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Artigos-->A CAUSA -- 30/08/2006 - 16:21 (Lycio de Faria) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A CAUSA



Corria o ano de 1348 e a humanidade estava à beira do desespero, ante o avanço incontrolável de uma praga de intensidade nunca vista. Tudo começara com a morte de alguns pobres coitados, sem eira nem beira. Justamente por isso, o fato, de início, não despertou maiores preocupações.



A única estranheza era não terem sido os óbitos causados pela fome, como normalmente acontecia.



Curioso era ainda os defuntos ficarem escuros, da cor dos africanos, pois isso não era habitual mesmo nos corpos de pecadores inveterados, atingidos pela cólera divina. Só as almas daqueles degenerados costumavam ser daquela cor.



Mais estranho ainda era o número de mortes estar aumentando muito rapidamente, parecendo uma praga. Alguém sugeriu, e logo todos aceitaram, chamar aquela ocorrência de peste negra.



Mesmo assim, não havia ainda a sensação de pânico, que só veio a se manifestar no dito ano de 1348, ante a nunca vista intensidade do flagelo.



Temeroso, Filipe VI, Rei de França, convocou uma reunião dos maiores sábios da época, incumbindo-os de descobrir a verdadeira causa do fenômeno.



O primeiro expositor reafirmou a teoria, já intuitivamente aceita por quase toda a população, de que a causa era a ira divina, em função da magnitude dos pecados cometidos pelos homens.



O segundo sábio, muito cautelosamente, por saber que não era prudente, inclusive para sua integridade física, duvidar de uma explicação endossada pela Santa Madre Igreja Católica, Apostólica, Romana, permitiu-se lembrar a possibilidade de ocorrência de algum outro motivo paralelo. Isso porque, se fosse apenas a ira divina, esta já se teria aplacado em face da intensidade das súplicas que todos os representantes de Deus Misericordioso lhe vinham dirigindo incessantemente, até sem nada cobrar por isso dos integrantes de seus assustados rebanhos. Lembrou então a influência dos astros, em especial a evidentemente maléfica conjunção de Saturno, Júpiter e Marte, no 40º grau de Aquário, ocorrida em 20 de março de 1345.



A lembrança foi considerada um Ovo de Colombo (embora este nem tivesse ainda nascido) e aceita de modo quase unânime.



Mesmo assim, um terceiro participante do conclave desejou fazer um adendo às sábias observações anteriores, chamando a atenção de todos para a ação eternamente maléfica dos judeus na disseminação da praga entre os indefesos cristãos.



De nada adiantou o protesto de um sábio israelita que Filipe VI, numa prova de inaudita tolerância, havia permitido que assistisse aos debates, embora sem direito a voto, naturalmente.



Ele clamava que aquilo era uma inominável injustiça, pois a Parca não fazia distinção de crenças e também já havia ceifado a vida de milhares e milhares de integrantes do povo de Israel.



Além de não ser aceito, o protesto ainda teve conseqüências fatídicas. O protestante (embora o protestantismo ainda nem existisse) foi incontinente enviado à fogueira, seguindo-se profilático expurgo de centenas, talvez milhares, de companheiros de fé do infeliz aparteante, notórios agentes do Tinhoso.



Reiniciados os trabalhos, ocupou a tribuna um desconhecido, um velho casmurro, sem títulos e sem fama, que ninguém sabia como e de onde havia surgido.



A ocorrência insólita provocou silêncio absoluto na assistência. Esta quedou-se perplexa, aguardando o que aquele insolente poderia ter a declarar. O velho então falou, clara e pausadamente:



- A causa da peste são os ratos.



A estrondosa gargalhada que se seguiu àquele disparate ficou ecoando até que o intruso fosse expulso do recinto...



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Corria o ano de 2001 e a humanidade, em 11 de setembro, ficou quase à beira do desespero. A onda de inominável violência, que culminara no atentado daquele dia, começara muitos anos antes, em decorrência da cultura do egoísmo, da irresponsabilidade e da licenciosidade que, insidiosamente, tomara conta da mente de um número sempre crescente de pessoas.



O fenômeno não fora repentino, muito pelo contrário. A princípio era tênue a degradação moral das consciências, num processo lento, mas gradual e seguro.



O que deflagrou a sensação de quase pânico foi a constatação da velocidade com que dito processo passou a se desenvolver, pondo em risco a continuidade da vida civilizada na face da Terra.



Alguém comentou que aquilo se assemelhava a uma praga, mas ninguém propôs um nome específico para ela.



Mesmo assim, o Secretário Geral da ONU, temeroso de que o pior viesse a acontecer, convocou uma reunião dos maiores sábios do planeta, independente de suas nacionalidades, ideologias ou crenças, incumbindo-os de descobrir a verdadeira causa do problema.

O primeiro expositor, um autoconsagrado bispo, detentor do Prêmio Nobel do Ecumenismo, fez renascer antiqüíssima teoria, segundo a qual todos os males de que padecia a humanidade tinham como causa única a ira divina. Isso em função da magnitude dos pecados cometidos pelos homens (muito especialmente o de sonegação dos dízimos destinados a cultuar a honra e glória de Deus Misericordioso).



O segundo sábio, sem demonstrar a menor preocupação com o poder do expositor que o antecedera, declarou enfaticamente:



- Besteira, besteira, besteira! Se Deus existe, está se lixando para a humanidade. Ninguém é de ninguém, a culpa é da sociedade...



Nem conseguiu terminar seu discurso, tal o fragor dos aplausos da bancada dos naturistas, libertários e congêneres que haviam acorrido em massa para assistir aos debates.



O terceiro participante desdenhou solenemente as duas teses anteriores e mais solenemente ainda declarou:



- A culpa é do capitalismo selvagem que...



Também não conseguiu terminar seu discurso. Os urros de uma outra bancada, à direita do plenário, abafou sua voz:



- Besteira, besteira, besteira! A culpa é do socialismo que...



Temendo uma conflagração incontrolável, o moderador dos debates suspendeu a sessão, convocando todos os presentes para um coffee break (assim mesmo, em inglês, embora fosse brasileiro o café servido).



Horas depois, reiniciados os trabalhos, ocupou a tribuna um desconhecido, um velho casmurro, sem títulos e sem fama, que ninguém sabia como e de onde havia surgido.



A ocorrência insólita provocou silêncio absoluto na assistência. Esta quedou-se perplexa, aguardando o que aquele insolente poderia ter a declarar. O velho então falou, clara e pausadamente:



- A causa da praga é a ação deletéria do mau uso da Mídia, notadamente a Televisão, sobre a mente das pessoas.



A estrondosa gargalhada que se seguiu àquele disparate ressoa até agora...









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