. Afinal, ele era o líder da trupe e o grande inspirador de muitos. "Deve ser um homem importante", repensou Luís.
Nove e meia, os canapés sendo servidos e batem à porta. A excitação foi geral. Uma das garotas até deixou escapar um tímido:
_ É ele!
Estava certa. Lá estava ele, magestático em sua pequenêz. Quando Gonzagão cruzou a porta de braços dados com Margó, a algazarra se estabeleceu no recinto. Foi lindo. Emocionante. Todos quiseram tirar uma casquinha do homem. Depois das devidas apresentações, as atenções se voltaram para o raquítico senhor, sentado em frente à legião de inquisidores.
_ Grande Gonzagão!- exclamava o erudito Felipe
_ Nem tanto...
Risos. Ele sempre foi o mais engraçado, mesmo quando não tentava ser.
_ E a faculdade, como foi em Miami?- Luíza, um dos casos de Gonza na juventude e protagonista do famoso caso do pastel, estava curiosa, assim como todos.
_ Não me formei não. Fiz um semestre, a grana acabou e voltei pro Brasil.
Silencio geral. Olhares desconfiados pipocavam entre a prole. Foi Luís o responsável pelo fim do causticante marasmo.
_ E nem pra nos visitar, hein!
_ Estive muito ocupado. A vida tem sido dura.
_ Muito trabalho e muita mulher certo?- o Bolo era um canalha. Ria alto e só falava asneiras. Sua mulher não parecia se importar. Ela não era da turma.
_ Mais ou menos. Estou divorciado, minha mulher me largou após três anos de casamento. Dizia que eu era muito sem graça, muito rotineiro.
Um baque. Choque entre a multidão. O Gonzagão? Rotineiro? Seria aquele um impostor?
_ Você? Rotineiro? Você não é um impostor, é?
Risos.
_ Não, não...sabe gente, eu não sou mais o mesmo Gonza. Muita coisa mudou.
Uma última cartada do Moca.
_ E as coisas em Wall Street? O grande corretor, dono do mundo!
_ Onde? Ah...nada! Eu trabalho numa fábrica de carimbos.
Margó sentiu-se tonta. O Bolo pós a mão na boca, como que escandalizado. O Gonzagão? Não é possível. Tentaram remediar a situação.
_ Então realmente virou um rico burguês, seu vermelho de araque! Dono de uma fábrica!
_ Dono? Quem dera! Eu trabalho lá.
Jucão, que virara corretor devido à influência do amigo e exibia uma fortuna invejável, deixou seu copo cair e quase deu um berro. Foi o silêncio mais silencioso da noite. Era como se todos tivessem perdido um pouco de suas próprias identidades. Gonzaga tirou um carimbo do bolso do paletó, provavelmente comprado em um brechó, cheio de remendos e pulgas.
_ Vocês vêm? Tem o cabo e a essa coisinha onde você aperta e marca o papel. Eu sou o responsável pela envernização do cabo. É um trabalho de responsabilidade.
Essa foi a gota d´água. Ninguém mais abriu a boca a noite toda, a sobremesa não foi servida e a reunião acabou bem mais cedo que o esperado. O Gonzaguinha ainda contou alguns episódeos de sua vida, como quando começou a pagar as prestações de um chevete 69 e acabou descobrindo que era um Dodge 70, mas não houve pessoa que realmente ouvisse. Estavam todos lá, mas semi-mortos.
"Maldito Gonzaguinha...." pensava Luís, bem mais corado que de costume.


Aquela noite, quando Luís recostou sua cabeça no travesseiro, as nostálgicas peripécias da turma não retornaram à sua mente. Apenas o cabo envernizado.
_ Ele só pode estar brincando.- E dormiu, furioso.

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