Usina de Letras
Usina de Letras
300 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62165 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22531)

Discursos (3238)

Ensaios - (10349)

Erótico (13567)

Frases (50574)

Humor (20028)

Infantil (5423)

Infanto Juvenil (4754)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140790)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6182)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Artigos-->Na Venda de Meu Pai - Luiz de Paula Ferreira -- 08/11/2006 - 10:31 (Nezinho Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Comentários à obra de Luiz de Paula Ferreira

Na Venda de Meu Pai - Vestibular Unimontes 2007.



Deixe-me apresentar-me, antes de ousar falar de uma obra literária: sou autodidata, professor voluntário de Literatura, Filosofia e História Geral, no Cursinho pré-vestibular comunitário EDUCAFRO, em Montes Claros/MG. Evangélico de formação Batista Pentecostal, dirijo um programa social no bairro Siom, também em Montes Claros/MG, em parceria com a E. E. Salvador Filpi. Casado, sou pai de 06 filhos, e estou desempregado.



Esta apresentação tem um objetivo claro e definido nestes comentários: mostrar como pode ser cruel o destino (?), ao estabelecer os rumos de pessoas criadas juntas, contudo separadas pela condição social.

Em “Na venda de meu pai”, o autor, dr. Luiz de Paula, discorre sobre sua vida, narrando experiências e descrevendo personagens, enlevado pelo saudosismo a tal ponto, que não se preocupa em estabelecer parâmetros de criticidade social, estes saltando aos olhos do leitor especulativo. Por exemplo: no conto “Chico Boa Palavra” fica patente a diferença de destinos: os filhos do topógrafo puderam estudar e, portanto, se formaram “doutores”. Já os de Chico, braço direito do mesmo, não tiveram as mesmas oportunidades, embora criados juntos, e tiveram que amargar destino paradoxalmente oposto daqueles.

Ao ler “O Canto da Inhuma” senti um “aperto no coração”, ante a mesma constatação, só que aqui em seu grau máximo: o destino funesto de uma família que teve tolhidas suas oportunidades de crescimento, quer seja por aqueles “auto-encarregados de traçar-lhes o destino”, como em “Olha ocê criminoso!”, quer seja por aqueles que “poderiam” fazer isso de forma singela mas digna, proporcionando oportunidades, se não iguais, pelo menos generosas àqueles que tanto lhes serviram. O que se vê, em toda esta obra, é o sofrimento do “caboclo mineiro”, homem do campo, e mesmo daqueles que optaram pela cidade, onde o servilismo obrigatório às oligarquias dominantes os subjugaram a condição de “bobos da corte”, objetos de diversão e chacota, exemplos vivos “do que não se pode ser”.

Com relação à minha apresentação, no início, também nasci e fui criado nesse interiorzão de Minas Gerais, filho de seleiro/lavrador/meeiro/açougueiro/pedreiro/carapina (...), com uma costureira/modista/curandeira (...), vi amigos e colegas de estripulias tomarem rumos diversos na vida, uns alcançando posições proeminentes na sociedade, outros se perdendo nos emaranhados diversos que escolhas erradas lhes lançaram encima, patenteando a linha de raciocínio estabelecida acerca do tipo de pavimento nos caminhos de cada um. A quem foram dadas oportunidades de crescimento, sucesso; a quem tais oportunidades foram negadas, fracasso. Ambos, sucesso e fracasso, contudo, são efêmeros considerando a capacidade do ser humano de dar uso àquilo que lhe vem às mãos. Eu, particularmente, não tive o sucesso de muitos de meus colegas e amigos, mas aproveitei-me da experiência adquirida para alavancar o crescimento de outros, e possibilitar-lhes as oportunidades que me foram negadas. O dr. Luiz, autor da obra, tem usado o seu sucesso para gerar desenvolvimento em nossa região.



