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Artigos-->No consultório médico -- 30/08/2006 - 08:22 (Jader Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos




Agradecimento



Agradeço a todos com quem convivi, especialmente àqueles que foram meus colegas de equipe, profissionais exemplares e incríveis. Às secretárias dos médicos, um beijo. Aos colegas que me viram um dia com uma pasta, no consultório ou no hospital mas não tivemos oportunidade de conversar, saibam que os respeito muito e desejo que se considerem personagens desta minha história. Aqui estão eternizados os homens que um dia ombrearam uma pasta de amostras e tudo fizeram para merecer o respeito da mulher e dos filhos. Agradeço aos donos de Distribuidoras, eternos propagandistas, a paciência no trato com todos nós. Aos meus antigos chefes, com quem por mil motivos alterei a voz, peço desculpas. Desejo que saibam não existir mais mágoas, nenhuma mágoa. Foi melhor ter dito tudo, mostrando a integridade da alma, do que ter calado, guardando no coração e sem nenhum resultado um ódio mudo. Hoje é outro dia, estamos em outro tempo. Enquanto uns caem ao longo do caminho, os outros seguem à frente fazendo seu destino, construindo a própria sorte. Aprendi nesses tempos idos e vividos que “o que tem de ser tem muita força” e, acredite, é Deus quem carrega a gente!

Finalmente, quero fazer um agradecimento a dois amigos especiais do meu tempo. Um é o Ubiraci Felisberto, ou simplesmente Bira, meu colega dos tempos do Vale do Paraíba, que deu o primeiro emprego ao meu filho —confiando assim duas vezes em mim. O outro é o Paulo Pevê, que trabalhou comigo durante vários anos num tempo difícil. Inteligente que sempre foi, aproveitou as coisas positivas para hoje ensinar aos mais novos. Aos outros, juro que não os esqueci. Estão todos arquivados no disco da história —salvos no “disquete” do meu coração! Até um dia.



















Uma breve história de mim





Nasci na cidade de Eugenópolis, MG, a 22 de agosto de 1945. Quando tinha cinco anos mudei, junto com o meu pai, mãe e mais sete irmãos para Água Doce, na região do Contestado, uma pequena Vila da fronteira. Hoje é uma bela cidade e se chama Água Doce do Norte. Meu pai foi para lá em busca da fortuna, mas não achou. Em 1960, morreu minha mãe. Fomos trazidos por um tio corajoso até Barra do Piraí, onde nos distribuiu com os parentes que nos quisessem criar. Fui crescendo em Barra do Piraí, trabalhando como ajudante de cozinha, copeiro e garçon de um restaurante. Aí conheci os primeiros propagandistas de laboratório e acabei sendo convidado a entrar na profissão. Em 1966, já adulto, mudei-me para Taubaté, SP, onde passei grande parte da vida.

Trabalhei nos laboratórios Torres/Sarsa, Byk e Lafi. Neste último, fui promovido e permaneci por dez anos. Nesse período casei, nasceu-me o único filho, Mário e formei-me em Serviço Social. Demitido por um gerente complexado, de nome Azinha, fui trabalhar numa empresa menor, o Wesley, onde conheci o Sinésio, grande homem, de quem vocês ouvirão falar mais à frente. Neste tempo eu já morava em Ribeirão Preto, SP. Após quatro anos de sucesso, o Wesley foi comprado por uma multinacional e fui demitido. A convite do propagandista Paulo Tardelli fui para o Sintofarma e recomecei. Era uma empresa nacional séria e fiquei nela por quatorze anos até me aposentar como GD. Hoje, escrevo essas memórias.









A Secretária do Médico





Atendente-secretária

Meu muito obrigado!

Agradeço a você

por nos ter ajudado,

(a troco de nada)

Adentrar naquele recinto sagrado

Para os mortais comuns

Sempre fechado...

.





A Velha Pasta de Amostras



A você que encontrar esta velha pasta

Coberta de folhas e musgo

Neste canto da floresta

Autorizo: pode abri-la!

Encontrará dentro bulas rasgadas

Talvez alguma amostra vencida...

Procure devagarinho,

Que vai encontrar certamente,

Uma carta que deixei escrita.

Pode ler e contar a todos.

Falo da mulher e filhos

Que amei e, do meu jeito, eduquei.

Visitei os médicos que consegui,

E tive chefes que não escolhi.

Encontrará nesta pasta

Um pouco do resto de mim.

Meu corpo não procure,

Não vasculhe a floresta... desista!

Já não tenho mais corpo,

Só uma coisa me resta:

Alma de Propagandista...





























Vendedor Propagandista



O vendedor-propagandista é um artista,

Que tem pavor de supervisor.

Porém, a coisa que mais o angustia

É a famosa visita fria —coisa difícil de comprovar

Mas um gerente exigente

Não gosta de perdoar...

Uma coisa de que o chefe menos gosta

É vendedor que não cobre cota.

O resto é coisa à toa —tudo se perdoa...















Quem se Lembra Deles?





Peço licença para lembrar de alguns farmacêuticos e médicos mais importantes do meu tempo, que tinham clínicas ou drogarias estratégicas e aproveitavam o sucesso e o orgulho passageiro para temperar em fogo leve a nossa paciência. Mas, sem eles, como cobrir as cotas?

Em Cruzeiro havia o Faury, que “aceitava” as duplicatas com tiros de trinta e oito; o Zé Penicilina, que comprava bem, mas pagava mal; o Batista que era eternamente grato aos propagandistas mas dava um chá de cadeira legal; a dona Albertina, que era uma grande poetisa mas (e que pena!) ninguém sabia; em Cachoeira Paulista havia três farmácias que, somadas as três, não valiam uma. Havia na cidade o excelente Dr. Darwin, que se escondia atrás da porta para fugir do propagandista, mas a gente tinha pressa e metia a cara; em Piquete havia o Joãozinho, que tinha verdadeira ojeriza por amostra grátis; em Lorena, havia o Bilu, que morreu cedo, o Edmundo, que morreu tarde, o Joel Cabeção, o seu José e um tal de Ivo, um falso comunista que vivia fugindo. Lembro-me do Dr.Getúio, cujo consultório era mofado e as suas barbas eram longas e brancas, as mãos macias como o mais fino veludo. Carismático como Fidel, eu ainda me lembro dele a nos dizer em cada visita: “estou aqui, meu filho, esperando a morte..."

Em Guaratinguetá havia o Guilherme —homem feito a canivete—, conforme foi apelidado pelos propagandistas devido ser "mal acabado"; o Davi Sarraipo tinha enormes orelhas de abano e se julgava muito culto. Assinava os cheques com uma assinatura fantástica, em forma de borboleta. Era tão fantástica a sua assinatura que o banco não a reconhecia e devolvia o cheque. O Serapião, que só nos comprava míseros pedidos após uma rodada de “palitinho”, na qual tinha que ganhar sempre. Se perdesse, nada de pedido! Ele ainda se despedia dos vendedores, dizendo: "Caso não o veja mais, que seja por morte sua!..." Ele era ótimo!

Em Aparecida só tinha gente boa, de primeiríssima. Havia o Osvaldo Elache, o Alemão Ghebar, lembra-se? Mas é preciso que seja dito: nenhum farmacêutico respeitou e tratou com maior dignidade e gentileza a nós vendedores-propagandistas do que o farmacêutico Oswaldo Morais Castro, que era irmão do Dr. Paulo Guimarães Castro, também muito amável com todos nós. Estes serão lembrados para sempre. Nunca, jamais nos esqueceremos do querido “Osmoca”.

Em Pinda, havia o Paim, o Gordo, o Reynaldo, o Bizinho, o Delamare(esse era gente finíssima), homens que reinavam absolutos no trono das suas micro-drogarias, monopolizando o comércio de medicamentos. Não esquecerei jamais do San Martin, um comprador maravilhoso que, se pudesse, compraria apenas embalaagens de meia gota! O senhor Tenysson de Mello César era gentilíssimo, nunca perdia a calma, nem mesmo com o João Macaco, um poço de ignorância. A maior concentração de médicos centenários por metro quadrado, também ficava em Pindamonhangaba. Havia ali, os doutores Lessa, Paulo D Alessandro, George Heidushka, Kaio e alguns outros cujos anos somados chegavam facilmente aos mil anos. Em Campos do Jordão havia o farmacêutico Castorino (que figura!); o japonês Kaku (lacônico e elegantíssimo). Os médicos de Campos do Jordão eram todos muito gentis. O pessoal só não gostava muito era do Dr. Rios, que atendia muito tarde e dava um chá de cadeira terrível. O Dr. Além era amado por todos. Quando fraturou a bacia, fizemos romaria até São José dos Campos (onde ele ficou em tratamento por longo tempo), para visitá-lo. Em São Bento do Sapucaí havia outro Sarraipo, igualmente culto e orelhudo, tal como o seu irmão de Guaratinguetá. Detestava ouvir falar em amostra-grátis, tinha verdadeiro horror. Em Taubaté havia o Wanordem, o Diaulas, o Julinho, o Rodolphinho, o Manoel Araujo, o Alaor, o Lélé, os Gonçalves (um e dois); o Robertinho, um corintiano fanático e o seu fiel escudeiro, Carlinhos; o Billinha não pagava ninguém. Ah!, Taubaté, curva-de-rio, nem quero me lembrar!

Em Caçapava havia o Pessoa Barros, a dona Evian, o Adhemar P. Siqueira. A compradora do hospital era a dona Iolanda, a rainha da enxaqueca. Em São José dos Campos havia o Paulo Takahashi (que não perdia tempo subindo escadas e fazia o levantamento de estoque das prateleiras mais altas através de um prático espelhinho, pregado em ângulo apropriado num cabo de vassoura). Havia o Saloni, o Mauro, o Álvaro, o Ribeiro(chatíssimo), o Rui Barbosa, o Dito e seu irmão José, que usava um olho de vidro e por essa razão foi apelidado de Pirata. Havia o Dedinho, que preenchia os cheques com a mão direita e empurrava a caneta com o dedinho da mão esquerda. Foi um apelido justo e apropriado. Dá para esquecer?

