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Contos-->Don t Talk to Strangers -- 28/04/2002 - 23:55 (Jactâncio Futrica) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Don’t Talk to Strangers



O funesto incidente se deu em janeiro de 1988. Guabiré contava então com aproximadamente 160 mil habitantes. Cidade do interior, de forte colonização italiana, competia então em pé de igualdade com Ibitinga pelo título nacional de ‘Capital do Bordado’. Embora tenha, de lá pra cá, diversificado bastante sua atividade industrial e modernizado a pecuária, nos dias de hoje o símbolo oficial e orgulho de Guabiré é, sem dúvida, o quiabo! Quem é que nunca ouviu falar dos quiabais guabirébas? Entretanto, um dado notável e pouco conhecido do grande público é que aqui se encontra a nascente do Taquaropeba, o rio mais piscoso do quadrilátero do quiabo. Poucos sabem também que é aqui, entre as matas virgens de capoatés, que se encontram os últimos exemplares do iguatã de papo roxo. Só a título de ilustração: ‘Guabiré’ é um nome indígena que significa “terra dos Carneiro Patranha” (uma opulenta família da região, das primeiras a civilizar essas plagas).

O extenso calçadão da rua Wivaldi Bittencourt é o local mais movimentado da cidade. Ali se encontram os principais bancos, lojas, cinemas, lanchonetes, óticas, drogarias, prédios de salas comerciais e, no meio da rua, as instituições informais do tráfico de drogas, da agiotagem, do sete-um, da boa e da má malandragem, além da paquera inocente e das rodinhas de desocupados. Há as reuniões dos velhos que adoram falar de dinheiro e política, onde ninguém ouve ninguém, nem convence ninguém, nem negocia um palito de fósforo. Outra presença certa ali é a daquela raça de raposas vorazes e semi-analfabetas _ os ‘self-made-men’ tupiniquins _ que pensam em grana 25 horas por dia, e que rondam sempre cheias de sorrisos e tapinhas nas costas, à espreita do primeiro otário que tope fechar algum negócio (qualquer um que lhes garanta uns 300 porcentinho de lucro, ao menos). Os corretores de imóveis também manobram pela área... Enfim, o calçadão da Bittencourt é o coração da cidade _ e também a vitrine _, especialmente no aspecto cultural; é o lugar onde nascem, ou melhor, onde se passa o aval pras novas modas, estilos e gírias importados da cidade grande... E onde os homens que fazem profícua esta terra confabulam as idéias que serão a esperança de um futuro com melhores e mais promissores propósitos...

É então que surge por ali um rapagão bonito e musculoso, com os cabelos tingidos de verde-abacate, tendo como traje apenas uma minúscula tanga. Parece que nunca viu sol na vida, de tão branco. Um gringo amalucado, pela pinta... Traz um tamborzinho na mão, e o corpo é todo tatuado com símbolos coloridos de esoterismo pop. O impacto visual é bombástico e (deixando de lado aquela reservinha acanhada e mal-intencionada que temos frente às coisas escrachadas) muito interessante. A cena é assim: o pacato cidadão vem pela rua, mascando o velho chiclete da impotência ancestral, enquanto pensa na morte da bezerra; quando se depara com o figuraça, leva aquele tapa!.. dá uma brecada e deixa cair o queixo, sem saber se deve rir ou sair correndo.

Com a maior desenvoltura, o transadão vai desfilando até a altura da agência do Sangh & Suggha, “o banco que ama você”. Parando ali, se assenta em postura de lótus, bem no meio do movimento. Depois de alguns gestos preparatórios e uns gritinhos exóticos, põe-se a batucar um tipo de atabaque, tacatá caracatá caracatá, e assim vai... Uma pequena multidão de curiosos se forma, mas o zunzunzum e as piadinhas não o perturbam. Ele continua batucando, sacudindo as madeixas coloridas, cantando numa língua desconhecida, feia de dar arrepios (imagino que de alguma horrível etnia malásia, industânica, sabe-se lá...) Pros populares, tudo que soe diferente do brasileiro e do paraguaio, é americano...