Não conheço, pessoalmente, o autor, embora tenha tentado, sem sucesso (diga-se de passagem), conseguir uma vaga em uma de suas empresas na cidade (COTEMINAS e COTENOR). Mas um de meus irmão já trabalhou em sua Fazenda Capim Verde, na Jaíba/MG, como motorista de um seu irmão (Lau, se não me engano), e disse ser o dr. Luiz uma pessoa “boa de se lidar”. Confio em meu irmão, mas não vou tratar da vida do dr. Luiz de Paula, uma vez que o mestre Wanderlino Arruda já o fez, com brilhantismo e generosidades extremos.



Segue transliteração de texto sobre o autor, colhida do site do mestre Wanderlino Arruda:



“Por amor à Literatura e à mineiridade, sempre tive medo de que esta noite nunca acontecesse. Durou muito esta minha preocupação, pois desde que Luiz completou 65 anos (...de idade...) - ao meu jeito insistia com ele para que esculpisse em livro os matizes de sua inteligência, suas experiências ivenciais, sua visão de mundo e da gente do mundo. Não sei quantos anos de expectativa, porque ninguém sabe quantos anos Luiz tem, mas sei do tempão que este livro levou para ser dado à luz. Eu só sabia que nenhum de nós poderia ficar sem um livro seu e que Luiz não tinha o direito de nos privar dessas lições de sabedoria, dessa visão poética do gostosíssimo Norte de Minas.

Com este lançamento de NA VENDA DE MEU PAI, a cultura brasileira já não é mais a mesma: fica bem mais aquinhoada de lances inteligentes e de muita beleza. E o mais interessante é que tenho certeza o doutor Luiz de Paula como o chama a maioria da humanidade - concorda com tudo que estou dizendo... Desta multidão de gente ilustre que está aqui, sei que sem dúvida - um compenetrado interiorano, Conselheiro Silo Costa, de Salinas, também está de acordo. Nem é preciso perguntar a ele... LUIZ DE PAULA FERREIRA é desde a meninice e a juventude - um livro de muitas páginas, com encadernação sempre renovada e variação de títulos. Sempre o mesmo Luiz, artista de muitos papéis, encarnando e reencarnando personagens nestes séculos XX e XXI. Luiz balconista de venda de cachaça e fumo de rolo, Luiz engraxate, Luiz seleiro, Luiz fabricante de bainha de faca e facão, tipógrafo, telegrafista, estudante, estudante a vida inteira. Até hoje! Conheci Luiz de Paula perito-contador e já administrador da algodoeira, que mais tarde veio a ser sua. Lembro-me de Luiz viajando de quinze em quinze dias para estudar direito em Niterói. Luiz candidato a vice-prefeito, candidato a deputado federal, sempre mais organizado e metódico que um relógio suíço, sempre sabendo que seria eleito. Expert em Luiz, desde 1955, quando iniciei no jornalismo, tenho seguido a sua trajetória e registrado os seus sucessos. Por exemplo: residente em 55, presidente em 96, foi indiscutivelmente o melhor que o Rotary de Montes Claros já teve. Toda a comunidade rotária vibrou com a governadoria de Luiz, quando o distrito 452 era ainda todo o estado de Minas, estradas poeirentas de chão. Luiz tinha duas Chevrolet Amazonas cheias de seresteiros e animadores de auditório. Nivaldo Maciel e Francisco Alencar não me deixem mentir...

