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Contos-->O ILUMINADO -- 02/05/2002 - 12:48 (Moura Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O Iluminado

Moura Lima

No rebordo da serra do Sino, que se ergue a enrodilhar a espessura fechada da mata, crescendo em ruídos profundos, fragoejando sempre, nasce o ribeirão Caveira.
Leguonas em reboleiros, emburrados, tugúrios esparsos povoando as fazendas solitárias, espalhadas na bárbara extensão que parece não ter fim, naqueles fundões de gerais.
Aí, nesse santuário bravio do sertão exuberante, no boqueirão do Funil, onde a natureza esculpiu nos paredões da serra a proteção natural contra as tormentas, o Jerônimo instalou sua fazenda de gado.
Já em movimento simétrico, de compasso, começava a noite a estender, voejando pelo espaço sua asa misteriosa.
A tarde expirava. O sol descambava em apoteose de cores vivas, em uma fulguração de língua de fogo, ao resplendor do ocaso, que respondia pela palidez do leste.
Assim morria a tarde na calidez do crepúsculo, que reverberava pela solidão dos chapadões, veredas de buritis, onde ainda tremulavam em agonia final vibracões de luz.
Lá ao longe, qual um riscado negro ofuscado pela sombra da mata, surgiu a toda brida um vaqueano num tordilho fogoso, que se foi aproximando da sede da fazenda.
O cavalo resfolegava, sofregamente, dilatando a venta e extremamente agitado da forçada cavalgada. O cavaleiro no alto da sela brandia, na mão direita, a carabina de papo-amarelo e dava o ultimato:
- O patrão mandou dizer se ocê não colocar a cerca no lugar, ele vai colocar nem que seja à bala!
Pacientemente, Jerônimo respondeu-lhe:
- Diga ao seu patrão que a cerca está de acordo com a escritura e o memorial descritivo. Mas, para evitar confusão, amanhã, bem cedinho, eu vou até Natividade procurar as autoridades, a justiça dos homens, porque a de Deus já trago no coração, e nos meus atos de homem honesto!
O cavaleiro não disse nada, apenas esporeou o cavalo e voltou pelo mesmo caminho na direção do ribeirão Caveira, que serpenteava a baixada.
Jerônimo, encostado no batente de aroeira da janela, contemplava o vulto do cavaleiro sumindo na baixada que se estendia até às margens do ribeirão, e pensava na terrível sentença que acabara de ouvir.
Porém, saindo do estado introspectivo em que se encontrava, silenciosamente recolheu-se ao interior da casa, dirigiu-se ao porão feito de pedra canga, onde se encontrava o sanctum: lugar sagrado destinado aos seus recolhimentos psíquicos, em estrita devoção às hostes celestiais. No sanctum não entrava ninguém, a não ser a sua própria pessoa. Naquele recinto sagrado que estava acima da mediocridade humana, ele recebia as mensagens cósmicas e entrava em comunhão com as forças do Universo. Ajoelhado e em piedoso estado contemplativo, após a emissão de mantras, sentiu-se mergulhado no infinito e abriu-se a alma ao magnífico reino do amor. No interior do sanctum, exalavam perfumes de rosas e sutis vibrações etéreas. E naquela ambiência espiritual, de profundas vibrações, ele recebeu a mensagem esperada:
- "Há ameaça de morte no seu caminho. Mas não fraquejeis! Continuai em estado de graça, amado discípulo! Tudo caminha para a fonte eterna, e a paz triunfará..."
Aquela mensagem corroborava a consulta às Runas e ao Tarô, onde surgiram os arcanos maiores, que focalizavam os arquétipos: Morte e o Ermitão. Era preciso prudência. Com a alma em agradecimento, ele encerrava a sua comunhão com o cósmico que, intrinsecamente, o tornava um instrumento a serviço da evolução da humanidade.
A noite chegava de mansinho, num céu carregado de estrelas. Ao longe ouvia-se o ganir de um cão solitário. Um casal de curicacas, com seu piar dolente, quebrava a monotonia do lusco-fusco, que se adentrava para a escuridão da noite. Jerônimo, no corredor, lembrou-se de que era preciso ultimar os preparativos para a reunião na caverna da Serra do Imperador. Os frateres das regiões longínquas da chapada das Mangabeiras e da Serra Geral estariam presentes. O grande Hierofante se deslocaria da Serra do Roncador para o encontro secreto.
