Desde a infância, influenciado em grande parte por Mike Nelson (Lloyd Bridges) em “Aventura Submarina (Sea Hunt), (que curiosamente foi ao ar nos USA em 1958 ano em que nasci) e desde a primeira vez que assisti,causou-me um grande interesse e aguçou a minha curiosidade sobre o que havia no fundo do mar. Obviamente por ter nascido e sido criado em uma ilha, foi-me extremamente fácil dar vazão a esta curiosidade e ao incontrolável desejo de estar sob as águas. (isto ocorreu em uma época quando a Baia de Guanabara ainda não havia sido transformada no esgoto a céu aberto que é hoje).
Dentre todas as outras crianças eu realmente me destacava pois tinha uma capacidade pulmonar muito superior, o que me permitia desaparecer(literalmente) a cada mergulho e reaparecer onde não era esperado pelos outros muitas vezes já em desespero; porém em minha memória paira a lembrança da verdadeira motivação para esta opção de vida : Eu tinha 6 anos e junto com a família fomos em excursão ao Parque Estadual de Teresópolis onde havia (ainda existe??) uma piscina natural de águas represadas, que era muito grande e em certos pontos chegava a ter por volta de 10M de profundidade; de repente vi uma senhora chorando, ao aproximar-me ouvi-la dizer que havia perdido sua aliança de casamento e que era ela a grande lembrança de seu finado e muito amado marido; em resumo : pulei na água no local por ela indicado e após alguns minutos de busca (provavelmente criei alguma expectativa) retornei a senhora com sua preciosa memória em minhas mãos; depois de beijos, agradecimentos efusivos e elogios as minhas habilidades sub aquáticas e honestidade, tirou de sua carteira uma nota de CR$ 5,00 cruzeiros que no primeiro instante recusei, porém fui logo levado insistentemente a aceitar como recompensa por meu feito. Mal sabe aquela senhora que hoje certamente não vive mais que aquele momento ficou marcado em toda a minha vida e foi a partir dele que descobri quem eu definitiva e inquestionavelmente iria ser : Um Mergulhador Profissional .
O Brasil daqueles dias vivia sob o manto negro de uma ditadura canalha e vil, continuei com minha vida aquática e transformei em fato consumado minha relação com o mar, aprendi a velejar, aperfeiçoei e ampliei minha capacidade pulmonar, minhas técnicas rudimentares para a caça submarina já rendiam-me bons frutos e eu ampliei minha devoção pelo estilo de vida que com o mar se apresentava, faltava-me sabia eu a técnica para aproveitar ao Maximo o que havia de natural em mim. Minha vida familiar era um pesadelo do qual eu queria muito acordar, vi naquele período que minha única opção era por de lado meu asco pelos militares de então e adentrei como aluno no único curso de mergulho confiável e com uma formação reconhecida e respeitada;certamente o melhor do pais que era o da BACS (Base Almirante Castro e Silva) na Ilha de Mocangue no Rio de Janeiro.
A vida de um civil em uma base militar não era nada fácil,principalmente para alguém como eu que possuía uma consciência critica sobre o que estava acontecendo no pais naqueles dias negros que tiveram inicio em 1964; eu sabia que o Senimar desaparecia com pessoas e tudo o que hoje se sabe, em minha mente criei duas Marinhas : Uma dos assassinos covardes e canalhas e a outra a que eu vivia e via como sendo o meu passaporte para sair de minha ditadura pessoal e mesmo do pais que tanto me envergonhava e enraivecia; tive vários problemas e inúmeras dificuldades, porém meu amor pelo mergulho fez com que superasse a todos eles; formei-me de fato como o primeiro da turma : tive 0,001 milésimo de ponto roubado em beneficio de um Capitão Tenente dos Fuzileiros Navais já que era inaceitável para os padrões da época que um civil superasse um militar (especialmente um criador de caso como eu) e assim em uma turma que começou com 23 alunos graduaram-se 4 e eu em segundo lugar e único civil. {(O capitão tenente em questão reconheceu para mim pessoalmente a canalhice perpetrada).