Dentro da importância de toda uma vida, de um detalhe não posso esquecer: do dia em que Isabel deu a Luiz de Paula o primeiro filho e ele Luiz saiu para a rua da com um sorriso de orelha a orelha, dizendo que Luizinho havia nascido. Com a cara mais gozada do mundo, piscando um olho de treita, contava que juntos - escolheram um nome de parceria, metade do nome do pai e metade do nome da mãe: LU de Luiz, IS de Isabel; LU-IZ. Verdade... Luizinho foi o primeiro prêmio do casamento do solteirão... e não podia passar sem festa e notícia nas ruas... Lembro-me - quando do início da Sudene - de Luiz de Paula formando sociedade com outro empresário de sorte, JOSÉ ALENCAR, passaram meses voando e percorrendo estradas para o Nordeste, para apresentar e discutir projetos da Coteminas. Autênticos sonhadores e realizadores, que jamais poderiam sonhar com tanto sucesso, tão merecido sucesso. Hoje, o grupo Coteminas/Cotenor está entre as dez maiores, mais atualizadas e melhores empresas do mundo, no setor têxtil. Luiz, papo agradabilíssimo, político no melhor dos sentidos, negociador, conselheiro, patrocinador de escolas, cantador de coco, contador de causos, ritmista de lundu, pandeirista de caixa-de-fósforo, poeta, compositor, cronista, antigo e moderado bebedor de uma cachacinha gostosa, bom filho, bom irmão, bom marido, bom pai, excelente ompanheiro, modelo de elegância (João Xavier, seu alfaiate, dizia que Luiz sempre teve, no guarda-roupa, 95 ternos e 54 pares de sapato). Iniciei o prefácio de NA VENDA DE MEU PAI, dizendo que Luiz de Paula Ferreira sempre foi um milagre, porque tudo na sua vida deu certo: sonhos e realidade, jeito de ser e de viver, comportamentos, atitudes, hábitos, como numa sábia receita aviada desde os tempos de Roma antiga, quando não bastava ser, era preciso parecer. Luiz é tão feliz que parece até um depositante num anúncio de caderneta de poupança: tranqüilo, vivo, vivíssimo, sabido e limpo como um gato, no dizer do saudoso João Valle Maurício. Prefaciador de NA VENDA DE MEU PAI, acho que fiz o que pude para espelhar bem a realidade do livro, no meu julgamento, o mais inteligente entre os que retratam a esperteza, a sagacidade e a alegria do viver interiorano desta Minas Gerais, esta Minas com sabor regional de falar quase baiano. Quase nem posso dizer que fui leitor de NA VENDA DO MEU PAI e talvez todos vocês também não o poderão dizer. Na verdade, Luiz não escreveu um livro para ser lido, mas para ser experimentado, sentido, degustado, saboreado, lambido com estalar de língua, bem calmamente numa rede, debaixo de uma mangueira frondosa, fresquinha e carregada, com muito cheiro de fruta madura. A VENDA DE MEU PAI é uma receita de bem viver, doce lembrança, sonhos de amor-menino, dose quase divina de fruída saudade de quem sempre soube e sabe viver. Este livro traz em todas as suas páginas - mesmo nas ditas de ficção - um conteúdo de humanismo dos melhores que a literatura já teve. Elucubrações de um intelectual Retórica apaixonada para assinalar nobreza? Aconselhável registro com sentido biográfico? Texto confessional para dourar o passado e vender o futuro? Marketing ou exemplo de vida? Tenho em mim que nem tanto ou... concretamente que sim, pois NA VENDA DE MEU PAI é tudo isso e muito mais: é um hino de louvor à vida simples das gentes de Várzea da Palma e de Montes Claros, na primeira metade do século. É a radiografia colorida e positiva dos mais encantadores sentimentos do menino e do rapaz quase prodígio, mestre-doutor do visível e invisível da vida. NA VENDA DE MEU PAI, de Luiz de Paula, não é o primeiro, nem será o último livro sobre pessoas e paisagem de nossa região. Muitos outros escritores se esforçaram com o mesmo propósito: Desembargador Veloso, Urbino Viana, Milton e Newton Prates, Cyro dos Anjos, Ari Oliveira, Darcy Ribeiro, Nelson Vianna, Olyntho e Yvonne Silveira, Cândido Canela, Hermes de Paula, Milene e João Valle Maurício, Manoel Hygino, Simeão Ribeiro, Amelina Chaves, Dário Cotrim, Haroldo Lívio, muitos e muitos outros, inclusive este quase modesto apresentador. Sem precisar transferir a pergunta para os universitários como no programa da TV... falo diretamente a cada um de vocês: o que é mesmo difere um poeta de outra pessoa que não faz poesia? Qual a diferença entre um artista e outra pessoa que não produz arte? O modo de ser, o jeitão, é claro. A capacidade de sonhar, a visão romântica, o real e o irreal na forma de reparar nas pessoas, o sentir espiritualmente a vida e os acontecimentos, o ir e o vir, o ensinar sem querer ensinar, o aprender sem saber que está aprendendo... Melhor: o artista é aquele que vendo, traduzindo ou registrando com letras, traços, tintas e sons, ou com o cinzel da escultura, materializa tudo que os contemporâneos gostariam de materializar, de resumir como sentido de cultura. Praxíteles, Michelangelo, Leonardo, Camões, Cervantes, o Aleijadinho, Niemeyer - para citar apenas a cabeceira - todos foram intérpretes das idéias, dos sonhos e das realizações de cada época. Quero terminar dizendo que Luiz de Paula Ferreira conseguiu com seu livro NA VENDA DE MEU PAI uma síntese com tessitura de ouro, grande feito de nosso tempo: retratou, pintou, esculpiu e narrou feitos da maior pureza e do melhor tempero. Alguma coisa do muito de mistério e de maravilha que Deus permitiu e deixou a cargo desse povinho sabido de Várzea e dos Montes Claros. Luiz é um exagero! Em tudo isso, a nós outros só nos resta dizer amém e aplaudir. E pedir as graças divinas para conservar o Luiz, o doutor Luiz. Principalmente para escrever outros livros... ser o que é e fazer o que faz” (até aqui: Wanderlino Arruda).



