- Que esperança tenho eu?
Outro dia passeando pelas ruas, vi uma dessas grandes lojas, e, nela havia televisores ligados, fiquei ouvindo o que o homem falava, uma frase me marcou: "A esperança é a última que morre".
Na hora nem deu tempo para pensar, pois, veio um dos moços dessa grande loja e manou que eu saisse dalí.
Um misto de revolta e de medo se apossaram de meu coração.
Mais tarde essa frase voltou em minha mente, aí eu fiquei lembrando o que o Joquinha me falava:
- Sabe Zeca, um dia vou cê doutô, vou andá num desses carrão igual aqueles que a gente vê passando pur aí.
- Tem jeito não Joquinha, nem estudá a gente consegue, cê é que nem eu, sem pai nem mãe, dormimo no memo buraco que nem tatú, comé que vão aceitá a gente lá na escola?
- Sei não, mas vô dá um jeito, então nóis dois vâmo entrá lá, aprendê lê e escrevê, vamu se gente!
A nossa conversa era assim desse tipo, ele sonhava, coitado, sonhava tanto que um dia acabou sendo atropelado por um desses carrões que ele tanto falava.
O coitado morreu e eu fiquei sozinho sem vontade de continuar sonhando.
"Hoje, um bando de moleques, amigos meus, vivem jogados, sem esperança, tentando ganhar uns trocados para forrar o estômago.
Eu penso que tudo está errado.
Dói tão fundo quando as pessoas passam e fingem que não os vêem...
Ontem sonhei com o Joquinha, ele estava limpinho, cabelo penteado e sorrindo como sempre fazia.
Ele brincava muito, zombava de todos.
Quando o chingavam, fingia que não ligava.
No sonho ele me disse:
_ Zeca, saia daí, suba aquela ladeira que a gente brincava, porque ao pé daquela árvore está escondido um tesouro.
Quando acordei, minha barriga roncava e reclamava comida, mas me lembrei do sonho e subi num só fôlego aquela ladeira que parecia não ter fim.
Quando cheguei perto da árvore, olhei por todos os lados, olhei para cima e nada, nada de tesouro, nada de Joquinha, nada de nada.
Minha barriga roncava e doía de tanta fome...Fiquei com raiva, sentei na sombra da árvore, coloquei a cabeça entre os joelhos e comecei a chorar, chorava de fome, de saudade do Joquinha, que para mim era como um irmão.
E entre soluços, senti uma mão que afagava-me.
- Por que você está chorando?
Perguntou uma senhora bem vestida, acompanhada de um senhor também muito bem vestido.
Senti medo e vergonha, mas contei para eles a minha história e também do sonho que levou-me até àquela árvore.
Estou relatando tudo isso como se tivesse acabado de acontecer, pois, as lembranças estão vivas, presentes em minha mente.
Na verdade, muitos anos se passaram desde aquele sonho, e, na realidade, encontrei um grande tesouro, encontrei naquelas duas pessoas uma família.
Recebi amor, carinho, casa, roupas e estudo.
HOje presto uma homenagem ao meu grande amigo, irmão e anjo guardião, Joquinha.
Essa carta é para você Joquinha, sinto muita saudades.
Você foi meu companheiro em todas as horas e é por isso que homenageio você, colocando seu nome em meu filho que acaba de nascer.
É, o nome dele é João e carinhosamente vou chamá-lo pelo seu apelido.
Vou chamá-lo Joquinha e espero que ele tenha o coração tão bom quanto o seu, que seja amigo dos outros como você foi...
- Ah! Faça um favor, se você puder, é claro, entre nos sonhos das crianças de rua e ensina-lhes o caminho do tesouro, para que elas possam, como eu, algum dia ser chamado de "doutor".
À você meu grande amigo, minha eterna gratidão.