A julgar pelas caras e bocas do rapaz, a canção deve contar alguma história barbaramente sentimental, pois seu semblante afeta emoções que vão desde a angústia obscenamente suspirosa até a exultação mais desvairada. Ele se comove com cada nuance da peça, meticulosamente. Às vezes o ritmo frenético vai se acalmando, lentamente, até se estabilizar num compasso simples e contido, quando a voz passa a predominar, repleta de modulações melífluas (rapazes de cabelos longos realmente parecem ser mais artísticos que a média)... E o marmanjão seminu põe-se a trinar, sonhoso, como um passarinho desmanchando-se ao crepúsculo. Com um sorriso beatífico, ele contempla a platéia, pessoa por pessoa, piscando preguiçosamente os olhos úmidos, todo molinho e desfalecido. E assim fica por uns cinco minutos, a gorjear, a desmilingüir-se em arquejos líricos. Os homens da platéia entreolham-se, encabulados, sentindo-se molestados pelo viadão. De repente, o cabra dá um breque no batuque e encara a todos novamente, agora de maneira hostil e vidrada... Aquele lado mimoso que acabara de revelar nesse último interlúdio se desvanecera... Sua expressão se transforma em algo furioso e desafiador... “Esse cara já tá enfeitando demais!”_ protesta alguém... Suspense, embaraço... Mostrando que está realmente inflamado, ele entra de cacete no atabaque, desembestadamente, sacudindo-se e cantando num ritmo enlouquecido, cheio de gritinhos roucos... “Huuuum, a boneca tá rebelde!” _ sacaneia um outro... De fato, o maluquete tá caprichando tanto em suas emoções interpretativas que, apesar de querer parecer selvagem, já tá é fazendo papel de bicha... “Temperamental ela, meu deus do céu!” A multidão se diverte _ cabreira porém, mantendo uma distância segura.

_ Acho que ele quer fazer propaganda de alguma coisa...

_ Se eu fosse prefeito ou delegado, tacava esse palhaço dentro de um camburão agora mesmo, e despejava ele bem na frente lá da prefeitura de Itacunucú [cidade vizinha]. Só que, antes, ele ia levá aquela seçãozinha de massagem bem esperta... E ia dá um jeito nesse cabelão tamém!

_ Sei não... Pra mim foi ele quem matou o seu Juventino da birosca, semana passada.

_ Deve ser de alguma seita de malucos. Agorinha mesmo começa a pedir dinheiro... pode escrever.

_ Trata-se de uma manifestação sintomática da esquizofrenia cultural que é a própria essência do pós-moderno...

_ Tem futuro esse moço! Que artista! Tem alma esse menino...

_ Esse cara tá precisando mesmo é de muita porrada nas fuça!

_ Descontando certos equívocos de transposição e a abordagem europeizante, podemos dizer que esta é uma passagem do Baghavad Gita, que narra o momento em que o exército de Vishnu chega às portas do Gonghala... Sinta bem este quê de terrífico e obscuro... a ilógica e imemorial smelesqüência que jaz nesta expressão típica da psique indiana. _ blefa o professor barbudo, enquanto acende seu cachimbo. A loirinha ao lado, sua aluna e amante, quase tem um orgasmo, engrupida mais uma vez com as demonstações de charme literário do velhaco.

_ Esses caras da capital acham que podem chegar aqui fazendo qualquer presepada que os idiotas vão aplaudir... Babacas!

Esporadicamente ouve-se uma gargalhada mais ruidosa no meio da platéia, motivada por uma dessas tiradas desconcertantes que pegam direto na veia _ dessas que só o homem do povo sabe mandar.

_ Se esse otário começar com gracinha pra cima das mina aqui da cidade, nóis atropela ele, falô?!

_ Puta-merda! É dum cara desse qu’eu tô precisando lá na boate!

_ Mitidim ele, hem! _ comenta o estudante bom-menino, com inveja, segurando seus caderninhos.

_ Né viado não, boba; é só meio doidinho mesmo... E por sinal, um doidinho muito gato, né não?! Eu fico imaginando... cumé que deve ser uma cara desse na cama?.. Aaaaai! _ estremelica a moça, persignando-se e revirando os olhinhos.

_ Um homem desse tamanho!.. Vagabundo! Tem sujeito que é capaz de tudo pra não arranjar serviço!..