Particularmente considero a efusividade do mestre, nas colocações acima, exagerada e tendenciosa, dada sua amizade com o autor. Não o recrimino, contudo, pois no seu lugar e condição eu talvez fizesse o mesmo. A entrada de Luiz de Paula no mundo da literatura é um marco que deve ser definido e comemorado, e ninguém melhor que Wanderlino Arruda, um dos expoentes de nossa cultura mais comprometido com essa terra montes-clarense, para faze-lo, com zelo e propriedade. Defendo, outrossim, o mesmo tratamento para com outros autores de região, como, por exemplo: Waldir de Pinho Veloso (Condromalácia e outros contos), e Clídio de Moura Lima (Leia o Trem), os quais lí e gostei, entre tantos outros os quais não tive, ainda, o privilégio de ler.



Se me fosse facultado classificar literariamente Na Venda de Meu Pai, eu diria que é uma obra de características Pós-Modernista, considerando sua descrição da vida do trabalhador rural, em contraste com a vida do proprietário da terra; o resgate do regionalismo e a exposição dos costumes e falas sertanejas; a constatação da realidade com suas nuances surrealistas, que chocam, até, o leitor mais sensível. Já na Apresentação do livro o autor dá mostras do que virá a seguir, ao falar dos costumes interioranos, tais como o uso de Patuás, o batismo leigo, realizado por uma pessoa comum em caso de emergência, e o medo de se morrer “pagão”.





Assim, passo à abordagem do conteúdo do livro, não pela ordem de registro mas, sim, pela classificação dentro dos parâmetros de análise estabelecidos por mim, o que faço em três tempos.



1º TEMPO – CLASSIFICAÇÕES:



DESVIOS DE CONDUTA, ÉTICA E MORAL:



Já no primeiro conto o autor nos brinda com uma constatação sombria sobre a vida do povo interiorano: a deformação moral causada pelo vício do álcool, usado, na imensa maioria das vezes, como “adjutório” para a saúde. Vemos a mudança de personalidade em Maria Velha do Lameirão, após algumas, e outras mais, doses de cachaça. Posteriormente, em Cultura para a Vida, constataremos o mesmo sintoma, provocado pelo costume.





