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Contos-->Sem acalanto -- 25/05/2000 - 22:48 (márcia carrano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O bebê chorava. E ela mal agüentava olhar para seu lado. A cabeça era o caos. A empregada acabara de lhe dizer que o marido realmente tinha entrado na casa da outra. Que outra? Ela não sabia, mas andava pressentindo que havia alguém entre eles. Por isso João ultimamente se esquivava tanto. Ela ardendo e ele cheio de cuidados; primeiro a gravidez, depois o resguardo. Verdade é que , quando as gentilezas eram esquecidas, João correspondia a seus anseios com amor estampado nos olhos e no corpo. Encenação. Só podia ser.
E o bebê chorava. João não chegava. O tempo era um bloco de chumbo sobre sua cabeça. Havia outra, outra, outra ... Não podia ser. Ele ia chegar e dizer que era tudo mentira. Ela acreditava e ...
A porta se abre. É ele ! O traidor. Cínico, ainda sorri. Com certeza está rindo dela, a tola, a que se deixa enganar. Ah! Mas não ia ser assim não.
— Não encoste em mim, seu ordinário !
Mas seu corpo queria o calor do corpo dele.
— Que isso, moreco ?!
E ele não entendia coisa alguma.
— Vá pra ela! Vá !
E o empurrou, mas queria tocá-lo.
— Ela quem , meu amor ?!
E pensava se a mulher enlouquecera.
— Vagabundo! Ordinário! Covarde!
Um borbotão de xingamentos, de ameças, de arrebenta-portas. João tentava acalmá-la. E era pior. A calma do marido exasperou-a a um ponto, que caiu sobre ele, esmurrando-o, arranhando-o, batendo-lhe no rosto com a fúria de uma louca. Rasgou a camisa de João, transformou-a em farrapos.
E ele, atônito, olhava-a sem conhecê-la. O jeito era dormir na sala e esperar que a noite de sono devolvesse o juízo que ela perdera. Amanhã...
E o bebê chorava. Ela não dormira um só instante. Arrependera-se. A empregada inventara a outra para receber a recompensa? Pensar não adiantava mais. Tudo estava perdido. Irremediavelmente perdido. João não a perdoaria. Com outra ou sem outra, tudo perdido.
João passa pela porta do quarto e nem se vira. Tudo perdido. Pela primeira vez em dez anos de casados, toma café sozinho. Tudo perdido. Ela ouve as vozes das outras crianças. Tudo perdido. Conversam com o pai e ele parece tranqüilo. Chega a brincar com elas. Tudo perdido. Ela está sozinha. E sozinha será sempre. Tudo perdido.
E o bebê chorava. João saíra para a caminhada matinal. Ah ! As caminhadas com João ... Tudo perdido. João afagando-lhe o corpo. Tudo perdido. João sorrindo. Tudo perdido. João procurando-a na noite. Tudo perdido.
E o bebê chorava. Ela anda de um lado para o outro. Abre a porta do armário. Lá está a arma. João ! Tudo perdido. Embrulha o revólver na roupa e vai para o banheiro. Tudo perdido. Não pode falhar. Dá o primeiro tiro na parede, para ter certeza. Ela precisava de certezas. Tudo perdido.
— Mamãe, que barulho é esse?
É a filha mais velha. Tudo perdido. Volta o cano da arma na direção do peito.
— Mãe !
Um. Dois. Três. Tudo perdido. Alguém arromba a porta. Ela vê os olhos aterrorizados dos filhos mais velhos. Ouve um som longínquo: o bebê chorava. Haveria outra? E se não houvesse?
Tudo perdido. Completamente perdido. O bebê continuará a chorar. Não haverá acalanto de mãe.
Tudo perdido.

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