Alguns médicos que marcaram aquele tempo: Dr. Maimone (cujo secretário era o Tupi, nome de cachorro, segundo o João Macaco); Dr. Moisés, que era pediatra num dia e, após uma viajem de ônibus a São Paulo, retornou psiquiatra. O Doutor Froes, era pediatra simpaticíssimo, ele puxava o propagandista na entrada e depois o empurrava para a rua, no final da propaganda. No Litoral Norte havia farmacêuticos inesquecíveis como o “seu” Filhinho, o Lafaiete, o seu Homero, a dona Olimpia. Não posso esquecer do Ari, em cuja farmácia, após muitas e muitas caipirinhas, com ele já muito mais que bêbado, cobríamos as nossas cotas tranqüilamente. São relembranças gostosas —saudades que ficaram grudadas na escada rolante do tempo.







República “Durango Kid”





Como o próprio nome diz, ali moravam os propagandistas “durangos” do Vale do Paraíba. Pela ordem: Eu, Osvaldo Barriga, João Macaco, Elon, José Wilson Hoffman, Carneiro e Dirceu. Estes eram os habitantes fixos da república, mas havia os eventuais como o Mão de Onça, o Conde Fazanaro e um ou outro supervisor que escolhia dormir ali, para fugir da solidão dos hotéis de Taubaté. Apesar do esforço que se fazia para aparentar moralidade, e manter as boas relações com a vizinhança, a “Durango Kid”, era na verdade uma mini-filial das bíblicas Sodoma e Gomorra.

O Barriga, quando chegava do Sul de Minas, trazia consigo uma loira casada com um corno de Lorena e só a devolvia na segunda-feira. O Hoffman era misterioso, preferia os motéis ou temia perder a mulher... O Carneiro sempre preferiu as gordinhas e queria privacidade, mas as portas dos quartos tinham mais furos que peneira. Tampar o buraco da fechadura era inútil. O João Macaco, que de bobo não tinha nada, sempre trazia a Amélia. Feia como o Diabo, mas “apertadíssima”, justificava... Felizmente, a república “Durango Kid” foi anterior à Aids, mas conviveu soberana com a gonorréia. O que acabou com a famosa república do Jardim Ana Emília, pasmem, foi o casamento. O casamento fez com a “Durango” o mesmo que a cólera fez com as famílias nobres da Europa no século dezenove: DIZIMOU !

Primeiro casou o Osvaldo Barriga com a sua princesa, depois eu, depois o Macaco. O Hoffman foi o último. O Carneiro e o Dirceu foram para São Paulo, onde estão ambos casados. Acredito que só uma instituição poderosa como o casamento teria poderes para acabar com a “Durango Kid” —uma espécie de bastilha dos propagandistas solteiros e talvez mais felizes do Vale do Paraíba.





















Doutor Bassil, o gentil





Ele gostava de um bom papo e seu consultório, todo espelhado, era um luxo só. Os propagandistas gostavam de visitá-lo por que, além de ter boa clínica, receitava rapidamente os novos lançamentos. Era alto, muito alto, enorme. Olhava para o propagandista com olhos de peixe morto e sempre gostava de saber das fofocas. Ouvia tudo com uma atenção e interesse incomuns. Ouvia e sorria, discretamente. Discreto, como todo bom árabe, jamais passava para frente o que lhe contavam. Sempre que eu chegava para uma nova visita, ele me apontava o dedo e dizia: “Você vai ter que me contar direito aquela história do Bebê Florista e o jumento, que até hoje não engoli...”

Depois que falava, sumia para dentro da clínica e, algum tempo depois, voltava mais curioso e insistente. Queria ouvir a história. E eu contava porque gostava e precisava de receitas. O Bebê Florista tinha sido um velho habitante de Taubaté, que passara a vida fazendo flores de papel, perfeitas aliás, para decorar filmes do cinema brasileiro. O homem era um artista e fazia ainda outras coisas mais, coisas que até Deus duvida...

Assim, no tempo em que as prefeituras retiravam o lixo das ruas com veículos puxados por animais, a administração de Taubaté tinha sua baia, onde os animais eram alojados e preparados para o serviço. Ali eram tratados com ração e muito carinho. Porém, o Bebê exagerou. Numa madrugada deserta dizem que ele foi visto sob o jumento Desprezo, cheio de desejos e amor para dar. Comentavam as más línguas que o Bebê tarado, chamava o jumento de "meu bem". Mas aí já era demais, talvez invenção do povo. O doutor Bassil, claro, não acreditava na minha história, mas dava boas risadas e ia me receitando tudo —o que era importante. No mês seguinte, porém, era tudo igual e eu tinha que repetir a história.

Houve um fato novo, porém, uma fofoca que estava rolando lá pelos lados de Cruzeiro, que o doutor Bassil tinha ouvido mas queria que eu lhe contasse. Foi o seguinte: a esposa de um médico viajara e, ao voltar de repente, surpreendeu o marido na cama com o motorista! Repeti, contei do jeito que também ouvira. Contei de novo e o doutor Bassil ficou só me ouvindo. Havia no seu rosto uma expressão de interesse e dúvida. De repente quebrou o silêncio e me disse: “Mas este médico é muito burro!... ele tinha que tomar mais cuidado, especialmente um, que é fundamental...”. “Que cuidado é esse, doutor Bassil?” Perguntei. “Trancar muito bem a porta, é claro!” —disse-me ele, sorrindo.

E depois desse dia, sempre que me via chegando, levantava o enorme dedo e me alertava em tom de brincadeira: “Lembre-se, jamais deixe de trancar a porta, meu filho, jamais!...” O doutor Bassil sabia das coisas, certamente.







Trocou o céu por um pedido





Houve um tempo em que os propagandistas efetuavam vendas, tinham objetivos individuais e lutavam bravamente para alcançá-los. Todos eles visitavam farmácias e hospitais, locais em que precisavam "arrancar" um pedido. Era ponto de honra para um vendedor “padronizar" um produto no melhor hospital da cidade.

O fato aconteceu em Monte Azul Paulista, SP. O Fernando era vendedor-propagandista do Laboratório Organon, e eu trabalhava no Sintofarma. Nosso itinerário coincidia sempre e aproveitávamos para trabalhar juntos. Os propagandistas gostam de estar juntos e andar juntos. Pela manhã, em Monte Azul, o ponto de encontro era na Santa Casa. Enquanto os médicos não vinham, para aproveitar o tempo, íamos até à farmácia para “ver” o estoque dos nossos produtos e o dos concorrentes e as faltas para o esperado pedido. A Irmã Olimpia, a madre que cuidava da farmácia, apareceu: “Meus filhos, que bom que vocês vieram. Eu estava mesmo esperando por vocês!...”

A irmã estava muito gentil, estranhamente gentil, e logo ficamos desconfiados porque, afinal, vender ali não era fácil. Não deu outra, ela queria algumas amostras para sua obra de caridade.

Isto era, e ainda é uma coisa sagrada: o propagandista nunca nega uma amostra para o comprador de hospital ou para o médico. O resultado é que acabamos dando várias amostras a ela na esperança de que ao final saísse alguma venda —um pedido pequeno, por pior que fosse seria ótimo. Doce e ledo engano! Não saiu nada.

Mas ainda me lembro como se fosse hoje. A irmã Olímpia, feliz com as amostras que ganhara, dirigiu-se ao Fernando com uma voz doce e macia para lhe dizer: “Você foi muito gentil, meu filho! ...Que Deus lhe dê o céu!...”

O Fernando, desconsolado e triste por não ter vendido nada, retrucou: “Sinceramente, irmã, eu preferia mesmo era ter tirado um pedido!...”.













Meu gerente maluquinho



Meu melhor e mais competente gerente de vendas foi um "quase doido", mas nenhum outro me ensinou tantas coisas e lições positivas como ele. Seu nome era Sinésio Salles e trabalhei com ele em dois laboratórios. No Lafi e no Wesley, ambos absorvidos por multinacionais. Quando o conheci e disse que vinha de Taubaté, ele me declamou um verso improvisado que trouxe descontração ao nosso encontro: “Cavalo pangaré, mulher que mija em pé, homem de Taubaté, valei-me São José!...”

Daí pra frente, foi só amizade entre nós e muito trabalho —um trabalho gostoso de executar. O Sinésio dava autonomia total ao GD, mas cobrava resultados. E os resultados vinham e se tornavam melhores a cada mês. Nas reuniões, defendia os propagandistas. Na matriz, pedia ao patrão os benefícios que melhoravam a vida do "homem de campo". Usava argumentos irresistíveis como: “viajante, amante e bode só tem quem pode...” E assim conseguia sempre um benefício a mais para sua equipe. Se algum propagandista o irritava, ele ia logo dizendo: "Cuidado comigo, tenho fama de louco!".

Um dia, um propagandista desavisado retrucou numa reunião: "Não sei se o senhor sabe, mas o melhor remédio para amansar um doido é outro doido com um porrete na mão..."

O jovem até que tinha razão, mas acabou perdendo o emprego do mesmo jeito. Das loucuras que me ensinou, a mais útil foi a teoria das cinco letras “c” da boa propaganda médica. Segundo ele, a propaganda que funciona tem que ser assim: Clara, concisa, consistente e com choro. Havia ainda mais duas letras importantes, que se resumiam em “conhecer a concorrência”, mas isto era obrigação do bom propagandista que julgava desnecessário estar lembrando.

O Sinésio Salles era considerado “doido”, mas foi o melhor gerente que tive. Um beijo na sua mão, meu irmão Sinésio, aonde você estiver.