Todos se enganaram. Bem no auge da coisa, quando a performance atingia as raias do frenesi mais despirocado, ele se engasga e corta o barato da moçada. Com a boca escancarada, língua pra fora, parece querer gritar, sem conseguir. Alguma coisa aconteceu... “Ele-não-está-bem!”... O tatuadão se levanta. Endurece o corpo, tremendo, paralisado. O tamborzinho lhe cai das mãos. Os olhos se arregalam e a baba começa a descer. “Acho que ele tá entrando em transe.”_ palpita um sujeito com cara de maluco... Mas o drama continua... Silêncio completo no calçadão da Bittencourt... só se ouve o barulho cibernético de umas máquinas de fliper, a vinte metros dali, na Number One Games. O tremor do rapagão aos poucos vai se transformando em convulsão, mas, estranhamente, é só a cabeca e o braço esquerdo que se sacodem. No braço direito, apenas a munheca fica abanando histericamente, como se tivesse vida própria; o resto do corpo permanece petrificado numa rigidez mórbida e alucinada. Apesar de localizada, a convulsão é tão violenta e estrambolética, que um sujeito normal já teria quebrado braço, pescoço e munheca logo de cara... e no entanto o cara continua a se descabelar como um possesso, dando a impressão de que a cabeça vai saltar dos ombros e sair quicando a qualquer momento. Algum tipo de psicopatologia inédita e espetacular... uma múmia histriônica ressuscitada com uma overdose de benzedrina...

De repente, a decepção. O dito cujo, que há um segundo atrás só sabia tremer e babar, no final das contas acaba traindo todas as expectativas da platéia. A maioria do pessoal, no fundo, tava adorando a cena; com efeito, eles iriam sair dali saciados de tragédia e doideira por um bom tempo. Mas, inesperadamente, o efebo resolve dar uma de desmancha-prazeres. Com um salto de onça _ e dando um grito que só alguém que está muito longe de Deus pode dar _ ele se precipita sobre algumas pessoas, bem no meio do ajuntamento. Foi tudo muito rápido e brutal... Se a polícia fosse menos hospitaleira com esses tipos estranhos que de vez em quando aparecem, vadiando como quem não quer nada, toda essa desgraça poderia ter sido evitada... talvez. Mas acho que os próprios policiais se intimidaram com a incrível esquisitice e desfaçatez do forasteiro.

Como eu disse, todos se enganaram. De repente: BUUUUUUUUUM! O sujeito era apenas uma moderníssima bomba acionada por controle remoto. Isto mesmo! _ um andróide-bomba. Foi um holocausto! Mais de 200 pessoas mortas, sem contar os sérios estragos em outras tantas. O inacreditável pulo que ele dera em direção ao centro da aglomeração foi justamente pra estourar o maior número possível de curiosos.

Apenas 20 segundos após a explosão (percebam bem: 20 segundos), vários furgões brancos pintados com uma cruz semelhante ao símbolo da Cruz Vermelha, começam a chegar ao local, sirenes ligadas, em alta velocidade, passando por cima de vivos e mortos. Eles recolhem rapidamente os mortos _ somente estes _ deixando os feridos gemendo e implorando no chão. Catam também todo pedaço de corpo que encontram pela frente: antebraços, cabeças, pernas, orelhas etc. Os caras são ultra-rápidos, tipo aqueles japinhas frenéticos de filme de karatê... Terminado o serviço, as viaturas partem a toda, cantando pneus e atropelando mais alguns... Ouvem-se gritos pavorosos. Une scène dantesque!!!

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Prezados amigos, não é todo dia que se ouve uma revelação como esta que estou prestes a fazer!.. Tentem me responder: por que um andróide tão cheio de firulas? Como poderia ter o “socorro” chegado assim tão rápido? Por que se acudiu apenas os mortos? E por que justamente uma cidade caipira e de porte médio como Guabiré?.. Não adivinhou ainda? _ Vou dar mais umas dicas. Um dos motivos da pressa dos furgões era transferir rapidamente os corpos pra helicópteros com tanques-frigoríficos (taxeados num campo de futebol ali perto): devido ao fim a que se destinam, os cadáveres devem ir pro gelo em, no máximo, 20 minutos e meio. Nessa transferência, aconteceu de alguns infelizes ainda mostrarem sinais de vida. “Who said you should be alive, hillbilly?!” _ debochava um falso enfermeiro, estrangulando um por um.

