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Contos-->Filhos do Ódio -- 01/05/2002 - 14:17 (Gustavo Lima Seabra) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Gilmar está trabalhando. Ele está sozinho fazendo seu serviço, quando aparece o gerente da firma e diz:

- Gilmar, tenho uma notícia para lhe dar.
- O que foi? Pode falar - Responde o funcionário.
- Infelizmente não vamos mais precisar de seus serviços. Estamos cortando os gastos e resolvemos contratar pessoas que aceitem um salário menor.
- E que pessoas são essas? – Pergunta Gilmar, com um leve ar de indignação.
- São de Sergipe, eles querem vir pra Salvador e aceitam ganhar menos. Você pode ir pra casa agora. O setor pessoal irá entrar em contato mais tarde para acertar sua rescisão.

Gilmar pegou suas coisas e foi embora cabisbaixo. Já trabalhava nesta empresa havia um ano e nunca tinha pensado na idéia de ser mandado embora. Sentia um misto de indignação e revolta. Teve raiva dos sergipanos. Achava que eles tinham tomado o seu lugar. Não conseguia pensar em outra coisa a não ser ir a um bar afogar as mágoas. Andou pelas ruas, em direção ao ponto de ônibus e esperou. Pegou o ônibus e continuou sempre com um ar de desolação. Aquilo era muito grave. Sabia que seria difífcil arranjar outro emprego. Conhecia pessoas que já estavam desempregadas há mais de um ano. Não queria isso pra si mesmo. Tinha que ajudar em casa, sua mãe era doente e não podia trabalhar. Seu irmão ainda era uma criança e Gilmar era o pai que ele não teve. Saltou do ônibus e continuou andando pelas ruas. Estava decidido a entrar no primeiro bar que encontrasse pela frente. Não queria ir pra casa, estava muito cedo ainda. Antes de 4 horas da tarde. Sua mãe iria perguntar, ele não tinha coragem de lhe falar a verdade. Preferia beber, encher a cara, pelo menos aquele dia, precisava relaxar. Viu um bar do outro lado da rua. Não pensou duas vezes e atravessou, indo em direção ao bar.

- Quero uma cerveja por favor. – Disse com a voz embargada, quase denunciando a vontade de chorar. O pedido foi prontamente atendido pelo dono do bar. Era uma espelunca, percebia-se que aquele bar não via uma vassoura há muito tempo.

Parecia que os freqüentadores não se importavam. Olhou para os lados e viu três pessoas. Dois velhos bêbados que falavam muito alto e davam risada. Naquela hora teve medo de se tornar um bêbado. Não queria se tornar um inútil, um desempregado. A outra pessoa presente no bar também era um homem e estava mais perto. Percebeu que o cara era cheio de tatuagens, tinha o cabelo raspado e usava muitos ferros. Viu anéis, correntes e outras coisas que nem sabia o nome. Não deu muita importância, achou que fosse um daqueles “malucos” que todo mundo chamava de PUNK.

- O que foi que houve meu irmão, tá com problemas? – Perguntou o dono do bar, percebendo a tristeza de Gilmar.
- Perdi meu emprego. Um sacana sergipano chegou e aceitou ganhar menos. Meu patrão não quis nem saber.

O maluco de tatuagens estava por perto e acabou ouvindo a conversa. Parece que ele quis falar alguma coisa.

- Sei como é isso. Esses Filhos da Puta de fora vêm pra cá e tomam nossos empregos. Conheço muitas pessoas que já passaram por essa situação. – Falou o “PUNK” se dirigindo a Gilmar.
- Pois é, e o pior é que eu não sei como me defender disso. Será que vai acontecer a mesma coisa quando eu estiver em outro emprego? – Indagou Gilmar.
- Se você fizer parte de um grupo que lhe proteja, um grupo respeitado, isso nunca mais irá acontecer com você. - Respondeu o careca e continuou: Eu mesmo, faço parte dos Carecas SSA. É um grupo que segue as influências dos SkinHeads alemães.
- E o que esse grupo tem a ver com o meu desemprego? – perguntou Gilmar.
- Cara, nós temos convicções sérias e radicais. Somos totalmente contra as pessoas de fora que vêm tomar nossos empregos. Odiamos os homossexuais, essas bichas que desmoralizam nossa sociedade e não toleramos negros em nosso grupo.

Gilmar se interessou pelo assunto. Ele mesmo já tinha pensado sobre isso algumas vezes. Sempre dizia aos amigos que a maior infelicidade da vida dele seria descobrir que um filho seu era viado. Em relação aos negros, sempre soube conviver bem com eles, apesar de não ter tido nenhum amigo de cor. Nunca tinha discriminado nenhum, mas adorava contar piadas racistas junto com os amigos. Mesmo assim, não sentia raiva dos negros nem dos homossexuais. Mas o fato de perder o emprego para alguém de fora lhe fez pensar seriamente em aderir ao grupo dos Carecas de SSA.