O Cardiologista de Aparecida do Tabuado





Os propagandistas tinham verdadeiro pavor de trabalhar em Aparecida do Tabuado. O hospital da cidade era precário e o único cardiologista que havia lá era o doutor Arvelino que clinicava mal e operava ainda pior. Diziam que de cada paciente que ele operava, morriam dois. Não era, portanto, aconselhável ter problemas cardíacos naquela praça. O Fabião, propagandista do Carlo Erba, que já tivera problemas vasculares e tinha mais de cinqüenta anos, só ia naquela cidade acompanhado. Sozinho, nunca!

Mas o pensamento negativo parece que traz o azar. Naquele mês, o Fabião chegou na cidade temida e começou visitar os médicos mais difíceis. Queria terminar a praça antes do almoço e se mandar, mas não conseguiu. Na sua segunda visita sentiu-se mal. Começou a suar frio, sentiu uma dor no braço esquerdo e desabou. Removido para o hospital, foi socorrido, sabem por quem? Pelo doutor...ARVELINO ! Foi medicado com Dolantina, mais Valium, e dormiu. Acordou, algumas horas depois, completamente tonto e com muita confusão mental. A primeira pessoa que viu, sorrindo ao seu lado, foi o doutor Arvelino, com sua barriga proeminente e seu mui manjado bigode amarelo. Entre delírios, sombras e pensamentos desencontrados, o Fabião emitiu um longo gemido, arrancado de suas últimas forças e temores: “Pelo amor de Deus, o Dr. Arvelino não, esse não!... ele vai me matar...!”

Os colegas atenderam ao apelo do Fabião e o removeram para São José do Rio Preto, onde foi salvo. Dias depois foi visto comentando com alguns colegas: “Prefiro mil vezes o Mengele... nunca mais volto naquela cidade!...” E, realmente, o Fabião cumpriu com a sua palavra. Aposentou-se sem nunca mais ter voltado a Aparecida do Tabuado.





















O Estimulante do apetite e o elefante





Em São Sebastião, no Litoral Norte de SP, havia um casal de médicos muito simpáticos. Eram eles o doutor Álvaro e sua esposa, doutora Mariza. Ele era bem magrinho e ela gigantesca, devia pesar alguma coisa perto de cento e vinte quilos. A doutora Mariza era ginecologista e seu marido pediatra. Os propagandistas visitavam os dois e deixavam as amostras de acordo com suas respectivas especialidades. Um dia chegou lá o João Macaco, propagandista do Frumtost, trazendo um novo estimulante do apetite. O tal estimulante, o Carnivix, segundo o representante, era um medicamento fabuloso que haveria de levantar as crianças do Brasil. Todas ficariam gordinhas e fortes, certamente.

O que complicou, porém, foi a literatura do Carnivix. A peça promocional trazia uma ilustração pouco criativa, onde um elefante (com olhos de felicidade), era devorado com muito gosto por um menino magrinho com cara de faminto, supostamente após ter tomado o Carnivix. O João Macaco abriu a literatura e disse as palavras fatais: “Doutor Álvaro, se o senhor quiser comer um elefante, tome Carnivix...” O doutor Álvaro, marido da obesa doutora Mariza, coçou a cabeça, olhou bem para os propagandistas que enchiam o seu consultório e, como num lamento, disse: “Meu filho, não me faça esta proposta!... já como elefante quase todos os dias!”

Rimos bastante do espirituoso trocadilho do doutor Álvaro, mas o João Macaco não entendeu a piada. Mais tarde, quando visitava a doutora Mariza, passou recibo: “Doutora, não entendi... O doutor Álvaro é tão magrinho e acaba de me dizer que come um elefante todos os dias... Creio que ele está precisando é de tomar Carnivix, a senhora não acha?...” Não posso assegurar, mas estou quase certo de que o doutor Álvaro passou por momentos difíceis quando voltou para casa.





















Doutor Francisco Pinto de Souza





Durante anos, a sua clínica de ginecologia foi a maior de Taubaté. A sala e o corredor estavam sempre lotados. Ele atendia a todos e só deixava o consultório depois das dez horas da noite. Apesar de tanto trabalho, nunca o vimos aborrecido. Atendia aos propagandistas com prazer e creio que até com uma certa felicidade, pois aproveitava nossas visitas para tomar um cafezinho e fumar um cigarro na copinha ao lado. O doutor Francisco jamais deixou um propagandista esperar por um tempo superior ao de uma consulta. A cliente saía por uma porta e o representante entrava pela outra. Saindo aquele, ainda que fosse um chato que lhe tivesse tomado meia hora, mandava entrar o atrasildo. As clientes entravam em pânico, a gente até podia ouvir a gritaria delas com a bondosa secretária Maria José. Mas o doutor Francisco, sempre alegre, abria os braços e dizia: “Vem pra cá, vamos conversar!...” Se o propagandista indagava se tudo estava bem, ele respondia, longa e pausadamente: “Tudo bem, meu filho... tudo como manda o figurino!...”

Eu me preocupava com a sua saúde e lhe dizia: “Mas, doutor Francisco, seu consultório está cheio e já é tarde, se quiser posso passar amanhã...” Mas ele não concordava: “Não, meu filho, vamos conversar já!...” E, noite alta, sem nenhuma pressa, nenhuma gota de suor no rosto, rolava mais meia hora de gostoso papo. Parecia que as nossas visitas recarregavam as suas forças. Era um recíproco prazer visitar o doutor Francisco Pinto de Souza. E tinha mais um detalhe: jamais cobrou uma consulta, pré-natal ou parto, de uma esposa de propagandista.

Um dia ele ficou doente, estava com hepatite e se ausentou do consultório. Teria que ficar de repouso por uns quarenta dias e foi para sua chácara, ali na estrada velha de Tremembé. Normalmente, quando o médico está doente, os propagandistas anotam na ficha: “médico doente”, e a obrigação está cumprida. Mas com o Doutor Francisco foi diferente. Fizemos uma romaria até à sua chácara, viramos Reis Magos modernos e agradecidos, levamos amostras grátis e presentes para ele. Como eu sabia que ele gostava de uma pescaria, dei-lhe de presente uma faca de "pescador" comprada na fábrica de armas de Piquete. Vai ver que ela ficou lá, de plantão, enferrujada na sua velha mochila. Sem tomar nenhum remédio para o fígado, ficou logo bom e voltou a trabalhar. Ainda ontem recebia com o mesmo sorriso largo a todos os clientes e propagandistas que o procuravam. Estes seus amigos jamais o esquecerão. Para o Doutor Francisco tudo estava sempre bem, tudo acontecia “como manda o figurino...”

Obrigado Doutor Francisco. Contei para o meu filho que foi o senhor quem o trouxe para a vida, e disse também a ele que o senhor era um médico que respeitava as crianças mesmo antes de elas nascerem. Um beijo nas suas mãos mágicas. Até um dia, doutor Francisco.





O Primeiro propagandista do sertão





Seu nome era Onofre, conhecido por Onofrão. Quando saía, de Rio Preto para o sertão, chegava em Mirassol e alegrava aos médicos e farmacêuticos. Um médico da cidade já sabia a sua resposta, mas sempre perguntava: “Veio passear em Mirassol?” E o Onofrão respondia: “Não doutor, vim só cagar no mato...”

O chamado sertão de Rio Preto vai até Cassilândia, do outro lado do Rio, no Mato Grosso do Sul. O propagandista Onofre "fazia" este setor todos meses. Seu fiel companheiro era o Chupa-Coco, cujo apelido ganhara na juventude, quando foi balconista de um armazém, e fora responsabilizado por vários cocos vazios (anteriormente cheios de pinga), que o patrão achou nos fundos da loja, sugados com muita habilidade e arte, através de canudinhos de plástico. O Onofre trabalhava com o laboratório Lutécia e o Chupa-Coco com o Lafi, ambos engolidos por multinacionais. Numa dessas viagens, os dois chegaram em Nova Granada, onde se exibia um circo mambembe que anunciava o espetáculo da noite. Haveria a exibição de um feroz lutador de boxe que nunca fora derrotado. Quem conseguisse derrotá-lo que se apresentasse. O vencedor receberia uma considerável importância em dinheiro. As vendas andavam fracas naquele mês e o Onofrão, aconselhado pelo Chupa-Coco, resolveu encarar a fera e "levantar" um trôco. Sinceramente? Não devia!

Na hora combinada, com o circo lotado, lá estava o Onofrão devidamente equipado com luvas apropriadas e um calção enorme e ridículo. Da platéia o Chupa-Coco, seu único torcedor gritava: “Vai, Onofrão, vai firme!... Será moleza!” O pior é que não foi. No primeiro soco, o Onofrão caiu. Caiu e não levantou mais. Só acordou no hospital, e, tão logo conseguiu ficar de pé, abandonou rapidamente a cidade. Na volta para Rio Preto, o nariz amassado, dizia para o Chupa-Coco: “Nosso negócio é visitar médico, juro que fico um ano sem cobrir a cota, mas jamais farei uma besteira igual!” Nessa hora o Chupa-Coco falou: “O pior, meu amigo, é que na platéia tinha pelo menos uma dúzia de médicos, todos nossos conhecidos”. Depois disso o Onofrão nunca mais foi visto em Nova Granada, nem no sertão de Rio Preto, mas até hoje contam a sua história.