Pois bem. O trágico acontecimento que acabamos de narrar foi promovido pela SCAR (nome fictício, por enquanto), um dos braços de uma indústria petroquímica norte-americana. Esta gigante transnacional que atua também na área de fertilizantes, tecnologia laser, refino de pasta de cocaína e telefonia celular, de uns tempos pra cá descobriu no tráfico de órgãos mais um formidável filão pra engordar sua receita. De fato, este novo ramo de empreendimento (a antropólise) entrou com 11 porcento da receita bruta da empresa no ano passado (com uma expectativa de crescimento projetada em 36,5 porcento pra este ano). É por isto que os caras saem por aí explodindo pessoas pra catar os pedaços. Rins, baço, pâncreas, vesícula, coração, gânglios, hormônios, cartilagens, ossos frescos, tendões, artérias, olhos, culhões, plasma de cerebelo, pleuroblastos sinuviais, retículos parassimpáticos vagais... tudo isso vale uma grana incalculável! Quando é que um cientista vai conseguir sintetizar em laboratório uma mísera molécula de adropsodeína humana? _ Jamé! O único jeito então é estripar alguém. Aí explodem um bando de panacas no meio da rua, em alguma cidadezinha do terceiro-mundo, e retiram deles, gratuitamente, a matéria-prima valiosa. Nessa hora eles não são racistas...

Há indícios de que na Índia, o próprio governo esteja dando a maior força pra essa máfia, visando combater a superpopulação. O Ministério do Planejamento daquele país preparou um projeto chamado “Racionalização dos Vetores Demográficos”... Descobriu-se mais tarde que tal projeto, exaustivamente debatido e depois aprovado pelos ilustres parlamentares nativos, era nada mais que uma pastinha com duas folhas de papel em branco: como aquela gente tem uma incapacidade inata pra planejar qualquer coisa racional, teriam achado mais fácil convidar a SCAR, pra que esta atuasse com carta branca no país, com seu método característico (o mesmo usado no Brasil); só que, neste caso, de forma realmente assoladora! Contra a explosão demográfica, a explosão de populares a céu aberto, usando como chamariz andróides e ginóides exóticos: pregadores escandalosos, palhaços, dançarinas, malabaristas etc... Mas, apesar de toda a boa intenção do governo, também este projeto está fadado ao insucesso, pois estamos falando de Índia _ e ali nada funciona, definitivamente! Aquela horda de gente atrasada, que vive nas trevas desde que o mundo é mundo, se tombam mil, nascem 10 mil; são como aqueles super-seres gelatinosos e indestrutíveis da ficção científica: corta-se um tentáculo e o côto se transforma em um novo ser, ainda mais temível. Explodir ou ser explodido _ tanto faz _, pra eles isso é puro entretenimento, como o é pra nós uma boa partida de futebol.

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A SCAR deve sua existência aos novos métodos de excelência gerencial e operacional que estão sendo implantados nas grandes empresas, mais conhecidos como táticas da ‘Qualidade Total’. A competitividade no mundo dos grandes negócios chegou a um tal ponto que quem vacilar é atropelado no ato, e aí, até se recompor, a empresa já terá perdido alguns pontinhos preciosos. Isto é doloroso pra um capitalista; os caras realmente se cagam só de pensar em perder dinheiro ou posição. Devido a isto, a Qualidade Total acabou sendo aprimorada numa técnica mais agressiva que os empreendedores orgulhosamente chamam de “Neurose Total com Qualidade” ou “Neurose Total Cientificamente Assistida” (eu diria: “Cagaço de Milionários Caipiras”). É assim que as coisas funcionam hoje em dia, quando há muito dinheiro envolvido... Se é fato consumado que dinheiro demais enlouquece, o que resta a esses dementes do dinheiro é ampararem sua loucura com o supra-sumo da tecnologia... Sim, nós estamos falando aqui de capitalistas loucos! Estes são os personagens notáveis desta história.

Só um detalhe: quando a chinesada, com seu conhecido espírito atacadista, resolver entrar sério no ramo, vai ser uma hecatombe!! E haverá uma revolução nesta ainda discreta atividade econômica. Um rim americano está custando a bagatela de 15 mil dólares; rins de grife _ franceses e italianos _ chegam a valer até cinco vezes mais (até nas tripas esses frescos são metidos à besta!). Mas quando a produção chinesa invadir o mercado, aí sim, esta festa vai acabar! Creio que até em bancas de camelôs poderemos adquirir presuntos fresquinhos, a preço de banana.