Jerônimo, pacientemente, no pequeno estábulo quese encontrava nas proximidades da casa, arreava a mula Xibiu, ao foco de uma luz débil de lamparina, e apertava fortemente a barrigueira, pois o trecho do caminho era bastante acidentado.
A noite avançava pelos boqueirões e encostas da serra; e, após os preparativos, lá se foi ele ao encontro secreto. Só permitido às almas altamente evoluídas, que pairavam acima do homem comum. O caminho era extremamente perigoso, cheio de penhascos e abismos insodáveis. A certa altura do percurso, a lua despontou-se no céu, clareando a trilha e os abismos. A marcha exigia muito cuidado e perícia do cavaleiro, que, a certo ponto da cavalgada, foi obrigado a deixar a mula amarrada em uma robusta aroeira, e seguir a pé o restante da jornada.
Calmamente, prosseguiu a caminhada pela tortuosa trilha, passando por furnas, fendas de rochas, até atingir a entrada da caverna, que se projetava com uma enorme boca ao clarão da lua. Ao adentrar o primeiro espaço, similar a uma antecâmara, deparou com um guardião, que segurava, à mão direita, uma tocha acesa e o examinou pelas palavras de passe, toque e sinais. E o mandou aguardar.
Jerônimo, em recolhimento interior, na escuridão da antecâmara, lembrou-se emocionado do seu despertar espiritual, que fora marcado por terrível agonia, nas águas furiosas do rio Tocantins. “Era noite e a ventania fustigava as árvores, o trovão roncava longe, os raios riscavam o céu e as águas levantavam-se em bátegas. Era o rugir da tempestade. As correntezas arrancavam árvores, raízes e monchões de terra. E ele ali, no batelão, navegando rumo a Belém, lutava desesperadamente contra a tormenta. O velho batelão, em movimentos à deriva, não agüentou o repuxo veloz das corredeiras e partiu-se ao meio. A tripulação foi lançada violentamente na água. As vozes dos náufragos, aos gritos, ecoavam na escuridão da noite”:
- Ajude-me! Estou morrendo!.. Socorro! ..
Aos poucos as vozes foram silenciando... morrendo; só se ouvia na vastidão do firmamento o ribombar do trovão.
E lá no meio das águas revoltas, ele nadava tresloucadamente contra a fúria das correntezas. A exaustão tomava-lhe as forças. No silêncio de sua alma, rogou aos céus ajuda. Era o fim. Um relâmpago estrondou em chibatada de fogo. E na escuridão, nas alturas, abriu-se um clarão, e no centro daquela luz magnífica, surgiu uma mão que irradiava um foco de luz para seu corpo. Ao primeiro contato daquela luz, sentiu, brotando dos seus poros e células, uma força tremenda e continuou nadando, e a luz o acompanhou até à margem direita do rio. Ao pisar no barranco, caiu de joelhos por terra, em agradecimento a Deus”.
O guardião, retornando, despertou-o de suas lembranças e, em seguida, entregou-lhe uma túnica branca e o conduziu a uma entrada à direita. À primeira vista, parecia apenas uma rocha compacta, sem entrada, mas o guardião deu três pancadas com a mão direita e emitiu uma mantra e a pesada porta abriu-se lentamente, em seu eixo, provocando um rangido com a pedra de suporte. A visão que se descortinou foi majestosa e arrebatadora do interior do Templo, erigido em pleno coração da montanha. O altar triangular, no centro do templo, era circulado por uma luz violácea e as paredes davam-nos a impressão de que as luzes tinham vida própria. A abóbada, ricamente iluminada, chamava-nos à introspecção. O cheiro suave de perfume de rosas era constante e impregnava o ambiente. Pelas colunas do Sul e do Norte, percebiam-se vários seres em piedoso recolhimento. Jerônimo, caminhando em ângulo reto, foi conduzido para o lugar que lhe era destinado.
O gongo ressoou, parecendo uma voz poderosa no interior da montanha. A augusta assembléia levantou-se, em sinal de respeito e devoção. A aura de cada discípulo se interligou, formando uma única aura. Fenômeno este bastante compreensível, pois o teor vibratório que promanava do ambiente era de esfera superior. E lá no alto, próximo do altar, surgiu, de túnica branca, o venerável ancião. A sua voz cristalina, própria das mentes iluminadas, ecoou sonoramente pelo recinto:
— " Amados irmãos, hoje é um dia especial para as nossas atividades templárias. Por determinação da hierarquia superior, vamos receber no sanctus sanctorum um novo eleito, que venceu as provas, a maldade e as paixões do mundo! O que vamos revelar só é permitido aos puros de coração. São verdades eternas, que foram transmitidas desde o império invisível da Lemúria e da Atlântida até nossos dias, isto é, há quase quinze mil anos! É a Platão que a humanidade profana deve tudo que conhece a respeito da Atlântida.