Em O Fazedor de Casas o autor levou-me a imagina-lo no papel do homem que planejava. Enquanto o “cristão” planejava o “filhote da ema” construía. Interessante é que aquele, mesmo indignado por estar sendo suplantado por este, reconhece seu empreendedorismo e até o inveja. Existem muitas pessoas que levam a vida apenas em construir moradias para depois vende-las, ganhando, com isso, seu próprio sustento e o de seus familiares. O mal acontece quando tais pessoas não se preocupam em “comprar” o terreno, tornando-se parasitas sociais, ou melhor, profissionais da miséria, favelizando a cidade e favorecendo o assistencialismo danoso à democracia.



CONCEITOS, COSTUMES E SUPERSTIÇÕES ARRAIGADOS DA ROÇA:



No interior, o que determina a conduta de uma pessoa é o “costume da terra”. Muito desse costume foi contribuição da Igreja Católica, através de seus padres, e outro tanto dos ditames dos “mais abastados”. Uma parcela, contudo não insignificante, é decorrente da experiência de vida dessa gente heróica das gerais.

A crença em seres demoníacos e simpatias, a fé em ervas miraculosas e símbolos religiosos, e o apego às tradições que se perdem na linha do tempo e nos galhos das árvores genealógicas são uma constante na vida do povo do interior.

Temos o caso do uso de Cachaça para combater “lombrigas”, mostrado em A família Vai às Compras; a religiosidade em A Entrevista de José Manoel, cujo entrevistado não admite outro casamento senão o realizado pelo padre, e dá mostras de sua honestidade; o desejo de enganar o mal, nesse caso o “capeta”, negando-lhe a comida, visto em Pra não Dar Gosto ao Capeta, em contra-ponto ao medo de fantasmas vivenciado em Mensagem a Catarino; o costume de se lavar pouco, “pra não gastar o corpo”, visto em A Sustância do Corpo; o uso de remédios caseiros e rituais religiosos, como visto em O Caso do Selos Postais (rapé), e em O Curandeiro Anastácio;

Em O pilão do Enxoval da Noiva, A Contadora de Histórias, Encontrei a Mariquinha e O Fazedor de Casas, temos uma síntese dos costumes e tradições que regem a vida interiorana, o mesmo para o A Cultura Para a Vida, revelando a necessidade de se buscar a sabedoria como forma de “subir na vida”, mas contentando-se com muito pouco. Temos ainda a lenda do casamento da raposa materializando-se em Maria Juruca e João Raposa, a crença em sonhos e prognósticos em Parceiro com Deus e O Canto do Vim-Vim.



A SABEDORIA MATUTA:



Uma das maiores virtudes do homem do campo é a sua faculdade de interação com a natureza, como simbiose, entendendo-a, explicando-a e complementando suas ações. O próprio autor mostra conhecimento das coisas da natureza, confirmando suas origens, em O Sol das Cigarras. A simbiose está patente em Se Possível uma Rua que Procurasse o Rio, João Velho Raizeiro e Ti-tui-í - O Conto de Alvíssaras. Também em Chico Boa Palavra recebemos uma lição de natureza, ficando o destaque desse conto para a sabedoria de vida de Chico, que a usa para ajudar a outrem, o mesmo ocorrendo em Parceria com Deus, Comprando e Vendendo e A Casa de Deus.

Cultura para a Vida nos diverte com o conceito de sabedoria, qualificando o conhecimento como empecilho; Mensagem à Catarino nos remete ao conceito Bíblico contido em Romanos 13:1 a 7, confirmando ser a base para qualquer sociedade o respeito às autoridades constituídas e às leis. Maria Suruca e João Raposa esbanjam domínio próprio e, em A Sustância do Corpo temos o exemplo do empenho e denodo do caboclo mineiro, ao perseguir e conquistar seus sonhos.