A partir daí minha vida mudou do fel para a água salgada que era tudo o que eu mais queria : Trabalhei em construção sub marina na ponte Rio Niterói, lançamento de linhas de eletricidade e de cabos telefônicos, raspei fundos de navios, fiz limpeza e remoção de troncos em hidroelétricas, corte, solda, salvatagem,reparos em embarcações, troca e liberação de hélices, e toda a faina de mergulho que me era apresentada; destaquei-me dentre meus pares e fui levado para fora do pais, tive cursos de aperfeiçoamento pagos pela maior empresa de mergulho do mundo (Stolt Comex) , formei-me em mergulhador profundo, fui recordista mundial de mergulho profissional em 1981 quando fui à 313m. (não entrei para o Guiness devido a uma patriotada da Comex com um Inglês que “alegdly” dois dias depois de mim foi a 317m e mesmo hoje o Record está a 318,25) Trabalhei para a industria do petróleo por 15 anos; dos primórdios da Bacia de Campos até do Mar do Norte do golfo do México até o Alaska, da Islândia a Austrália; conheço 38 paises do mundo graças ao mergulho profissional . Abandonei o trabalho de prospecção de petróleo enojado com o descaso para com os profissionais da área e com o desrespeito ao meio ambiente, mudei para os USA onde trabalhei com o mercado da pesca de ouriços do mar, que se estendia do norte da Califórnia ao Alaska, quando em março de 1989 a incompetência e o descaso da industria petrolífera entraram novamente em rota de colisão comigo; havia me estabelecido em Prince William Sound quando o Exxon Valdez despejou seus milhões de litros de óleo cru em um dos lugares mais lindos que já vi em minha vida: Fiquei muito puto e alistei-me na ‘LEGION ETRANGERE” !
Com minha formação e experiência como “Plongeur Sous Marine”, foi muito fácil ser selecionado para treinamento como nageur du combat e pertencer a elite da elite na 3eme Companie du 2emeRegiment Etrngere des Parachutiste participei de mais de 700 saltos e um sem numero de intervenções a partir do lançamento por submarinos da Marinha Francesa, lutei no Chad, em Djbouti , Guerra do Golfo e Bósnia ( a vergonha da minha vida) quando dei baixa honrosa condecorado duas vezes por bravura além do cumprimento do dever.
Resolvi escrever este artigo, não como imbecis que o lerem podem conjeturar que foi para o auto enaltecimento e para inflar meu ego; asseguro-lhes que foi para enaltecer sim a uma profissão, uma carreira, uma opção de vida, não minha apenas, mas sim de homens e mulheres, que a abraçaram com amor e dedicação e principalmente por todos aqueles companheiros e companheiras que deram suas vidas em seu exercício; nada em nenhum momento de minha evolução profissional, preparou-me tanto quanto o período em que fui mergulhador raso no Rio de Janeiro : Conheci toda a sorte de dificuldades e aprendi a superá-las com desenvoltura e criatividade, fui confrontado com toda a sorte de indivíduos e circunstâncias por eles criadas, vicissitudes, dificuldades desfaçatezes, desrespeitos e toda á gama de canalhices que apenas um ser (quase) humano pode infligir a outro. Trabalhei e aprendi muito com a ascensão técnica e acadêmica imposta pelo mergulho profundo, desde bounce dives até intervenções em contenção de incêndios submarinos, uso de explosivos e mergulho militar com todas as suas nuances e imposições, espeleologia e mergulho em naufrágios, caça submarina e fotografia em lugares paradisíacos e com visibilidade de 100m (Maldivas, Bora Bora). Porém, nada me marcou mais do que aqueles anos iniciais nas águas escuras e imundas da Baia de Guanabara , quando trabalhava por NCr$15,00 e o pápá ( Quentinha do "Seu" Roberto Vianna da OSB) raspando cascos de navios. È por este período e por todos os companheiros que já não estão mais entre nós que escrevo esta elegia ao meu maior triunfo na vida, que foi o de ser o que sempre quis ser : Um MERGULHADOR PROFISSIONAL.
Em memória dos companheiros que tragicamente morreram na colisão entre a traineira onde eram escravizados (21 dias de trabalho por 7 de descanso) e um cargueiro na Baia de Guanabara em 17 de Outubro de 2006.
Que descansem em paz !
ESMERALDO JOSÉ MOREIRA (Pai Velho) 60 anos de idade
OSWALDO ANTUNES 61 anos de idade 41 de Mergulhador
PANAIOTIS DE OLIVEIRA 37 anos de idade.
ERIVELTO DE AZEVEDO 27 anos de idade 1 de mergulho