O Farmacêutico que mancava





Dizem que o Diabo é manco e coxo, ou coisa parecida. Por isso, sempre fico esperto quando deparo com um homem mancando. E aquele farmacêutico, o Palhares, mancava. Sua farmácia era a maior de Santa Rita. A freguesia do homem era enorme e por essa razão eu tinha que visitá-lo, tivesse medo ou não. O pior é que o Palhares tinha estranhas manias. Não admitia que nenhum vendedor, ainda que por pouquíssimo tempo, colocasse a pasta de vendas sobre o seu balcão. Se o fizesse, ele pegava a pasta e jogava na rua. E não fazia pedido, só de pirraça. Um dia chegou lá o Expedito, um vendedor inexperiente, e foi colocando a enorme pasta sobre o balcão. Não deu outra: foi buscá-la na rua e ainda ouviu um sermão que o deixou injuriado: “Qual o seu nome?...Vamos, diga-me o nome do seu gerente que vou pedir a sua demissão!” O Expedito declinou o próprio nome, mas, temendo perder o emprego, não deu o nome do gerente. Então, o Palhares extrapolou: “Além de ignorante, tem nome de preto... era só o que me faltava!”

Nessa hora o Expedito perdeu a calma. Achou que aquilo já era demais e tinha escutado demais. Virou-se para o farmacêutico, que se agitava dentro do balcão, mancando como nunca, e pronunciou a maior ofensa que lhe ocorreu dizer no momento: “Desculpe, senhor Palhares, mas por que é que o senhor não vai tomar vacina contra aftosa?!” (aftosa é uma doença que afeta o gado e os animais ficam mancando). Em seguida o Expedito pegou sua pasta e saiu correndo.

Mas, afinal, o Diabo não é tão feio como se pinta. O Palhares fazia tudo aquilo de brincadeira e deve estar rindo até hoje. Só mais tarde o Expedito veio a descobrir que a maior diversão do Palhares era "judiar" de vendedor novo. Portanto, colega, tenha cuidado quando visitar Santa Rita do Passa Quatro. Veja bem se o farmacêutico está mancando. Pode ser o Palhares, mas também pode não ser.













As farmácias de Caçapava





Em Caçapava havia apenas duas farmácias: a do Billa e a do senhor Adhemar. Vender para o Billa era difícil e receber do Adhemar era fácil, mas ambos tinham suas características e neuroses, manias que assimiladas pelo vendedor, tornavam uma moleza a tarefa de vender e receber dos dois. Para amolecer o Billa, bastava dizer que o seu implante de cabelos ficara uma perfeição (o que era uma absoluta mentira). Ao senhor Adhemar, era bastante elogiar o bom negócio que fizera com a Nestlé, a quem vendera um belíssimo terreno nas margens da Dutra a preço de banana. Exigia-se, porém, muito tato para receber as duplicatas do senhor Adhemar. Primeiramente, o vendedor tinha que levantar o estoque, anotar o pedido e, só depois, no final, falar na duplicata. O vendedor que denotasse pressa e pretendesse mudar a rotina, estava com problemas.

Um dia, chegou lá um vendedor novo que não conhecia o esquema e foi logo apresentando a duplicata para a cobrança. Seu nome era Ubiraci, chamado de Bira, representante do Ison, laboratório que não existe mais. O senhor Adhemar ficou uma fera com ele, e disse, fazendo cena para os clientes que lotavam a farmácia: “O senhor é novo e precisa aprender a trabalhar. Veja como se faz. Vou lhe ensinar boas maneiras. Disse e solicitou ao Bira que passasse para dentro do balcão e fizesse papel de farmacêutico. Pegou a duplicata e assumiu postura de vendedor. A idéia era essa: fazer uma cobrança abrupta e deselegante ao vendedor, suposto dono da farmácia, colocando-o em situação embaraçosa”. Assim, o senhor Adhemar virou vendedor e o Bira passou a ser dono da farmácia.

Imaginem a cena. A farmácia cheia e os clientes observando.Era óbvio que torciam para ver a lição que o importante farmacêutico daria no vendedor novato e atrevido. O senhor Adhemar foi até à calçada, levantou o queixo e retornou agitando duplicata, dizendo alto para o Bira, agora farmacêutico improvisado: “Por gentileza, faça o favor de me pagar esta duplicata!” —disse e aguardou a reação, certo de que o vendedor ficaria em situação embaraçosa. O Bira, que era novato mas muito esperto, respondeu bem alto, para risadas gerais: “O querido representante quer receber em dinheiro vivo ou prefere em cheque?...”

O senhor Adhemar passou o maior vexame da sua vida, e descobriu que o seu negócio era mesmo ser farmacêutico, enquanto o Bira foi logo promovido a gerente.











O “Mão de Onça”





Ele morava em Poços de Caldas e seu setor chegava até Pindamonhangaba. Às vezes era visto em Taubaté acompanhado pelo Antonio Carlos Azeredo, rondando a República Durango Kid. O Mão não sabia dirigir e só andava de ônibus ou de carona. Ele nunca soube guiar e achava isso desnecessário. Sua estatura era gigantesca e vivia sempre bem humorado, o que chamava para si toda atenção. Nos consultórios ou nos hospitais, aonde chegasse, sua presença era logo notada. O detalhe que lhe valeu o apelido foi o tamanho de suas mãos. Suas mãos eram enormes, pareciam duas pencas de banana nanica. Trabalhou vários anos, creio que todos, no laboratório Baldacci. Ao final de suas propagandas, sempre dizia: “Para o doutor não se esquecer de receitar os meus produtos, use Memoriol... —e deixava as amostras do produto citado, saindo em seguida com jeito de menino arteiro”. O Mão de Onça estava sempre apressado, indo ou vindo de algum lugar. Vai ver que era por causa do setor longo ou coisa assim. Descobri, mais tarde, que era por causa dos horários dos ônibus, escassos, e ele precisava conciliar o horário. Mas a sua pressa crônica lhe valeu alguns dissabores, momentos de saia justa nos consultórios médicos. Uma vez, ao se despedir de um médico em Lorena,SP, saiu pela porta errada e arrancou a maçaneta dos fundos. Empregara força demasiada com as suas mãos gigantescas.

De outra feita, em Guaratinguetá, visitando o doutor Lacaz, (que mantinha em seu consultório uma estante divisória decorada com figuras riquíssimas dos doze profetas do Aleijadinho, feitas em pedra-sabão e que tinham sido trazidas de Minas, com muito carinho, pela esposa do médico), o Mão deu uma outra mancada incrível. Sempre apressado, despediu-se do médico, deixando o Memoriol, mas esqueceu-se da estante e dos profetas. Trombou com elas e quebrou a metade das estátuas. O médico quase entrou em pânico. O Mão de Onça não se abalou e ainda disse: “Sabe, doutor, estas coisas acontecem com quem não toma Memoriol...”

Nos meses seguintes, o doutor Lacaz sempre perguntava aos propagandistas: “Vocês não viram o Mão de Onça por aí?” Não. Ninguém, nenhum colega tinha visto o Mão sequer passando por Guaratinguetá...







Os dois gatos cegos





Quando uma empresa farmacêutica vai lançar um novo medicamento, toma todos os cuidados para que este seja um sucesso. Pesquisas são feitas em laboratórios sofisticados. Se a empresa é nacional, brasileira, apresenta aos médicos, dezenas de trabalhos internacionais a fim de agregar credibilidade ao seu novo produto. Porém, na ponta do processo está o propagandista, que precisa ter boa cultura, uma assimilação acima da média e muita versatilidade no contato com os médicos para que estes venham a receitar a novidade. Mas nem sempre isso é possível, pois o médico gosta de saber detalhes sobre o medicamento que vai receitar.

Acontece que em Rio Preto, SP, existia o Bigatinho, um propagandista capaz de "torcer" qualquer informação e criar novas palavras. O Bigato era um sujeito simpático mas de pouco estudo, e tinha incríveis saídas para as situações difíceis, surgidas no dia a dia da propaganda médica. Quando fui seu gerente, no Sintofarma, lançamos vários produtos mas jamais poderia imaginar que em sua companhia, um dia, passaria por tamanho vexame.

Sinta o drama. Em visita ao professor Costacurta, pediatra, lançávamos um novo produto. O propagandista Bigatinho se apresentou e deu início à sua propaganda. Apresentou vários gráficos e ilustrações, justificando as vantagens do novo medicamento. Eu, seu GD, fiquei observando. Num dado momento, o professor Costacurta perguntou: “O senhor tem trabalhos científicos, algum estudo nacional ou internacional, sobre este produto?” O Bigatinho respondeu rápido e firme: “Claro, professor!... Este produto foi testado com o maior sucesso em “dois gatos cegos”, e lhe trarei o resultado na próxima visita...”

Levei um baita susto. Naturalmente, o Bigatinho se referia a um estudo “duplo cego”, mas já era tarde demais. A propaganda tinha ido para o brejo. Perdemos aquele receituário e o Bigatinho quase perdeu o emprego, mas entrou para a história.







O susto do Salvador





Todo propagandista ou vendedor de remédio do Vale do Paraíba já sabia que, se no final do mês não estivesse com a sua cota coberta, era só mandar uma “bola” substancial para o Salvador Pacetti que tudo estava resolvido. Ele nunca devolvia. Nunca voltou uma "bola" de sua farmácia. O Salvador era um grande amigo dos propagandistas. Bem, mas tudo tem limites. Havia no Vale, um vendedor chamado De Lavia, que se tornara famoso pelas "bolas" gigantescas que mandava. Certa vez, na época da Ditadura Militar, trabalhando no Organon, ele mandou uma bola de Lindiol (um anticoncepcional), de quinze mil unidades, para o "Reembolsável" do exército em Pindamonhangaba, SP, o que acabou gerando uma enorme confusão e um posterior desemprego. Mas isto é outra história.

Chegamos em Cunha pela manhã. Eu e o Faro estávamos preparados para cobrir a cota. Era um mês difícil e teríamos que contar com a bondade do Salvador, ou com a sua tolerância, pois a “bola” viria de qualquer jeito. A farmácia do Salvador parecia um armazém. Tinha mercadoria para a população de Cunha beber por vários anos. Havia caixas de mercadorias desde o porão até o teto. Se o telefone tocasse, ficava difícil encontrá-lo sob a montanha de remédio.