- Não tenho raiva dos homossexuais, nem dos negros, mas estou revoltado porque perdi meu emprego. – disse Gilmar ao Careca.
- Caso queira conhecer mais do nosso grupo, você pode ir a uma reunião amanhã às 14 horas. Se você quiser ir, me encontre aqui nesse mesmo bar que eu te levo até lá. Meu nome é Peter.

Gilmar apertou a mão de Peter e se despediu. Já eram 18 horas. Estava na hora de voltar pra casa, não gostava de deixar sua mãe e seu irmão sozinhos em casa à noite. Tinha se interessado pelas idéias de Peter. Mas ficou na dúvida, não era uma pessoa de brigar muito por alguma causa. Mas uma coisa ficou martelando em sua cabeça: se aderisse ao grupo, pelo menos não iria mais se sentir tão só. Teria pessoas para lhe apoiar, pessoas que pensavam como ele. Isso lhe deu uma boa esperança para o dia seguinte. Foi dormir um pouco mais tranqüilo.

Parte 2

O dia seguinte faz sol. A câmera mostra um prédio (ou uma casa). Lá dentro, em um quarto, dois jovens conversam intimamente. A luz é baixa e eles estão sentados na cama, um ao lado do outro. O primeiro, mais alto e magro chama-se Vanderlei. O outro é moreno e chama-se Reginaldo. No dia anterior eles tiveram uma briga feia. A mais grave desde que eles começaram a namorar. Eles tinham combinado de ir ao cinema, mas Vanderlei tinha esquecido. Ficou jogando futebol com os amigos até tarde.

- Por favor, me desculpe. Eu não quis te magoar. Assim que eu me lembrei saí correndo pra casa tomar banho. Eu tava no meio do bába, não podia sair correndo. O que eu ia dizer aos meus amigos? – Vanderlei explicando-se.
- Não quero saber. Se você tem vergonha de mim, porque namora comigo? Se você é uma bicha enrustida, problema seu. – Responde Reginaldo.
- Mas Regi, por favor, você tem que me entender. É difícil pra mim me assumir. A sociedade não me aceita. Meu pai quase me expulsou de casa. Isso tem que ser aos poucos.
- Não dá mais Vander. Eu não agüento mais isso. Você tem vergonha até mesmo de me dar a mão não rua. Eu não quero mais saber. Que se foda o que os outros vão pensar. Eu quero minha felicidade, eu preciso ser feliz porra! – fala Regi exaltado.
- Ta bom Regi. Eu prometo que vou mudar. Me dê mais uma chance, por favor. Você vai ver, eu vou ser diferente. Eu te amo cara, não vou ter mais vergonha de você. Vamos sair, vamos dar uma volta na praia. Eu te pago um sorvete.

Reginaldo já começava a aceitar mais. Ele também amava muito Vanderlei, mas não estava disposto a continuar o namoro daquele jeito. Aceitou o convite. Saíram os dois e foram tomar o sorvete. Era ali pertinho da casa de Reginaldo, dava pra ir andando.

Enquanto isso...
Já eram 14:10 e até aquele momento Gilmar não tinha aparecido. Peter já estava ficando impaciente. Olhava no relógio a cada 30 segundos. Estava quase desistindo, já pensava em ir embora, achando que Gilmar não ia aparecer. De repente, quando estava pagando a conta ao dono do bar, surge a figura daquele cara com a cabeça raspada. A primeira vista ele não reconheceu, mas logo depois viu que era Gilmar. Não precisou dizer nada, já tinha entendido claramente a mensagem. Cumprimentou o novo amigo e saíram os dois andando pelas ruas.
Eles andavam bastante confiantes, com cara de mau. Gilmar já tinha quase esquecido que tinha sido despedido no dia anterior. Sentia-se bem, sentia-se fazendo parte de um grupo. Não via a hora de conhecer logo os outros Carecas de SSA.