JOCOSIDADE E MATREIRICE CABOCLA:



Gregório Barba À-toa revela essa jocosidade latente no habitante do interior, principalmente na arte de apelidar as pessoas, o que, em muita das vezes, revela-se de uma indiscrição tamanha que o apelido torna-se impronunciável. Essa mesma jocosidade é vista na descrição de Calu e nos nomes dos cachorros em Para Não Dar Gosto ao Capeta, materializando-se na manutenção e zelo dos “doidos”, que assustam e divertem ao mesmo tempo, de Espaço Para a Ternura da Música: João Doido, O Velho do Bodoque e Antônio da Razão. Este último não tão doido.



A matreirice está no “ar sabido” em O Bom Leitor de Cartas, no comentário educativo de formação moral em O caso dos Selos Postais, e a maneira senhorial de aconselhar em Chico Boa Palavra; ainda no regatear o preço do bolo na padaria e na insinuação maldosa da padeira em Cheiro de luz acesa; no Perigoso Piscar de Olhos da jovem viúva, no consenso de A Entrevista de José Manoel e na precaução contra doenças de João Velho Raizeiro, com destaque para a esperteza do fotógrafo-professor de Olha Ocê Criminoso!



Incluo, ainda neste tópico, o Canto do Vim-Vim e Uma Criada às Ordens, por suas coincidências que nos fazem pensar e que revelam facetas do próprio autor, ao revelar o poder de um comentário inocente na vida de uma pessoa.



CORDIALIDADE INTERIORANA:



A cordialidade interiorana, aquela que leva alguém a cumprimentar seu vizinho todos os dias, e às pessoas com as quais se cruzam pelas ruas, mesmo sem conhece-las, está representada em Maria Velha do Lameirão, a qual quer obter notícias da família do autor, mostrando preocupação com o bem estar de seus vizinhos, mesmo comportamento observado em Comprando e Vendendo. O O Canto da Inhuma, como já comentado anteriormente, me trouxe lágrimas aos olhos e fez-me pensar sobre as muitas voltas que a vida dá. Vemos nesse conto a humildade do matuto diante do “doutor” que ele ajudou, de certa forma, a criar: ...ainda que mal pergunte … Deus ajude muito...



Em Uma Criada às Ordens temos essa mesma cordialidade no comunicar do nascimento de um novo filho, e nas visitas de cortesia devida à mamãe.



SUBSISTÊNCIA:



A dureza da vida do caboclo interiorano está patenteada em Maria Velha do Lameirão, em A Família Vai às Compras, em Para Não Dar Gosto ao Capeta e em Um Trovão ao Longe. Estes contos constatam a impotência do ser humano diante de um destino que lhe é traçado, diariamente, por aqueles que o rodeiam e que têm maior poder aquisitivo. A luta do dia-a-dia para se manter, contudo, não descaracteriza a alma desse indivíduo, que ainda encontra tempo e espaço para fazer coisas boas, como preocupar-se com o semelhante, passear com a família, cantar e dançar e quedar-se admirado diante das maravilhas da natureza.



Neste mesmo prisma enquadro Momento na Manhã e O Ano da Fumaça, com seus contrastes entre a aparência e a realidade, misturando, por quê não, bucolismo e surrealismo.



A eterna luta por subsistência volta em O Primeiro Bem de Capital e Maria Suruca e João Raposa.



FILOSOFIA:



A forma de “engolir sapos” de Chico Boa Palavra revela-nos um pouco da sabedoria do homem do campo, com suas filosofias de vida, de certa forma acertadas, chegando a ser hilária em Cultura Para a Vida, com seu conceito paradoxal sobre o prejuízo causado pela sabedoria da leitura. Filosofia também presente em Comprando e Vendendo e em Maria Suruca e João Raposa, sublimando-se em A Linguagem Compreensível, onde o autor se desnuda diante do leitor, revelando, inclusive, detalhes de sua própria vida.