Na frente da farmácia havia uma carreta estacionada —e não era carreta pequena. A tal carreta estava lotada com milhares de frascos gigantes de Biotônico Fontoura. Parado e pensativo, ao lado da jamanta, fumando o seu cigarro de palha, estava o Salvador Pacetti. O farmacêutico parecia estar perdido em dúvidas, e prestes a chorar. Olhei para o Faro, o Faro olhou para mim e logo percebemos que havia cheiro de rolo no ar. Chegamos perto do Salvador e ele desabafou: ”Meus filhos, vejam se isto é coisa que se faça!... Logo comigo!...”

— Mas o que houve de errado, Pacetti? — perguntou o Faro.

— O "menino" De Lavia me mandou remédio demais... Assim eu não agüento!

E o pobre Pacetti tinha razão, não podia agüentar mesmo. Dentro da carreta, parada ali na frente da farmácia, havia uma carga de trinta e oito mil vidros de Biotônico Fontoura, tamanho grande. Era estoque para vários anos. Fortificante demais para os pouco mais de quatro mil habitantes de Cunha. Naquele mês não cobrimos as nossas cotas e acabamos por ficar com pena do Pacetti. Depois disso, nunca mais vimos o De Lavia. Por culpa dele o bom cliente se transformou e ficou desconfiado. Passou a conferir todos os pedidos que chegavam. Só recebia a mercadoria conforme a cópia do pedido. Biotônico, nem pensar!...











A baixada do rio Una





Quem passa por Taubaté, na Dutra e na direção do Rio de Janeiro, logo inicia um longo declive de vários quilômetros que só termina na ponte do rio Una. Aí começa um novo e longo trecho, em subida, que vai acabar na entrada de Pindamonhangaba. Foi nesse trecho de estrada, conhecido por “baixada do rio Una”, que nos idos de 1950 morreu o famoso cantor Francisco Alves. Em virtude disso criou-se uma lenda entre os viajantes do Vale do Paraíba, segundo a qual os motoristas solitários que passassem por ali, à noite, receberiam um carona involuntário, um misterioso senhor, vestido de branco e usando um chapéu Panamá, que se sentava pesadamente no banco de trás. Diziam que era o fantasma do Chico. Pelo retrovisor o motorista, apavorado, podia vê-lo quieto e pensativo. Aquele passageiro, diziam, era de pouca prosa e portador de muito medo.Nunca acreditei nesta lenda, mas o Carneiro, propagandista do Lilly, nunca voltava à noite de Guaratinguetá. Ele tinha pavor de passar por ali sozinho.

Mas em Guaratinguetá havia o doutor Guilherme, um médico importante, que só atendia após as oito horas da noite. O doutor Miléo também, de sorte que passar pela baixada do rio Una, à noite, não dependia só da vontade ou do medo, havia o emprego em jogo. Os propagandistas que não quisessem passar por ali, à noite e sozinhos, tinham que trazer um colega de carona ou dormir na cidade. Mas aconteceu que o Carneiro precisou retornar, de repente, a Taubaté. Seu chefe chegara de surpresa.

Era uma noite de lua cheia, o asfalto novo da Dutra brilhava e o Carneiro só lembrou do passageiro misterioso quando passava por Pinda. Nesse momento pensou: "Seja o que Deus quiser". Como não dava mais para pegar o desvio de Moreira Cesar, nem retornar, o jeito era tocar em frente e pisar fundo no acelerador. Mudou o retrovisor de posição, para evitar surpresas, e ligou o som bem alto. Para arrepiar os seus cabelos, do rádio veio a música: “Criança Feliz”, de Chico Alves!...

Até hoje o Carneiro não se lembra de como conseguiu chegar em Taubaté, e jurou nunca mais visitar o doutor Guilherme, mesmo que isso lhe custasse o emprego. Hoje a Dutra é uma longa avenida e ninguém mais se dá conta de que existe a baixada do Rio Uma e ninguém mais se lembra das músicas do Chico Alves. Que pena!





Os perigos da Dutra





Aquele propagandista novo, representante de uma grande multinacional que chegara ao Vale do Paraíba com o nariz empinado, não poderia ir longe mesmo. Era um cara metidíssimo e arrogante. Foi por isso que a turma começou a torcer contra ele. Numa tarde chuvosa, retornando a Taubaté, derrapou na pista e mergulhou no córrego do Barranco Alto. Socorrido ao hospital, politraumatizado, sobreviveu só por milagre. Na violência da queda, teve expelido um globo ocular, que não mais foi achado. Colocaram-lhe uma prótese de vidro, o que é estético, mas não é eficaz.

Os propagandistas o apelidaram de Camões, e nunca mais tivemos notícia dele. Deve estar em São Paulo, com um só olho, dirigindo perigosamente e contando suas aventuras. Provavelmente dirá que na década de sessenta desafiou os perigos da Dutra e do Vale do Paraíba...







Os Pequenos pacientes





O Elon era um propagandista jovem, recém-chegado de São Paulo. Trazia consigo todo o sotaque carregado dos italianos da Mooca. Era um garotão ingênuo e boníssimo, estava sempre alegre e animava os ambientes em todo consultório que chegava. Vez por outra, dava uma mancada. Aos médicos sempre contava uma piada velha e conseguia, com seu jeito bonachão, um receituário firme para os seus produtos desconhecidos. Nesse tempo, lançou os novos produtos do Laboratório Keto-Wemaco, que hoje não existem mais.

Naquele tempo há em Guaratinguetá o doutor Miléo, importante ginecologista, que nos atendia nos finais do dia, e às vezes bem tarde da noite. Mas valia a pena visitá-lo por que sua clientela era uma das melhores do Vale. Como acontece com todo médico importante, o seu diálogo era difícil. Não gostava de esticar conversa com propagandista.

O Elon, porém, ignorava as características do médico e queria apenas vender o seu peixe. O doutor Miléo conservava em formol uma coleção de “fetos” expostos numa estante de madeira, bem atrás da sua cadeira. Os fetos eram produto de vários abortos espontâneos de suas pacientes. Alguns fetos exibiam anomalias e eram usados como material de estudo, ou mesmo para orientação visual às pacientes gestantes. Os vidros com os fetos pareciam aqueles vidrões de pepino em conserva, tipo "picles", comuns nos balcões dos bares da periferia. É aqui que entra o Elon.

Estávamos em uma turma de uns oito colegas quando o doutor Miléo mando entrar. O Elon seria o primeiro a fazer a propaganda. Após os cumprimentos habituais, para quebrar o gelo (ainda se usa isto até hoje), o Elon resolveu fazer uma pergunta genial: “Doutor Miléo, desculpe perguntar, mas quando é que o senhor dará alta para estes seus pequenos pacientes?” — e apontou para os fetos nos vidros de formol...

O doutor Miléo ficou sério, mas nós não conseguimos segurar o riso aberto e coletivo. Depois disso, nos meses seguintes, não me lembro mais de ter visto aqueles tenebrosos vidros de fetos no formol decorando a estante do doutor Miléo. Possivelmente, atendendo à sugestão do Elon, o médico dera alta para aqueles pequenos e feiosos pacientes...









O pedido espontâneo de Angatuba





O Chico era português e trabalhava como propagandista naquele mesmo setor havia muitos anos. Mudara de laboratório várias vezes, mas permanecia em Jaú, sua cidade natal. Excelente propagandista, cultivava amizades como ninguém. Tinha receituário garantido mas vender não era o seu forte. Vivia recebendo críticas do gerente por não cobrir suas cotas. Era uma agonia a reunião mensal para o Chico.

Um dia, porém, faltando apenas algumas unidades para alcançar seu objetivo, ele resolveu mandar uma “bola” para um amigo seu, que era farmacêutico e também português, dono de uma boa farmácia em Angatuba, SP. Pensou: “vamos ver no que dá...” E Mandou a sua primeira e emocionante “bola” e ficou aguardando o resultado. “Bola”, na linguagem do vendedor, é um pedido extra que o cliente não fez, uma artimanha detestável para cobrir as cotas. Os clientes detestam isso.

No mês seguinte, o Chico chegou em Angatuba e entrou ressabiado na farmácia do patrício, fingindo que não sabia de nada. E fez bem, por que o cliente, ao vê-lo, foi dizendo: “Olá Chico, chegou um pedido "espontâneo" do seu laboratório para mim... Eu estava mesmo precisando da mercadoria e gostei muito da novidade...”

Foi um alívio. Deste dia em diante o Chico nunca mais deixou de cobrir as suas cotas e continuou mandando pedidos "espontâneos" para todos. Nunca voltou um. E o Chico, que era bom propagandista, tornou-se o maior vendedor da região e rei das reuniões. Os gerentes agora amavam o Chico.











Uma viagem para Osaka





O doutor Orlando de Souza Feierabond, importante ginecologista de São José dos Campos, solicitou ao João Macaco uma passagem para Osaka (Japão) onde pretendia participar de um importante congresso. Essa cortesia é comum no relacionamento entre o médico e os propagandistas. O João Macaco, sempre muito atencioso, mas pouco inteligente, disse: “Tudo bem, doutor, pode contar comigo”.

No mês seguinte, chegou o João Macaco e entregou ao doutor Orlando uma passagem de ônibus, mas para... Osasco!... E ainda disse, certo de que tinha agradado: “Foi o que eu consegui, doutor. Lá o senhor pega um ônibus, tá bom?!...”







Bicha, eu?





O doutor Avedis Victor Nahas era uma das maiores clínicas de urologia de Taubaté. Seu consultório estava sempre lotado. Era muito difícil de ser visitado pelo propagandista. O homem estava sempre ocupado e a sua secretária, a Adélia, não era fácil. Um certo dia, eu e o Duarte fomos visitá-lo. Ao iniciar a propaganda, o Duarte ficou assustado com a pergunta que veio do médico: “Você conhece algum propagandista bicha?”

