Usina de Letras
Usina de Letras
151 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62214 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10450)

Cronicas (22535)

Discursos (3238)

Ensaios - (10357)

Erótico (13569)

Frases (50608)

Humor (20029)

Infantil (5429)

Infanto Juvenil (4764)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140799)

Redação (3303)

Roteiro de Filme ou Novela (1063)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6187)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Cronicas-->Fobia -- 03/02/2002 - 02:14 (Fábio Rabello) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Não sei se essa fobia tem algum nome, mas desde a minha infància, quando estava começando a estudar, tenho medo de professoras de Português. Lembro-me de ter passado noites em claro porque no dia seguinte havia aula dupla de Língua Portuguesa. Quando cochilava, pesadelos horríveis me assombravam. Certa vez - num sonho, logicamente -, a professora Ofélia me obrigou a engolir um livro inteirinho de gramática. E o pior de tudo é que era de capa dura. Tudo isso numa tentativa frustrante de que eu aprendesse algumas regras de acentuação. Acordei suando frio. Foi horrível.
Depois disso, além daquele medo agonizante das aulas de Português, passei também a ter medo de dormir. Não tinha jeito, à primeira cochilada, lá estava ela, a professora Ofélia com seus cabelos vermelhos e seus olhos constantemente semicerrados. Numa outra noite, fui obrigado a apagar a lousa utilizando a cabeça, para que os conhecimentos se transferissem para dentro de mim. Também não funcionou, e eu fui submetido a uma tortura ainda pior. Foi o mais assustador pesadelo que eu já tive. Me lembro como se estivesse acontecendo agora.
A professora Ofélia se aproximou de mim com um ar de maldade em seus olhos. Seus cabelos estavam ainda mais vermelhos, quase fluorescentes. Todos os demais alunos já haviam sido dispensados. Estávamos apenas nós dois na sala de aula e não adiantava eu gritar por socorro. Os outros professores, o diretor e até mesmo a merendeira já estavam em casa. Apenas eu e Ofélia, como presa e predador. Foi uma pena Stephen King não tê-la conhecido, certamente iria inspirá-lo em mais algumas dezenas de livros.
Eu, agora, estava espremido contra minha desconfortável cadeira. Deixe, sem querer, o livro de literatura se espatifar no chão. Ela me encarou de forma malígna, semicerrou os olhos ainda mais, deixando-os da cor de seus cabelos. Depois, sem dizer palavra alguma, ela saiu da sala e me deixou trancado lá dentro. Ouvi seus passos sumirem aos poucos pelo longo corredor da escola. Não consegui me mover, sentia medo de ter de comer outros livros, alguns clássicos talvez. "Os lusíadas", de Camões, numa bocada apenas, ou então alguma obra de Machado de Assis, sem água para ajudar na digestão. Se eu recusasse, seria o fim, iria para o mesmo plano de Brás Cubas.
Alguns minutos depois, voltei a escutar os passos de Ofélia pelo corredor. Eram passos de alguém que estava apressado e com más intenções. Com medo, comecei a digerir, ali mesmo na sala, o primeiro capítulo de "O Alienista". Até que desceu bem...
Ofélia abriu a porta da sala e olhou para mim. Havia um pedaço de página entre meus lábios. Ela sorriu cruelmente e se aproximou com pouca discrição. Estava com os braços para trás. Logo imaginei que ela escondia alguma obra de inúmeras páginas. A Bíblia talvez. Ofélia fez sinal para que eu limpasse minha boca e mostrou o que havia em suas mãos. Era um prato de sopa. Sopa de letrinhas, de A a Z. Delicadamente, Ofélia pós os prato sobre minha carteira e, com um meio sorriso nos lábios, me entregou os talheres.
Fui obrigado a degustar o prato todo, o que era bem melhor do que a temida celulose impressa. Em poucos segundos terminei a pequena refeição, mas hesitei em pedir mais. Novamente ela lançou um sinal com seus olhos vermelhos para que eu limpasse o canto da boca. Havia uma letra G entre o queixo e meu lábio inferior. Com a ponta da língua, feito um sapo, devorei aquele apetitoso G maiúsculo. Foi então que ela disse:

- Espero que tenha gostado !
- Estava ótimo - respondi.
- Agora vamos para a lição de casa, rapaz - disse ela, me entregando um comprimido nas mãos.
- O que é isso ? Remédio ? Minha religião não permite - eu disse, tentando escapar da situação.
- Não é remédio não. É pra ajudar no dever de casa. Isso aí é um laxante. Tiro e queda...
- Obrigado, não precisa não...
- Precisa sim. Engula de uma só vez e vá voando para casa. Amanhã quero que me traga a sopa de letrinhas em ordem alfabética. Se conseguir, terá dominado a gramática e todas as suas formas de manifestação.

Não me lembro exatamente o que aconteceu depois disso. Só sei que não deu tempo de chegar em casa e boa parte do alfabeto se perdeu pelo caminho. No dia seguinte, para meu alívio, constatei que Ofélia não percebera que eu não havia conseguido tal façanha; disse-me que estava ótimo. Apenas me retraiu um pouco dizendo que depois do L vem o M, não o W. Tive que alertá-la, pois a letra estava apenas de cabeça para baixo.
Quando acordei, novamente suando muito, já era hora de ir para a escola. Não tomei merenda naquele dia.
Hoje, creio que estou curado desse mal. Algumas boas sessões num divã me ajudaram a perder o medo das professoras de Português. Descobri que o que desencadeara tal trauma fora o próprio sistema de ensino. No entanto, fiquei curado por completo mesmo, quando descobri que, em toda minha vida, nunca tive uma aula sequer com uma professora de Português. Ou pelo menos com uma daquelas que estudou para isso.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui