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Contos-->O CHATO (ou O Jogo da Autopiedade) -- 04/05/2002 - 09:56 (Alexandre da Silva Galvão) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Final do campeonato A da série B. O primeiro jogo, realizado na casa do time C terminou em 0x0. Ficará com o título o vencedor desse jogo que se realiza no Estádio do time D.
Mais de 80 mil torcedores passam a impressão, a um indivíduo que observa de helicóptero, de uma massa compacta, única, viva, com uma personalidade definida. Esse indivíduo observador pensa no seu íntimo que conhece aquela torcida, assim como pensa que conhece um amigo, um irmão ou a si mesmo... dando-se o direito, portanto, de julga-la e criticá-la, baseado nesse “conhecimento”, que na verdade não passa da racionalização de uma impressão que, durante o pequeníssimo intervalo de tempo necessário para ser captada pelos sentidos humanos, varia tantas vezes que, como numa fotografia tremida, fixa-se distorcida na memória e fica mergulhada numa solução corrosiva, que varia de acidez com o humor de tal indivíduo.
Um outro indivíduo, posicionado dentro da torcida, inconscientemente enxerga esta como um prolongamento de seu próprio corpo, sentindo-se, então, estupidamente grande e poderoso. Espera ansiosamente pelos momentos em que tem o enorme prazer de gritar junto e em concordância com a massa, porque isso amplifica e dá uma dimensão sobrenatural ao som gerado pelos seus pequenos pulmões...

(I) Cabral
Cabral não gostava de futebol, mas quando a sua turma decidiu ir ao jogo ele não vacilou e comprou a sua entrada. Na verdade, a sua turma não era tão sua assim, ele sentia-se mais ou menos como um satélite que órbita em torno de um centro gravitacional esperando sempre uma oportunidade para se juntar a essa massa. O jogo era mais uma dessas possíveis ocasiões.
Cabral era um solitário que, por insegurança, provocada por fraqueza de caráter, cultuava a solidão ao mesmo tempo em que odiava a sua condição solitária. Dizia a todos que gostava do seu modo de ser e de viver mas não recusava os raríssimos convites para sair dessa rotina, convites que aceitava com ar de resignação. Assim foi o caso em questão.
A turma da qual sonhava em fazer parte era formada por vários jovens, colegas de escola, vizinhos e amigos destes. Dessa turma, quatro eram o seu núcleo: Marcelo e Maria, colegas de classe, João, irmão de Maria, e Rita, namorada de Marcelo e paixão platônica de Cabral...
O mês que antecedeu o jogo foi um período de muita ansiedade, ansiedade provocada pelos planejamentos e simulações de situações e oscilação de humores devidas aos sucessos e fracassos de tais simulações. No dia do jogo Cabral estava tranqüilo, pois havia vivido tantas vezes as situações possíveis que sentia a segurança dos experientes.
Entretanto, ao primeiro contato com a realidade, situações não planejadas surgiram, quebrando toda a estrutura que, apesar de calculada para tantas situações possíveis, era dura e inflexível.

(II) O JOGO
Andavam os cinco pela arquibancada, com Marcelo puxando a fila seguido por Rita, Maria, João e, desgraçadamente por último, o nosso pobre Cabral.
Marcelo aponta um lugar e puxa Rita, sentando os dois ao lado de um senhor de idade, o resto do espaço é ocupado sem constrangimento pelos dois irmãos, sobrando então de pé, meio perdido, meio pego em flagrante pela sua idiotice, o humilhado, o magoado, o trêmulo por um crescente desespero, o nosso Cabral, que após alguns instantes de terrível e perturbadora vacilação, continuou andando, se distanciando daqueles abomináveis, deixando-os pra trás com o intuito aparente de encontrar um lugar mas que, na realidade, era para esconder a sua mágoa, fingir que não percebeu que foi de propósito e que não notou que entreolhavam-se rindo da situação. Percorreu todo o nível da arquibancada, deixando passar alguns bons lugares e começou a voltar com a intenção de ir embora, mas quando passava por seus “amigos” percebeu que o senhor de idade não estava mais no lugar e, sem pestanejar sentou-se ao lado de Marcelo.
_ Ah! Que bom que voltou, o senhor que estava aí passou mal e tiveram que tirá-lo daí à força, porque o velho, mesmo tendo um ataque, queria porque queria ver o jogo... mas por onde diabos você andou?
_ Eu estava procurando um lugar, mas nunca vi tanta gente, isso aqui parece um... Oh meu Deus, desculpe... _ Você acertou a boca dele seu desastrado, não sabe falar sem gesticular? ...
_ Me desculpe, eu sou um imbecil...
_ Vê se fala sem mexer os braços... olhe, a boca está sangrando _ dizia Maria.
_ Me desculpa Marcelo? _ disse quase chorando.
_ tudo bem _ respondeu Marcelo.
_ Estão zangados comigo?
_ Se ele disse que está bem é porque está bem... _ falou Rita, nervosa...
_ Eu sou um idiota, o que eu faço pra me perdoarem?
_ Já dissemos que está tudo bem, já foi perdoado _ gritou João impacientemente...
_ Olha! Viu? Eu não disse que estão zangados?
_ Quer ajudar? Então vai no bar buscar um copo de água pra lavar a boca dele_ disse Rita enquanto olhava o ferimento.
Cabral levantou-se com um impulso e se pôs em direção ao bar. Enquanto caminhava, a sua mente não parava de trabalhar, iniciava um mergulho obsessivo nas perigosas e sedutoras águas da autopiedade. Imaginava-se motivo de mofa e deleitava-se com o aumento das injustiças para consigo pelo remorso que tais injustiças poderiam causar nos “caluniadores”. Ao voltar com o copo d’água mineral, viu suas desconfianças se concretizarem, eles havia abandonado o lugar...
Motivado pela raiva, ele resolveu vingar-se e, de cabeça baixa foi puxando para superfície uma bomba previamente preparada, composta de muita dor, muita mágoa, que emergindo da sua alma explodiu em forma de lágrimas e soluços. Queria que eles vissem a sua dor, mas tinha pavor que eles o vissem. Sem planejar, sem pensar, sentou-se e começou a procurá-los com os olhos fingindo distração.
O jogo já havia começado e a torcida cantava e batucava...
Enfim, após muita procura, conseguiu avistar, quatro níveis abaixo de si, o Cabelo louro e comprido de Rita que balançava com o ritmo da música sob o boné vermelho que, por combinar com o short curto mexia com as suas fantasias... Ah! Aquelas penugens louras naquelas pernas... pernas fortes... cabelos dançando sobre a minha cova...
Sem olhar o jogo, ele vigiava cada movimento dos quatro companheiros, e cada vez que um deles sorria, despejava neste um mar de ódio...
Do lado de Cabral, um rapaz é preso por portar bombas de fabricação caseira, distraindo um pouco a sua atenção. Ele percebe que na confusão os policias deixaram, bem ao seu lado, uma bola de bilhar recheada de pólvora.
(III) Detonação
... Mas isso é uma bomba! Deve fazer um grande estrago... eles ainda não me viram... desgraçados... olha o João gesticulando... o filho da puta ta me imitando... estão rindo de mim... eu sou um desgraçado... eu devia jogar essa bomba neles... Marcelo está me defendendo... Maria deu de ombros e a Rita está rindo... e se um deles morresse?... Marcelo concordou... deu de ombros também... se eu jogar naquele espaço vazio eu acho que não tem perigo... e se eles me vissem aqui... não adianta gritar, eles estão muito longe... e se eu explodisse aqui perto?... e se eu morresse... eles se sentiriam culpados... eu sou um imprestável... um cacete... um chato... não me interessa o que esses bostas pensem... estão se divertindo é? ... olha quem ainda existe... lá vai... Droga!!!!

(IV) A Bomba
Um copo de plástico explodiu na cabeça de Marcelo. Rita olhando para trás viu Cabral, mas antes de entender o que havia acontecido deu um grito de susto ao ver um homem acertar a cabeça de João com o pau de uma bandeira. Esse homem, que devia ter uns trinta anos e certamente confundiu o pacífico João com algum desafeto, foi agarrado pelo pescoço por Marcelo, mas logo, ajudado por dois amigos, começou a provocar um massacre que sobrou até para as duas garotas.
Cabral ficou olhando paralisado aquela bagunça até que, num ímpeto, se jogou arquibancada abaixo e pulou sobre os três agressores como um tigre. Com os seus quase dois metros de altura e cento e vinte quilos de músculos e banha, era uma figura monstruosa e impressionante. Segurou dois deles enquanto o outro desapareceu arquibancada abaixo. Enquanto dominava aqueles dois, agarrando-os pelos pescoços, virava a cabeça procurando seus amigos, mas só encontrou três policiais que deram-lhe com o cacetete na cabeça e levaram-no preso acompanhado dos outros dois brigões...


(V) Cadeia
Sentado na cela, repassava toda s situação, desde a expectativa, os seus preparativos em frente ao espelho, até o final trágico e humilhante. No seu vício de autopiedade, não telefonara para o seu tio, queria morrer na cadeia, mas um guarda abriu a cela. Um tio viera buscá-lo.
_ Tio, como o senhor soube?
_ Foram aqueles seus amigos.
_ Eles também vieram?
_ Não, eles pararam com o jipe em frente a minha casa e me gritaram, eu saí à janela e eles me contaram que você havia provocado uma confusão (que vergonha!) e que estava preso, depois se despediram e foram comemorar...
_ Comemorar?
_ É! Não sabe? O Time D venceu e a cidade está na maior festa...
_ Ah venceu! Que bom!... O Time d...
Nesse instante uma coisa começou a crescer. Um leve sorriso começou a se esboçar e uma alegria com o nome de Time D foi brotando em seu peito, e uma euforia foi surgindo e crescendo e crescendo... Sem poder conter-se, deixou o tio para trás e saiu correndo pelas ruas, pulando e gritando de alegria... e se juntou à multidão...
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