O colega levou um grande susto. Até porque o doutor Nahas era de pouca conversa. O Duarte olhou para mim, para o lado, respirou fundo e respondeu com a calma habitual: “Não, doutor Avedis, propagandista bicha eu não conheço, mas aqui em Taubaté tem vários médicos bicha!”

O doutor Nahas não esperava por aquela resposta e ficou irritado. Levantou-se de sua cadeira e perguntou: “Quem são eles?”

Aí, o Duarte, percebendo que dera uma mancada (que perderia o receituário e talvez o emprego), voltou atrás: “Mas fique tranqüilo doutor, é tudo médico Veterinário...”















Essas incríveis Literaturas





A literatura é uma mistura

De engenho e arte

Que o gerente de produto inventa

Mas tem destino certo, um só caminho:

Forrar gaiola de passarinho...

Quando segue por rumo mais nobre

Vai dentro da pasta servindo de lastro,

Punindo o propagandista,

Esticando o braço do pobre...

Mas esta obra prima do Marketing

Não perde por esperar.

Seu longo reinado terá fim!

Virtualmente isenta de gênio

Rezamos para que acabe

Antes do “bug” do milênio...



O talão de pedidos que dançou...





Nos tempos iniciais da propaganda médica no Vale do Paraíba, os vendedores e propagandistas que quisessem chegar até a cidade de Cunha,SP ou Parati,RJ, tinham de pegar o único ônibus que havia. O ônibus (uma jardineira) saía bem cedo da praça Sto. Antônio, em Guaratinguetá, e estava sempre lotado. Havia alguns felizardos que já tinham o seu veículo próprio, o que não era meu caso nem do Pedro da Boeringher do Ginecoside. O Pedro era também conhecido por Pedro, o violeiro. A viagem era uma agonia. Homens do campo levavam para a roça fardos e mais fardos de compras e todo o tipo de bugigangas. Mas isto não era nada para quem precisava cobrir a cota.

Fizemos um lanche rápido e entramos no ônibus. Sentamos no último banco e o Pedro virou-se para mim e disse: “Este lanche não me caiu bem...”

Mas a viagem prosseguiu. Lá pelas tantas o meu colega de viagem foi ficando inquieto. De repente me disse: “Jader, vou ter de ficar na estrada. Estou com a barriga ruim e o ônibus não tem toalete...” — e pegou a pasta e saiu correndo na direção do motorista. Trocou com ele algumas palavras e o ônibus parou de repente. O Pedro desceu rápido e mergulhou numa moita de mamona que havia na beira da estrada, e ali desapareceu.

Para surpresa minha, e de todos os outros passageiros, o motorista, muito tranqüilo, profissional habituado com essas situações, acendeu um cigarro e ficou esperando pelo meu amigo Pedro se aliviar e voltar ao ônibus.

Alguns minutos depois, o Pedro voltou, mas voltou vermelho, meio sem jeito, ajeitando os grandes óculos de grau. Agradeceu ao motorista e veio se sentar novamente ao meu lado. A viagem prosseguiu e o Pedro ficou calado por um bom tempo. Achei que ele estivesse envergonhado, ou coisa parecida. De repente virou-se para mim e disse: “Jader, não conte para ninguém, mas o talão de pedidos dançou!...”









O velho Tomita San





Quando conheci o Tomita ele já devia estar com seus bons sessenta anos. Era, sem dúvida, o melhor propagandista da Noroeste. Morava em Lins e trabalhava no laboratório Wesley, que hoje não existe mais. Como se vê pelo nome, era japonês e gostava mais do Brasil do que da sua terra natal. Começou a gostar do Brasil no dia em que chegou ao porto de Santos. Era pequeno, menino de seis anos, magrinho, e ganhou um saco de pipocas de uma velhinha brasileira que se encontrava no cais do porto. Foi o bastante. Ficou apaixonado pela terra e pelo povo do Brasil. Nunca tinha comido pipoca. Comeu e se apaixonou pelas coisas do Brasil.

As razões que o levaram a ser propagandista? Bem, aí já é uma outra história. Tornou-se brasileiro, de corpo e alma. Assimilou as virtudes e os erros da gente tupiniquim. Bebia pinga nas refeições, e jogava caixeta nos hotéis. À noite botava um boné e assistia filmes de bang-bang na TV. Nunca guardou um centavo. Estava sempre dependendo do salário que ia chegar. Jamais, porém, ficou devendo nada a nenhum colega. Amigado, separado e amigado novamente, estava sempre pagando contas de casamentos desfeitos. Tornara-se um brasileiro perfeito.

Por uma dessas reviravoltas que a vida dá, acabei sendo seu gerente e ficamos ainda mais amigos. Foi assim que conheci de perto um trabalhador com quase setenta anos que produzia mais do que um garoto de vinte. Nunca deixou de cobrir sua cota. Ninguém era mais querido do que o velho Tomita San em toda a região da Noroeste.

Um dia ele me pediu para dispensá-lo do serviço por dois dias. Era para que fosse a Luanda, no Paraná, ver a sua velha mãe, de noventa anos, que morria. Foi, mas voltou muito mudado. O Tomita San parou de beber e de fumar. Não jogava mais. Não bebia. Disse que estava atendendo a um pedido da sua mãe, feito no leito de morte. Alguns meses depois, visitando médicos numa clínica de Bauru, o Tomita desmaiou. Debruçado sobre a sua velha pasta de amostras foi levado ao Hospital de Base, onde morreu. Poucos colegas foram ao seu velório. Mas isso não importa. Disseram que o Tomita San morreu de tristeza, pela perda da mãe velhinha que tanto amava. Eu digo que foi mais que isso. Foi desejo de voltar a ser menino e ganhar pipoca no cais do porto. E de certo modo conseguiu. Vejo-o sempre em um sonho onde uma velhinha, parecida com a sua mãe, estende-lhe um saco de pipocas feitas de nuvens.

Tomita San, um beijo na sua mão onde você estiver, em qualquer setor, visitando médicos ou apenas assistindo a algum filme de bang-bang.



















A empregada do Macaco





Havia alguns anos que o João Macaco trabalhava como propagandista. Poupara um bom dinheiro e, afinal, pensava que já podia ter uma ajudante para aliviar o trabalho da sua mulher.

Conversou com a esposa e saiu pelas ruas de Taubaté procurando uma empregada ideal. Ao chegar na Vila São José, encontrou duas jovens dando bandeira e entendeu que elas pareciam estar dispostas a aceitar a sua excelente oferta. Aproximou-se, expôs as condições de trabalho e o salário que pagaria. Fez um longo arrazoado, mas o salário seria apenas o mínimo.

João Macaco, que pensava estar pagando bem, ficou injuriado com a resposta que recebeu das moças: “Moço, por esse salário nós prefere continuar sendo biscate...”













O cavalo e o canivete





Um setor difícil de preencher é o da alta Mogiana, região de São João da Boa Vista, SP. Eu estava com uma vaga justamente lá. Já tinha feito várias entrevistas e não conseguia um bom candidato. Então apelei para o meu colaborador, o competente André Zerbini, que morava em Pirassununga, e certamente poderia me ajudar. Marquei novas entrevistas, todas no Hotel Garoto, de São João da Boa Vista, e logo pela manhã chegou o candidato indicado pelo Zerbini.

O rapaz era muito tímido. Entregou-me um currículo modesto, típico de quem está iniciando a vida, mas o analisei com carinho. Um detalhe que me chamou a atenção foi o fato de o candidato ter sido também garçom, como eu fora um dia. Ele vinha de São Sebastião da Grama,SP e era filho de um dono de restaurante muito popular na cidade. Seu nome era Rodrigo e percebi logo que, se apertado, o candidato seria franco e espontâneo .

Fiz as perguntas de hábito e pedi ao Rodrigo que me contasse suas experiências anteriores em vendas. Foram poucas, aliás, pouquíssimas, como se verá. Começou me dizendo: “Bem, já vendi um cavalo...”

“Continue, meu jovem, estou gostando da sua história”, eu disse. E ele continuou: “Na verdade o cavalo nem era meu, foi o meu pai que me deu, para saber se eu tinha jeito para ser vendedor...”

Interessei-me pelo assunto e lhe perguntei: “E vendeu o cavalo, meu jovem?” “Não, não vendi, mas troquei por um canivete!”, respondeu. Continuei com a entrevista, segurando o riso: “E o seu pai, o que achou do seu desempenho?” “...Ficou uma fera!”, respondeu cabisbaixo. “E o que fez com o canivete?”, indaguei. “Fui tomar banho no rio e o perdi!...”

Sem comentários. Infelizmente não era recomendável admitir o candidato Rodrigo, um rapaz honesto e de futuro, mas fiquei furioso com a indicação feita pelo Zerbini e quase arrumo outra vaga na equipe...









Minha sogra rezadeira





Minha sogra rezava muito.

Rezava tanto e tão fortemente

Que bastava eu pedir

Pra ela derrubar o gerente!

Na firma em que mais trabalhei

Passei “trabalhos” pra ela.

Meus chefes sabiam disso

E tinham medo de mim

Mas juro que não tinham razão.

O Zé Alfredo, com medo,

Até pediu demissão...

Uma história que lhe contaram,

Segundo lhe disseram

A velha sempre me atendia.

Quando lançava um produto,

Esperando sucesso total,

O Zé levava um susto

Era um fracasso geral

E o esperado sucesso não vinha!

Por obra da velhinha,

Fechava-se a filial...

Houve uma lenda que inventaram

Na qual eu não acredito,

Conta-se que a minha sogra,

Em dia de inspiração,

Carregou demais na mão,

Rezou além do normal,

E sem querer mandou pro céu,

Um saudável gerente geral...