Vanderlei e Reginaldo Andavam tranqüilamente pelas ruas. Em um gesto de coragem Vander pegou na mão de Regi, que se sentiu muito feliz. Os dois estavam no auge do amor. Aquelas mãos juntas na rua, na frente de todos, representavam muito para o casal. Eles só não esperavam que fossem encontrar pela frente dois “SkinHeads” naquele dia.
Peter foi o primeiro a ver o casal de homossexuais. Aquilo era uma provocação imensa para ele. Além das bichas fazerem safadezas, ainda saíam mostrando na rua a falta de vergonha. Para Peter aquilo era uma falta de respeito grave. Não entedia como dois homens podiam andar de mãos dadas na rua, aquilo era demais pra ele. Comentou algumas palavras com Gilmar, que também viu o casal, e resolveu partir pra cima, partir pra briga com o casal. Tirou do bolso a soqueira-inglesa, colocou na mão e saiu correndo em direção aos dois Homossexuais.
Começou com um chute pelas costas. Reginaldo tomou o chute e caiu no chão. Vanderlei olhou assustado e viu o namorado no chão. Não deu tempo de fazer nada, Gilmar lhe deu um soco no queixo, e ele quase perde os sentidos. Decidiu correr pra buscar ajuda. Enquanto isso, os dois carecas começam a espancar Reginaldo que fica caído no chão. São socos, pontapés, com muita violência. O homossexual não tem tempo nem de respirar, começa a sair sangue pela boca e pelo nariz. Mas a violência continua. Os carecas xingam de tudo quanto é nome enquanto espancam: “viado”, “Bicha”, “Filho da puta” e continuam a bater. Não têm pena, nem mesmo quando Reginaldo parece perder os sentidos, ele tinha desmaiado e dava para ver a possa de sangue no chão.
Vanderlei voltava com a ajuda. Os Carecas finalizaram o serviço, cuspiram na cara da bicha e fugiram correndo. Vanderlei encontrou o parceiro desmaiado no chão. Parecia não ter mais sinais de vida, checou o pulso e constatou: estava morto.
Aquilo foi um golpe tremendo para Vanderlei, ele se sentiu como se estivesse caindo num abismo. O chão faltou-lhe em seus pés. Começou a chorar e gritar alto, segurando a cabeça do namorado. Não entendia como aquilo tinha acontecido, não entendia como alguém pudesse ter tanta raiva. A única coisa que ele podia fazer naquele momento era chorar.

Parte 3

Mais tarde...
Os carecas estavam jogando sinuca calmamente. Já tinham praticamente esquecido aquele episódio. Achavam que os gays tinham aprendido uma boa lição e nunca mais iriam fazer safadeza no meio da rua. Não sabiam que ele tinha morrido, apenas pensavam que tinham o machucado muito. Eles não tinham a intenção de matar.
De repente dois policiais arrombam a porta e imobilizam os Carecas. Eles não entendiam o que estava acontecendo. Ficavam perguntando o que estava havendo, queriam uma resposta para aquilo.
O delegado lhes informou que eles estavam sendo presos pelo assassinato de Reginaldo Santos Silva. Os Carecas se surpreenderam, mas entenderam a situação. Porém a primeira reação foi negar. Os dois foram presos e levados a julgamento.

Seis meses depois uma repórter de uma TV de Salvador está em frente ao tribunal de Justiça da Cidade. A equipe de reportagem está fazendo uma matéria sobre o caso e aguarda o resultado do julgamento. Ela diz para as câmeras:

- Estamos ao vivo aqui em frente ao Tribunal de Justiça de Salvador aguardando o resultado do julgamento sobre o assassinato do jovem Reginaldo Santos Silva, acontecido há cerca de seis meses atrás. Os acusados são Peter Kakusci e Gilmar dos Santos Neves. Existem suspeitas que eles fazem parte de um grupo neonazista denominado Carecas de SSA. Este grupo tem sido acusado de causar diversas arruaças e quebradeira na cidade. O assassinato de Reginaldo foi o crime mais grave atribuído as carecas.

E a repórter continua:

- Parece que estão saindo algumas pessoas ali. Vamos ver quem é. São os carecas e seu advogado. Aparentemente eles foram absolvidos. Sr. Advogado (Brian), qual foi a sentença do juiz? – pergunta a repórter.
- Eu consegui adiar o julgamento por falta de provas. Meus clientes são réus primários e não merecem estar nessa situação. Vamos prolongar o máximo que pudermos. Vai chegar uma hora que eles não poderão mais ser presos.

Por trás do cinegrafista uma figura inusitada acompanhava a entrevista. Era Vanderlei. Mal podia-se reconhecê-lo, usava um casaco preto onde escondia uma arma. Estava determinado a fazer justiça com as próprias mãos, caso o tribunal não fosse capaz disso. Vanderlei percebeu a satisfação dos carecas, pois tinham saído daquela estória impunemente. Sentiu uma raiva imensa, lembrou do dia em que aqueles filhos da puta tinham matado a única pessoa que ele amou em toda a sua vida. Não pensou duas vezes, sacou a arma por debaixo do casaco, foi pra cima dos carecas e descarregou todo o tambor do revólver nos dois elementos com toda a raiva do mundo, não quis nem saber. Não pensou nas conseqüências. Achava que a impunidade daqueles dois monstros seria pior do que qualquer castigo que lhe fosse dado. Depois de matar, largou a arma no chão, levantou as mãos à cabeça e se entregou a policia. Quando tudo já estava mais calmo, a repórter se aproximou e lhe fez uma última pergunta:

- Quem é você? Porque fez isso?
- Meu nome é Vanderlei Magalhães Neto e eu amava Reginaldo Santos Silva.

Já rendido pela policia, a única coisa que conseguia pensar era em Reginaldo. Lembrava dos bons momentos que eles tinham passado juntos e sentia uma sensação confortante de justiça.

FIM
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