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cronicas-->Cantadas -- 01/02/2002 - 22:38 (Fábio Feldman) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Felizes eram os homens das cavernas. Naqueles tempos tudo realmente deveria ser bem mais fácil, especialmente na categoria `abordar fêmeas´. Nada de vinho barato, elogios forçados e idas ao cinema. A questão era apenas encontrar uma garota bonita, com o menor número possível de pêlos na cara e meter-lhe o tacape na nuca. A cópula era garantida. Em muitos casos demonstrações de violência nem sequer chegavam a ser cogitadas. Bastava grunhir alguma gentileza bestial e preparar-se para o bacanal. As mulheres primatas eram, acredite ou não, extremamente fáceis. Se ganhassem presentes bonitos como uma carcaça putrefata de um javali, ou até mesmo a cabeça daquele vizinho chato que vivia acertando-lhe na nuca com um tacape, elas já se derretiam. Todavia, com o andar da carruagem e a maldita evolução, regras sociais e outras frescuras foram instituídas. As mulheres passaram a sexo frágil, o ato do coito virou "fazer amor" e o tacape foi extinto (exceto por um ou outro sadista nostálgico). As tragédias orientais despontaram no ocidente e o ideal romàntico nasceu. Num piscar de olhos as mulheres mudaram de lesma para escargot. E conquista-las transformou-se não apenas em obrigação, mas acima de tudo, em um árduo desafio.
Conquistar uma pequena hoje em dia é exatamente como participar de uma pescaria. Você prepara a isca, joga no lago e torce por um surubi. Se a isca for boa, a refeição é garantida. Se for fraca, você ainda pode conseguir uma sardinha (uma metáfora simbolizando a eterna amiga "gente boa" que não sabe o que é amor por pensar demais no trabalho- sem mencionar os cento e dez quilos e o gosto anormal por calças de veludo). Portanto, a chave para o coito, ou melhor, para o peixe, quer dizer, o amor - Ah, você entendeu!- reside na isca que você utiliza, e meu amigo, eu te digo, escolher uma boa minhoca não é trabalho dos mais fáceis. Depende do seu grau de envolvimento com a presa, do local onde se encontram e, principalmente, de sua aparência. Os peixes de hoje não aceitam forrar o estómago e acabar sendo comidos por um mero pescador. Você tem que ser mais que um pescador. Tem que ter PhD ou ter a cara do Brad Pitt. Porque pescador que não pareça com o Brad Pitt só pega sardinha.
As cantadas são na verdade um desdobramento do pensamento analítico freudiano. Com uma pitada de metafísica, é lógico (ou vai dizer que antes de chegar naquela loiraça do 505 você não rezou o Pai Nosso e a Ave Maria umas três vezes?). São tantos os fatores que levam uma cantada ao fracasso (e em alguns casos ao sucesso), que estes seriam suficientes para preencher uma tese de mestrado. Inúmeras questões devem ser pesadas antes de se aplicar uma boa cantada. Porque você pode ter a melhor frase de efeito da história do ocidente cristão debaixo da manga (ou da língua se preferir), mas se a atmosfera não for adequada, você está ferrado. Será o desperdício perfeito. Nada de fazer galanteios em cima da prima do Luís durante o enterro do homem. E nada de lamentar sua morte na festa de aniversário da garota. Tem hora pra tudo.
Outra: você conhece a vítima de seu ataque? Eis um ponto crucial: quanto maior o contato, mais bem elaborada a cantada. Suponhamos que você está vendo a fêmea pela primeira vez, digamos, em uma festa. Aí é mamão com açúcar. Quase um Iraque, nem ao menos deixa marcas. A não ser que você morra em combate... Basta visualizar o campo de batalha, tentar encontrar um ou outro namorado vagante no recinto e esperar pelo momento certo. Se você estiver sozinho, aproxime-se quando ela estiver desacompanhada, já que um fora grupal é mais dolorido. Como está em território desconhecido, não chegue com frases muito complicadas (especialmente em se tratando de espécimes loiras), pois ela pode não entender. Nada de "você sabia que seus olhos são como esferas exornantes de energia latus sensus, e vejo-me miraculosamente refletido na chuva de raios loiros advindos de sua enigmática expressão?" Não, definitivamente você não quer isso. Ela pode querer chamar a polícia. Seja simples e direto. Logicamente sem ferir o par de neurónios da moça. "E aí muié, vamos fazer bebê lá em riba" também está fora de cogitação. Regra número um das cantadas: sutileza. Seja terno e carinhoso, agressivo e irónico, adquira uma posição dúbia. Como um Cary Grant ou um Chiquinho Escarpa. "E aí, de onde você é?" é sempre uma boa pedida, mas só deve ser usada se você não for da região. Caso a resposta da moça for "Sou daqui mesmo, moro o outro lado da rua" e você se lembrar que se trata daquela peituda do 505, as coisas complicam. A nervosia geralmente toma conta.