Pavê de ossos





As gerações se sucedem —velhos sobre velhos

Numa superposição macabra de ossos brancos...

Na culinária sucessiva de sonhos desfeitos,

De desejos que morreram pelo caminho,

Elabora-se o pavê que os jovens esquecerão na mesa.

O recheio bonito, o aroma do tempo não apetece.

Só o momento interessa.

Os velhos vão se deitando sobre os mais antigos

E os novos vão caminhando depressa...

Vão descobrir, só bem mais tarde,

As teias que a vida tece:

Tornam-se mortais os que estão vivos,

E se fazem eternos os que estão mortos.

Enquanto isso, na confeitaria da vida

Derretendo os sonhos nossos, qual Babel infinita,

Vai crescendo o inevitável “Pavê de Ossos”.















A carne que o Bambam queria





Nos tempos do Wesley a coisa andava difícil. Na minha equipe trabalhava o Bambam, que "fazia" o setor de Barretos e morava em Ribeirão Preto. Era baixinho, invocado, daí o apelido Bambam. Nosso gerente, o Sinésio, mandava que ao final de toda propaganda o representante criasse um “choro”, que "tocasse" o coração do médico e este passasse a receitar. Era urgente. A coisa estava preta. Em Barretos,SP, clinicava e ainda clinica o importante pediatra, o doutor Iunes, médico sério e caladíssimo. Em Ribeirão Preto,SP, uma das maiores clínicas é a do doutor Ângelo Mattes, que tinha sido amigo e colega de turma do doutor iunes. O Bambam sabendo disso, pensando ser esperto, um dia usou em Barretos um argumento de “choro” que ninguém jamais esquecerá.

O consultório estava cheio de colegas propagandistas e o Bambam seria o primeiro a falar, pois fora o primeiro a chegar. Este é um código de ética que o propagandista não ousa quebrar. Falou o Bambam e começou perguntando: “Doutor Iunes, o senhor conhece o doutor Ângelo, de Ribeirão Preto?” “Claro, conheço muito, fomos colegas de turma, estudamos juntos.” — respondeu o doutor Iunes. Aí ficou tudo exatamente como o Bambam queria. Era só começar o “choro”. Os colegas se entreolharam, pensando que a coisa não iria dar certa, pois o doutor Iunes não era de muita prosa. Falou, então, o Bambam, fazendo cara de sofrimento: “Toda a semana vou duas vezes à casa do doutor Ângelo...” “Fazer o quê, meu filho?” — perguntou educadamente o doutor Iunes. O Bambam então respondeu, com a maior cara de pau: “Vou lá, com a minha mulher e o filho, só para comer carne!...”

Foi demais. Todo mundo caiu na risada, inclusive o médico. Mas a história não acaba aqui. O doutor passou recibo e continuou: “Tem certeza que conhece o Ângelo?” E o Bambam respondeu: “Claro que o conheço”, por quê a pergunta?” “Nessa hora o doutor Iunes foi genial e arrematou: “Eu estava quase acreditando em você, rapaz. Até receitaria para você, mas me lembrei que o Ângelo é vegetariano...”

Esta foi talvez a melhor visita que fizemos naquele dia e nunca rimos tanto. Apesar dessas "mancadas", o Bambam acabou conseguindo boas receitas e muitos amigos em Barretos. O Sinésio soube da história e fez um apelo a todos os propagandistas. Que continuassem “chorando”, mas não "chorassem" tanto nem tão dramaticamente como fizera o Bambam...









A “Cotinha” misteriosa





Nos tempos bons e antigos do Laboratório Lafi, meu gerente não gostava de perder uma cota sequer. No começo do mês somava, dividia e multiplicava, calculava novamente e distribuía a cota para cada supervisar. Da matriz, por telefone, acompanhava o andamento das vendas. Telefonava para os GD cobrando as posições de cada cliente. Queria saber das vendas do dia e as previsões para o dia seguinte. Ele morava em Bauru e chamava-se Ernani, era popularmente conhecido como Negão. Para ele, a cota era sagrada, tinha de ser coberta, era ponto de honra de um bom vendedor. Mas os tempos andavam bicudos e não era fácil vender remédio, especialmente nos finais de ano quando a cota vinha em forma de “trepadinha”, ou seja, eram somados as cotas de outubro, novembro e dezembro, virando um bolo só. A luta era grande e o “stress” tomava conta das mentes.

Naquele ano de 1982 o tempo correu rápido. Passou outubro e passou também novembro. No dia quinze de dezembro a cota precisava estar coberta, do contrário, adeus, perdia-se o ano. No dia quatorze de dezembro, o Décio telefonou de Sorocaba passando um pedido do Troy. De São José do Rio Preto, o Onofrão informou que a Santa Casa tinha feito um pedidão... coisas do Capitão. A Cota estava coberta, o ano tinha sido salvo!

O Ernani, exultante e aliviado, voltou para Bauru. Em casa, deitou-se e pegou no sono. Dormindo, porém, sonhou com a cota. Teve pesadelos e se agitou na cama. Gemia alto, tão alto que a sua esposa, Mariazinha, dormindo ao seu lado, acordou e ficou ouvindo. O Ernani dizia: “Afinal consegui!... Êta cotinha apertada!... Como é apertada esta cotinha!...”

De repente, acordou com uma cotovelada violenta da esposa. Enciumada, a Mariazinha estava sentada na cama querendo saber de tudo: “Quem é essa tal de Cotinha? Vamos, me diga o telefone desta sem-vergonha!...”

O Ernani estava sonolento e não entendeu nada, mas respondeu: “Meu bem, vai dormir, amanhã eu te explico tudo...” Virou-se de lado e dormiu o sono dos justos, mas agora tomou mais cuidado.







Doutor Bufa





Havia em Jacareí, essa importante cidade do Vale do Paraíba, SP, um médico recém chegado da França, de cor indefinida, de nome Pedro Perboá. Na verdade ele não viera da França, mas da Argélia. O homem tinha uma característica própria e inconfundível. Ao atender a nós os propagandistas ele agia de maneira deselegante, e isto (bem feito!), lhe valeu um apelido que mais à frente se verá. Seu consultório era antigo e instalado num casarão de assoalho de tábuas largas, que rangiam sob o peso dos poucos clientes e dos muitos propagandistas. Não tinha secretária, mas pelo barulho dos sapatos ele sabia quando chegava alguém. Demorava em abrir a porta, fingindo que estava ocupado. Aos propagandistas dizia sempre: “Aguarde um pouco”, e só voltava para tender meia hora depois e só então mandava entrar.

Quando havia mais de um propagandista para visita-lo, alegava pressa e durante a propaganda ficava calado e ouvia com impaciência, olhando para o relógio, abrindo e fechando gavetas. Se a propaganda se alongasse, recostava na sua velha cadeira de couro e espreguiçava longamente. Era para intimidar o propagandista. Com o correr do tempo, porém, os colegas foram se acostumando com seus gestos e já não mais aceleravam a propaganda, apresentando as literaturas e os gráficos normalmente.

Mas o doutor Perboá desenvolveu nova defesa às longas propagandas: uma bufa!... Era silenciosa, fétida e terrível, equivalente a uma bomba de hidrogênio fabricada na Bolívia. Quando o propagandista inadvertido ignorava as potencialidades do doutor e esticava a propaganda, logo se dava mal. O doutor Perboá se reclinava na sua velha cadeira e... lá vai bufa! O pior é que ele não se preocupava com o eventual ruído, ou com a reação do seu pobre interlocutor, ficava sério e desafiava o propagandista a continuar. Poucos o conseguiram! Mas, aos poucos, os propagandistas foram sumindo do seu consultório e, por vingança, botaram nele um apelido: Pedro Peidará!

Depois de um certo tempo, ninguém mais visitava o doutor Pedro “Peidará”, e ele acabou voltando para a Argélia, de onde nunca deveria ter saído, enquanto isso os propagandistas do Vale passaram a respirar mais aliviados.











O Cantor e o guaraná Jati



No Hotel Vitória de Taubaté, SP, moravam os propagandistas boêmios do Vale do Paraíba. Nos finais de semana, à tarde e à noite, reuniam-se na calçada para fazer serenata. A cantoria entrava pela noite. Entre os cantores havia um que realmente cantava bem, o Moringueira. Ele tinha uma bela voz e imitava o Nelson Gonçalves com uma perfeição incrível. Seu maior sonho era cantar na Rádio Nacional, gravar um disco, coisas assim. Sonhava com isso. Mas enquanto não realizava seu sonho, cantava nas calçadas a serenata dos boêmios, antevendo o sucesso que haveria de fazer um dia.

Naquele tempo, a Rádio Cacique de Taubaté apresentava um programa de auditório aos domingos, no qual os calouros disputavam prêmios insignificantes. O prêmio maior que se dava era uma salada no Bar do Alemão, acompanhada de guaraná Jati. Mas o sonho do Moringueira era mais alto. Mas enquanto o sonho não se realizava, cantava nas calçadas de Taubaté. O Moringueira aguardava o seu dia chegar, afinal, poderia passar por ali algum caçador de talentos e fazer o convite definitivo para o sucesso. Quem poderia saber? Realmente, um dia passou alguém por lá. Mas não era bem o que o Moringueira esperava.

Como era de costume, nas noitinhas de sábado a seresta corria solta. O Moringueira cantava uma música do Nelson Gonçalves quando se aproximou um menino magrinho, que parou e ficou olhando, encantado, com os olhos enormes e fixos. Estava impressionado com a voz poderosa e bonita do Moringueira. O menino ficou por ali e ouviu muitas canções, parecia querer dizer algo. Aguardou um momento oportuno e se dirigiu ao Moringueira: “Moço, por que é que o senhor não vai cantar lá na Rádio Cacique?”