NOSTALGIA:



Há alguns anos trabalhei em uma empresa, instalada um pouco além do trevo do aeroporto de Montes Claros. Nesse trevo eu passava todos os dias, quer seja andando, pedalando ou dentro de um lotação. Em nenhum desses dias, sequer, deixei de olhar, enlevado, para aquela imensa e estranha “alpercata”, melancolia e nostalgicamente esquecida no centro da praça. Nessas ocasiões eu vencia a barreira do tempo e espaço, transportando-me para as terras de Luislândia (quando ainda era Jacu de Brasília e se escrevia o nome novo do “comércio” com Z, e não com S), para a selaria de meu pai e o som de suas sandálias, céleres, no corredor da casa, atendendo a uma emergência no quintal, provocada por uma briga de meninos na beira da cisterna. Essa nostalgia está presente em As Alpercatas do Tropeiro, em A Mula Madrinha, com seus guizos e enfeites, e em Um Trovão ao Longe. Nesse último volta-me à mente a apreensão ante a demora de meu pai em voltar da roça, ou da lenha, em dias de temporal.



O Sanfona de Oito Baixos, Ele Estava Acompanhando, Ti-tui-i - O Canto de Alvíssaras e Encontrei a Mariquinha mostram um pouco da cordialidade existente entre pais e filhos na roça, contrastando com a dureza da labuta diária.



O A contadora de Historias é uma mostra da psicologia roceira na educação dos filhos, educados através dos exemplos das As Mais Belas Histórias, cujos serões, às vezes, “varava” madrugada. Em Texto e Melodia e Espaço Para a Ternura da Música, vem à lembrança a “fonte” (lagoas, cacimbas e mesmo córregos), onde as mulheres lavavam aquelas imensas trouxas de roupas sujas, enquanto cantavam e “jogavam versos” umas para as outras.



2º TEMPO - CONSIDERAÇÕES GERAIS:



Embora mantenha uma narrativa de fácil compreensão, o autor não perde a classe a expor os fatos nessa obra, mesmo embora se utilize da corruptela interiorana dos pronomes de tratamento “Senhor”, “Senhora” e “Você”, ou seja, “Seu” e “Sia” e “Ocê”, além de termos genuinamente caipiras, interioranos, mostrando o linguajar peculiar do sertanejo, sem se expor ao ridículo, descanbando-se para a superexposição de termos de difícil compreensão.

Essas expressões típicas dão o toque de regionalismo que qualifica a obra, enriquecendo-a, ao mesmo tempo em que lembra o leitor de suas raízes:

· “Pagamento de um tanto por cabeça”, aqui utilizado para estabelecer o custo individual por aluno é, na realidade, usado em negociações de animais.

· “Mal-e-mal” é expressão de “mais ou menos”, ou ”quase bom”, em resposta à clássica pergunta: Como vai?, tão usada no interior.

· “A barra do dia apanhou-nos…”, é o mesmo que “quando o dia amanheceu estávamos...”.

· “Já havíamos rompido bastante…”, ou seja, “já havíamos avançado bastante”.

· “Estacou na trilha…”, parou no caminho, ou na estrada.

· “…de sangue nas ventas” é uma expressão que qualifica uma pessoa violenta, que não engole desaforos nem os leva para casa.

· “… sentado na pedra de amolar” eu menciono por lembrar-me de uma curiosidade interiorana: crê-se, pelo menos “prás bandas do Jacu”, que sentar-se em pedra de amolar (pedra usada para amolar ferramentas) faz nascer “íngua” e “nascida”. No caso, “íngua” é uma inflamação dolorida que aparece na virilha ou axila, provocada por algum ferimento infeccionado, e “nascida” é o malfadado furúnculo, dolorido e indiscreto.

· “… caminhava faceirando” quer dizer que a pessoa tinha um caminhar provocante, cheio de sedução.