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Existem partes e caldos naturais do organismo humano de que nós, leigos, nunca ouvimos e decerto morreremos sem ouvir falar, mas que são usados em tratamentos avançadíssimos, principalmente na área dos tratamentos de beleza e rejuvenescimento _ seja na cosmética superficial, seja na revitalização dos órgãos internos. Você ainda não reparou que, desde meados da década de oitenta, os grandes capitalistas, a cada vez que aparecem na televisão ou nas revistas, se mostram sempre mais garbosos e remoçados? O milionário octogenário de dez anos atrás tem hoje noventa anos, porém aparenta sessenta; e daqui a dez anos, com um século de idade, o pilantra parecerá um quarentão bem conservado, com saúde de 30 e potência sexual de 20. Transmutados em vigorosos rapagões, esses vampiros forjam a notícia de suas mortes e saem de circulação. Logicamente, isto é um segredo muito bem guardado, porque além do mais eles não querem compartilhar este privilégio divino com a ralé _ senão a coisa perderia metade da graça. A verdade é que estão se operando verdadeiros milagres fisiológicos... na surdina (só lá entre eles, os sumos sacerdotes da humanidade). Mas tenho a certeza de que mais cedo ou mais tarde estas práticas monstruosas hão de vazar e mobilizar a opinião pública, e então o mundo civilizado se levantará contra este monopólio absurdo dos avanços científicos por parte de um pequeno número de pessoas.

É preciso estendermos os benefícios das novas tecnologias a todos os irmãos do mundo ocidental! Vamos, minha gente, todos juntos, de mãos dadas, redirecionar nossos alvos e explodir corpos em países da África e do Oriente Médio. Aí sim, poderemos dizer que somos uma sociedade democrática... usufruindo irmamente os frutos da antropólise...

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Guabiré _ uma terra de gente que se orgulha em bater no peito e dizer em alto e bom som: “EU SOU DA TERRA DO QUIABO!” Esta mesma terra que se fez grandiosa ao longo de uma história repleta de obstinação e bravura, ainda hoje se lembra, vexada, da peça que lhe pregaram. Hoje resolvi revelar o como e o porquê desse logro humilhante. Aos dirigentes da referida indústria, deixo um lembrete: tenho em minhas mãos documentos incontestáveis que comprovam minhas afirmações. São papéis que encontrei acidentalmente debaixo da estátua do general Trestlepton, numa pracinha em Hines Creek, costa leste do Canadá (eu trabalhava então no ramo de impermeabilização de superfícies & controle de fungos, naquele país). Reitero agora a vocês, canalhas dolicocéfalos, o mesmo aviso que lhes dei naquela ocasião: se qualquer coisa ou pessoa, visível ou invisível, material ou abstrata, direta ou indiretamente, súbita ou gradualmente, vier a atentar contra a minha integridade ou a de meus familiares, estas provas serão enviadas a jornais e revistas do mundo todo. Portanto fiquem quietinhos e tratem de depositar em minha conta bancária o valor que estipularei em ocasião mais oportuna. Ademais, não creio que vocês queiram ser alvo de uma violenta retaliação por parte da Força Aérea Brasileira, com seus invencíveis AMX... E outra coisa: vão explodir pessoas lá na Iugoslávia, na Indonésia ou, só pra variar, na Suíça! Aqui não!.. Vocês humilharam toda uma geração de guabirébas!..

Em suma, é isto aí, amigo leitor desta prestigiosa publicação. Aquele foi um dia tão fodidamente negro para o povo desta cidade que, pra completar a humilhação, aconteceu que até mesmo a estátua monumental do Quiabão (obra arrojada da arte moderna e cartão postal da cidade) foi demolida pela explosão. Mas do saco, a embira: vocês, guabirébas _ agora que já revelei a cruel verdade _, podem ter ao menos o consolo altruístico de saber que há um pedacinho de vocês no corpo de centenas de dondocas e milionários, espalhados pelos quatro cantos do planeta. E é em nome deles que eu digo: “Obrigado, Guabiré! Eu me orgulho de ti! Pois, também eu, tenho a força do quiabo correndo em minhas veias!”


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