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cronicas-->O ANEL NO ENVELOPE -- 09/02/2002 - 12:08 (Denis Cavalcante) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

O ANEL NO ENVELOPE

" Naquela mesa tá faltando ele / e a saudade dele / tá doendo em mim " ( Sérgio Bittencourt )

DENIS CAVALCANTE

Meu pai era um homem esquivo, como meu avó. Não era muito chegado a abraços, afagos e beijos. meio lobisomem, meio bicho homem, às vezes calmo e sereno, outras calado, algumas vezes mau humorado, rabugento, ponderado, acima de tudo um homem justo e honesto; a maior parte do tempo alegre, boa gente. Eu o amava, e ele a mim, acho; cada qual do seu jeito e maneira. Era um homem maduro quando nasci, pelo menos naquela época, nos anos 50. O que talvez explique os problemas que tivemos, eu na minha adolescência, e ele na sua maturidade. Me sentia um pulha quando, no auge hormonal de minha rebeldia, fazia estripulias que ele não aceitava, e muito menos merecia. As chamadas frequentes na "sala de orientação", pela professora Isaura, no Colégio Moderno; as brigas com os moleques na rua, as reclamações dos vizinhos com as telhas quebradas, as frutas surrupiadas, o estudo deixado de lado... Agora, por incrível que pareça, com um casal de filhos adolescentes, me sinto mais perto dele, e entendo suas atitudes sem o ímpeto e as mágoas daqueles tempos.
Me lembro bem, muito bem o motivo da última surra que me deu, quando descobriu que tinha sido eu que tinha trucidado o gato do vizinho que insistia em mijar sistematicamente ao pé da minha cama. Foi uma surra merecida. Doeu, como doeu; muito mais nele, que bateu, do que em mim, que recebi.
Faço todo esse preàmbulo porque ontem resolvi à cata, de um documento, revirar seus alfarrábios, guardados no sítio, há mais de uma década no fundo de uma velha caixa de ferramentas de madeira. O velho era um cara organizado e não foi difícil achar os papéis que tanto procurava. No meio da papelada, a me perseguir como um cão de filme de terror, ela, elas, sempre elas: as velhas recordações.
Num antigo envelope pardo, reconheci sua letra miúda e inclinada, que dizia: "coisas do filhote". Abri com cuidado e cheio de curiosidade aquele envelope fechado há tantos e tantos anos. Dentro dele, parte de minha vida. A primeira coisa que me veio às mãos foi um frasco pequeno com um esparadrapo colado, onde estava escrito: dentes de leite; dentro, pequenos incisivos, caninos, molares e pré-molares, me levaram a uma viagem no tempo, no tempo em que ele e minha mãe amarravam um linha comprida no dente amolecido e a ponta na maçaneta da porta, e então...
Um maço de fotografias desbotadas pelo tempo, dentre elas uma que me trouxe suáveis lembranças de uma viagem a Ubatuba, no litoral paulista, onde apareço com um siri na mão, um puçá na outra, ao lado da inseparável vemaguete bege. Achei também um livro escrito pelo meu tio Ebenezer e autografado para ele; dentro do livro outra surpresa: uma foto com a família reunida numa praia paradisíaca da longínqua Bahia.
No meio das bugigangas, medalhas do primário, boletins de colégio, um anel de Brucutu ( só quem é do tempo sabe o que é ). Havia até uma cartinha escrita por mim, quando tinha oito anos e fiquei nas férias de um mês de julho, numa colónia de férias da A.C.M ( Associação Cristã do Moços ) na serra das Araras; uma outra derradeira foto, já adolescente, com calça boca de sino, viola na mão, e cabelo comprido caído na testa.
Num saco de feltro preto, a surpresa final: um antigo exemplar de jornal,, uma lista de aprovados em Medicina, meu nome circundado com caneta vermelha no número 59, uma mecha de cabelo castanho, um reluzente anel de grau, numa luxuosa caixa de veludo azul, pronto, esperando um curso de Medicina inacabado e uma formatura que, por culpa minha, nunca veio, nunca chegou ao fim. Onde estiveres agora, amado pai, tenhas certeza; daqui há algum tempo, se Deus quiser, teu neto irá colocar no dedo esse anel, que com tanto carinho confeccionaste, guardaste, e almejaste que fosses um dia colocar no dedo meu.

e-mail : obau@obau.com.br





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