_ Ah...é...Kelly né?
_ Isso.
_ Bonito seu vestido.
_ Pois é.
_ É
E sai correndo e torcendo pra nunca mais a ver na vida. O batido "Acho que te conheço de algum lugar" também tem seu mérito. É provavelmente a cantada mais velha já criada, quem sabe por Aristóteles, chegando em um de seus discípulos, ou coisa do gênero. O importante é, caso você saiba que nunca viu a menina em sua vida, que você tenha algo para falar depois, como uma lista de possíveis lugares onde a tenha encontrado.
_ Eu acho que te conheço de algum lugar...
Ou melhor ainda:
_ Eu sei que isso vai soar como uma cantada, mas eu acho que te conheço de algum lugar.
_ Hum...num sei não.
Pare aí. Analise atentamente a expressão da vítima. Se a cara que ela fez envolve uma ponta de curiosidade ou um sorrisinho maroto, pode continuar. Se envolver apenas repugnação, fuja. Se ela lhe virar as costas e nem responder, procure por um tacape.
_ Não, não, não me diga...eu sei que vou me lembrar.
_ Essa eu quero ver...
_ Copacabana! Você estava com um biquini de bolinhas saindo de um hotel classudo na riviera.
_ Eu nunca estive em Copacabana e não acho que exista uma riviera lá.
_ Então deve ter sido por aqui
Liste dezenas e dezenas de lugares onde você provavelmente já a encontrou. Comece com locais plausíveis e vá lentamente caminhando para os lugares mais fantásticos que sua imaginação alcançar.
_ Jaboticatuba?
_ Eu tenho família lá, mas nunca os visitei.
_ Passos?
_ Não.
_ Curitiba! Aposto que foi Curitiba.
_ Duvido.
_ Groelàndia?
_ Groelàndia?
_ Estação Espacial MIR, que tal?
Ela vai rir e se compadecer de seu tormento. A presa devorou a isca! Se você perceber que a mulher tem visual transcendentalista, ou seja, saia longa, brilhante na testa e camiseta com foto do Buda, você pode apelar para a ironia. Às vezes funciona.
_ Acho que te conheço de algum lugar...
_ Ah, é? De onde?
_ Provavelmente de outra vida. Você não foi Carlota Joaquina não?
_ Olha, eu realmente não...
_ Assassina! Assassina!
Álcool também é um bom instrumento para guiar a cantada ao sucesso. Isso porque todos sabemos que cantadas são totalmente desnecessárias. É simplesmentes um meio que a mulher criou para perceber que tipo de homem é aquele com quem está próxima de ter um caso. E o álcool faz com que as piores cantadas tornem-se hinos de louvação ao gênio enigmático de seu interlocutor. Cantar mulheres bêbadas é mais fácil que tirar leite de vaca.
_ E aí, meu bem! Você sabia que o Sol...
_ Cala a boca e me beija, desgraçado!
E você beija.
Mas passemos para o outro extremo. Você conhece bem a moça, é sua amiga desde o colegial, ou quem sabe, sua prima desde que a tia Jorgete casou com o Paulão encanador, ou ainda, na pior das hipóteses, é o amor de sua vida. Aí meu amigo, o Iraque vira Vietnã e as chances de sair ilesos são mínimas. Regra número dois da cantada: jamais a aplique em alguém com quem se importe. Nunca faça amizade com sua fonte de desejo. Porque vai ser sangrento.
Mas não é impossível. Vá com calma, certifique-se que ela esteja sozinha e espere pelo momento ideal. Quando chegar, sussurre baixinho em seu ouvido:
_ Você é minha única razão de viver. Te quero muito. Vamo fazer bebê lá em riba.
Brincadeirinha
É expressamente proibida a utilização de cantadas nessas circunstàncias. Pelo menos cantadas explícitas. Vá de leve, inicie uma conversa casual, relembrando divertidos casos do passado. Prossiga aos poucos elogiando a conduta da moça, dizendo o quão especial ela é, enaltecendo suas qualidades e esquecendo o fato de que até hoje ela come espaguete de colher. Bajule-a o máximo possível. Deixe-a perceber suas segundas intensões, aproximando-se divagarinho e quando estiver bem pertinho, quase boca a boca, sentindo sua suave respiração... bam! Acerte-a com o tacape e bom coito.
Que saudade dos homens das cavernas!


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