Na verdade, muito mais lhe foi comunicado; mas ele foi autorizado a transmitir unicamente o que narraram dois de seus diálogos: o Timeu e o Crítias..."
“...No próximo século o homem irá a Marte, não há dúvida. Mas dentro de nós, no santuário das nossas almas, é que está a resposta para os grandes mistérios da vida. É só percorrermos este caminho de volta à consciência cósmica, ao seio de Deus, que as portas se abrirão para outras dimensões...”
Deste ponto em diante, o que acontece então, não estou autorizado a relatar e trazer a lume.
No outro dia, ao romper da aurora, Jerônimo, montado na mula, descia a Serra do Imperador na direção de Natividade. Ia em busca da justiça dos homens. Pelo caminho, com a alma em júbilo, meditava nas sábias palavras do ancião. Agora, de posse de grande mistério, ele compreendia o piscar de luzes na Serra do Imperador, que tanto apavorava os moradores da região e caçadores nômades. Era um mistério que só seria revelado aos escolhidos, aos puros de coração. Ao chegar ao ribeirão Caveira, a mula entrou estrepitosamente na água, parando ao meio, abriu as pernas para urinar e baixou a cabeça para sorver gulosamente a água cristalina e saborosa daquele riacho de leito de pedras brancas.
Num rochedo próximo, que oferecia toda a visão da passagem, encontrava-se de tocaia o vaqueiro-jagunço Emildo Caolho, que tinha a missão de eliminar Jerônimo a mando do coronel Gregório. O jagunço, previamente, havia aberto uma profunda cova, para sepultar o corpo, por detrás dos rochedos. Com isto, o seu patrão evidentemente não colocaria a cerca no lugar, mas, sim, ficaria com toda a propriedade, de excelentes terras. Ninguém suspeitaria de nada. Simplesmente esparramaria o desaparecimento, como os outros assassinatos. Afinal de contas, quem iria descobrir naqueles cafundós dos gerais um cadáver a sete palmos de terra?
Um magote de anuns-pretos na serapilheira, rente à tocaia, fez estremecer as folhas de miroró. O tocaieiro, nervoso, exclamou:
-Ué, anunzada do cafute! Num vê que a hora é de jagunço criminoso? Campeia fora, suma pro baixadão e não estraga o meu prazer de defuntear!...
Um átimo de consciência bateu-lhe fundo, como se alguém em outras dimensões estivesse a lhe ferrotear a alma:
— “O seo Jerônimo é um homem bom, ajuda todo mundo que lhe bate à porta. É o pai de todos e nunca trepou na alma de ninguém”.
E voltando a si, coçou a barba hirsuta e recriminou a empreitada:
— “E pro mode o quê eu vou espichar fumaça no coitado? É uma judiação danada...”
Já o outro lado de seu ser, que era governado pela maldade, chamou-o aos brios:
— “Cabra frouxo, pau-de-amarrar-égua, não é macho não? Recebeu ordem e tem que fazer o serviço, moquear o homem ou vá vestir saia...”
O jagunço, indignado com sua fraqueza, virou-se para uma abertura de galhos, por onde se via o cavaleiro no meio do ribeirão, e rapidamente manobrou a carabina, mirando a vítima, que, despreocupadamente, dava água à alimária. Firmou bem no ombro a culatra da arma e preparou para puxar o gatilho mas, de repente, a sua vista turvou-se com um foco intenso de uma névoa azulada, que se ia formando, e interceptou a visão da passagem e a imagem do cavaleiro. E no centro daquela nuvem azulada, foi-se materializando a figura de branco do ancião da montanha. O jagunço, atordoado com a visão gloriosa daquela cena sobrenatural, deixou a arma cair no chão e saiu desembestado a correr, aos tropeções pelo mato que margeava o ribeirão, em fuga apavorada.
E aquele cavaleiro abençoado pelos céus, deixando o riacho, prosseguiu tranquilamente na direção de Natividade. Ia em busca da justiça dos homens!
A luminosidade da manhã penetrava o mais íntimo dos arvoredos, e um misto de mistério pairava pelos vales e pelas grotas do caminho.

(Conto extraído do livro do autor "VEREDÃO",venda pelo e-mail www.gepdistribuidora@uol.com.br






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