O Moringueira, muito gentil, deu toda atenção ao menino e nos viramos para ouvir o diálogo. Quem sabe a esperada chance de ser famoso tinha chegado para o Moringueira? O Moringueira se interessou pelo assunto e quis saber: “Eu? ...cantar na rádio Cacique, por que?”

“Oras, para ganhar Guaraná Jati!” — respondeu o menino. Explodimos de rir, enquanto o pequeno menino, desconcertado, saía “de fininho”. Acho que aquele pobre menino gostou da voz do Moringueira, mas o que ele gostava mesmo, e queria, era beber guaraná Jati...









Três sócios de futuro









Havia, em Cachoeira Paulista,SP, um farmacêutico neurótico, de nome Osvaldino, que além de vesgo usava uma perna de pau à moda dos piratas, com a qual ia furando o chão por onde pisava. Por outro lado, em Taubaté havia um propagandista chamado “Mãozinha”, cujo apelido lhe botaram graças a um defeito ortopédico que adquirira em criança, responsável por uma redução no tamanho da sua mão direita, a qual teimava em permanecer aberta e virada para cima, tremendo ligeiramente quando caminhava. Finalmente, em Tremembé,SP, morava o Philadelfo, (assim com “ph” mesmo), propagandista antigo e pai de um propagandista novo. O Philadelfo era marcado por um defeito na perna direita, o qual o obrigava a manter o joelho fixo, a perna sempre esticada e o pé voltado para fora, no feitio do rodo caseiro, desses que nossas esposas usam para puxar água no quintal. É importante observar bem estas características físicas dos três futuros sócios para que você entenda porque haveriam de ter sucesso no seu futuro empreendimento rural.

Correu no Vale do Paraíba, uma notícia divulgada pela “rádio pasta”, dando conta de que os três homens de visão acima citados tinham comprado em sociedade uma chácara na região de Cunha. Os colegas propagandistas que recebiam aquela notícia ficavam pasmos, e logo perguntavam: “Mas o que vão fazer o Osvaldino, o Mãozinha e o Philadelfo, com uma chácara?” “Vão cultivar milho...” — respondia depressa o portador da notícia. E explicava: “O Osvaldino vai à frente abrindo o buraco; o Mãozinha espalha a semente e o Philadelfo vem atrás tampando a cova...”







O Buda de Bauru





Ele era baixinho, barrigudo e gordo como o próprio Buda. Recebera dos colegas propagandistas o apelido apropriado e o adotou. Virou Buda, para sempre. Tinha duas grandes paixões na vida: amostras grátis de medicamentos e mulheres. Certo dia, no aeroporto de Cuiabá, já dentro do avião da VASP, ele avistou um colega da Fontoura que tinha ido despachar o seu chefe. Logo ficou histérico e solicitou à aeromoça que não decolasse! Tinha uma importante coisa a fazer no saguão do aeroporto. Desceu correndo e voltou, minutos depois, com várias amostras de anticoncepcional. “Agora pode decolar”, falou para a aeromoça, que ficou atônita, sem entender nada... Já dentro do avião, sentado no banco ao meu lado, feliz como uma criança, o pacote de amostras na mão, disse ofegante: “Mesmo que perdesse o vôo, ainda assim valeria a pena!” Não entendi o seu raciocínio e perguntei : “Por quê, Buda?” “Isso aqui vale uma nota!” — respondeu sorrindo.

Durante a viajem para São Paulo bebeu todos os uísques a que tinha direito e chegou meio doidão em Campo Grande,MS, onde desceu. Diziam que o Buda tinha uma família em cada cidade. Passados alguns meses, encontrei-o em Fernandópolis e ele fez uma festa. Lembrei do lance do aeroporto de Cuiabá e rimos bastante quando ele disse, enfático: “Por causa de uma amostra eu perco até viajem de avião!...”

O Buda falava sem parar sobre mulheres e queria me apresentar sua nova conquista. Levou-me até a uma padaria, onde trabalhava sua nova namorada. De longe a vi e me assustei, a mulher era um monstro! Tinha mais de sessenta anos, desdentada, um pano vermelho enrolado na cabeça, parecia um pirata do Caribe. “Mas, amigo Buda, a mulher é horrível...” — eu lhe disse. E ele me retrucou: “Amigo Jader, aprenda uma coisa, mulher sendo de graça é como caderneta de poupança, é sempre um bom investimento...”

Um dia o Buda aposentou-se e foi morar em Bauru, longe das amostras, longe dos colegas. Quanto às mulheres, mesmo as mais feias, agora fugiam dele. Acontece que a barriga de um Buda cresce com a idade, enquanto o dinheiro e as “outras coisas” vão diminuindo. Quando o Buda morrer, certamente morrerá feliz, e estará talvez sonhando com mulheres e amostras grátis...







“Renomado médico” de Caconde





Um dia chegou na filial uma carta do André Zerbini, um propagandista dos mais eficientes e cultos que conheci. A carta vinha de Pirassununga,SP, e em longo arrazoado ele solicitava um trabalho científico, internacional, sobre o último lançamento que tínhamos realizado em cardiologia. Sua carta dizia o seguinte: “importante e renomado médico da cidade de Caconde,SP, solicita trabalho internacional a respeito do nosso último lançamento. Precisamos atendê-lo sob pena de perdermos um importante receituário”.

Nosso gerente era um grande gozador e respondeu com outra carta: “Solicito ao nobre colaborador Zerbini informar onde fica a “renomada” cidade de Caconde...” O Zerbini (não sei se entrou na brincadeira ou se não entendeu), e mandou a resposta por telegrama: “Caconde fica em São Paulo, bem na divisa com Minas Gerais, pertinho de São Sebastião da Grama...” Na filial rimos muito, porque ninguém sabia também onde ficava São Sebastião da Grama, o que piorava a situação. Dias depois, claro, o Zerbini recebeu o trabalho solicitado pelo “renomadíssimo” médico da importante cidade de Caconde...







Trabalhando em “Lençóis Santista”





Conheci o Aparício numa das muitas viagens que fiz a São José do Rio Preto, SP. Juntos saíamos à noite colocando cartazes do “Bom de Boquinha” nos bares e cafés que ficavam abertos até altas horas. Era um vendedor dedicado e logo pensei em convidá-lo a trabalhar comigo. Tão logo tivesse uma vaga eu o convidaria. Nesse tempo ele morava em Bauru e botei seu nome na minha agenda. Passados alguns meses, talvez anos, encontrei-o no Pão de Açúcar fazendo compras, acompanhado pela mulher e filhas. Eu estava em Bauru exatamente a procura de um bom vendedor-propagandista, e tinha ido buscar um creme de barbear que minha mulher esquecera de acrescentar à minha mala. Achei estranho o fato de ele estar ali em horário de trabalho.

Contou que tinha deixado o Merrell e ao tentar um negócio próprio, quebrara a cara. Enfim, agora se encontrava no “desvio”. Acabei convidando-o e ele veio trabalhar no Sintofarma comigo. Anos se passaram, aposentei-me e ele continua na firma, até hoje. Durante o nosso convívio, de vários anos, contou-me muitas estórias engraçadas, nas quais nunca acreditei. A história do “fraldão” que usava para dançar, essa nem pensar. Mas isto é outra história.

A sua filha menor, a Janaína, tinha uns sete anos e a Jaqueline não gostava de atender ao telefone. Um certo dia, ali pelas duas horas da tarde, liguei para o Aparício. Era um assunto sem importância, coisa que se poderia resolver mais tarde. Atendeu a Janaína. “Meu pai está em Lençóis Santista, tio.” “Mas, não seria Lençóis Paulista?”, perguntei. E a menina respondeu, entregando o próprio pai: “Não, tio... eu vim lá do quarto e vi, está na etiqueta... é Santista mesmo!”

À noite me ligou o preocupado Aparício. Estava ligando de Lençóis Paulista e aí eu não tive mais dúvidas: o Aparício estivera realmente naquela tarde chuvosa, ainda que por pouco tempo, “trabalhando” em Lençóis Santista!

Criança nunca mente, mas isto não importa. O importante é cobrir a cota!







Obrigado, Doutor!



O jovem entrou e sorriu quando viu o doutor.

Iniciada a entrevista, é sempre assim

A longa espera é esquecida, nada mais importa!

O médico difícil, que demorou para abrir a porta

É o amigo das receitas certas...

Quando se vai, já concluída a visita,

Alegra-se o propagandista.

Pois sabe, reconhece o representante

Que mesmo aquele que parece distante,

Faz de tudo para agradar a todos

E se esforça a cada momento

Para se lembrar daquele último lançamento...

Ostentei a pasta durante anos —foram quase quarenta.

E se me lembro de tão longa lista,

Jamais soube de um só médico

Que não gostasse receber o propagandista.

Assisti, isto sim, cenas de médicos apressados,

Ocupadíssimos, abrindo mão de preciosos minutos

Para ouvir histórias já ouvidas,

Maquiadas por novas literaturas

Velhas como as sagradas escrituras

Rever, educada e pacientemente,

Monografias muitas vezes já lidas...

Ainda assim encontravam um tempo para ouvir,

Com respeito e alegremente, velhos e repetidos apelos...

A sua secretária já sabe (e isto é sagrado)

os representantes passam na frente!

Por causa disso, vi briga feia com paciente.

Por esse tempo vivido junto aos médicos,

A quem muitas vezes deixei amostras

Sugeri receitas ou fiz um novo lançamento,

Hoje volto para dizer obrigado!.

Obrigado pela mão estendida e pelo sorriso dado

Obrigado, pelo tempo que nos poupou

Quando pediu ao seu cliente para aguardar!

Esse tempo, eu asseguro, o doutor não perdeu:

Está guardado na pasta da vida, no cofre do coração!

Em salas-de-espera, com alegre calma aguardei.

Afinal, atrás daquela porta fechada sabia eu

Havia um médico ocupado —receitando, quem sabe

Um produto meu.

FIM









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