· “Ainda que mal pergunte, o senhor é Luiz de seu tico?” Expressão que demonstra a humildade do inquiridor, desculpando-se antes de formular a pergunta. “Ainda que mal lhe pergunte” quer dizer: “talvez não devesse perguntar-lhe...”.

· “…o freguês chegante”, ou seja, o freguês que acabara de chegar.



Indo além dessas expressões colhidas aleatoriamente dentro do livro, quero destacar aqui, neste segundo tempo, aspectos particulares da interioridade da obra em alguns de seus diversos contos.



1- O conceito de Crime e Criminoso, exposto pelo andejo Vitorino, no canto “Olha ocê Criminoso!”, assim como a intenção do “Coronel”, ao ensinar seus eleitores a “…defender-se das tretas dos adversários, no dia das eleições”, caracterizando os mal-fadados “Currais eleitorais”.

2- O contraste entre Chico Boa Palavra e O Canto da Inhuma, o primeiro narrando o sucesso dos filhos do agrimessor, e o segundo retratando o destino inexorável daqueles que têm tolhidas as oportunidades de uma vida melhor. Disparidades causadas pelos “coronéis” da política, como em “Olha Ocê Criminoso!”.

3- A modéstia do autor ao comparar-se com a pé-de-bode de Brasilino, em Sanfona de Oito Baixos.

4- O narrar poético e melodioso de “Momento na Manha”.

5- Momento de fé, em “Ele Estava Acompanhado”.

6- A curiosidade latente de uma criança diante do desconhecido, em “Cheiro de Luz Acesa” (eu vivi experiência semelhante, no início da década de 70, em um hotel na cidade de São Francisco/MG, onde eu fora, com minha mãe, negociar com meu padrinho uma novilha que o mesmo havia dado a mim, como presente de batizado.).

7- Os valores morais e éticos incutidos nas crianças sertanejas através das histórias contadas em roda, como em “A Contadora de Histórias”.

8- A poesia contida em “O Canto do Vim-Vim”, especificamente nas frases: “o olhar posto nos longes” e “canto que vencia distâncias”.

9- O amor do autor a Montes Claros, mostrando em “Terna e Querida Montes Claros”.

10- Divagações e constatações do autor, sem recorrer à preguice, em “O Bicho Homem”.

11- O poema em prosa para a esposa, onde o autor se transporta para sua terra natal, em “Palavras a Isabel”.

12- O gosto literário do autor pela musica, quando dá verdadeira aula de interpretação e materialização das historias contadas na música, detectando a carga emocional contida em cada uma, no conto “TEXTO E MELODIA”. Em palavras simples, a síntese de um curso completo de literatura.

13- A constatação da inexorabilidade do destino, traçado pela incapacidade de nossos políticos na condução de políticas sociais, em “Encontrei a Mariquinha”, é, ao mesmo tempo, um desabafo e uma aceitação passiva, um determinismo fatalista, que contrasta com a esperança contida em “A Contadora de Historias” e a fé no progresso, mostrada em “As Alpercatas do Tropeiro”.

14- Em “Um Trovão ao Longe” o autor manifesta o desejo de consertar o mundo. Constata-se, hoje, que não conseguiu seu intento, contudo está fazendo a sua parte, gerando emprego e desenvolvimento para a região.

15- Em “A Linguagem Compreensível” o autor desnuda sua intimidade no trato com sua esposa, não se furtando em revelar-se um esposo carinhoso e receptivo à sensibilidade de sua esposa, buscando a harmonia no lar, ao desculpar-se por um comentário acertado no entanto sarcástico e ofensivo, dada a ocasião.

16- Em “Programando o Futuro” o autor incorpora o espírito de “Gregório Barba À-toa”, e ousa imaginar-se safando dos desígnios do além e driblando seu destino pós-morte.





3º TEMPO – CONCLUSÃO:



Em vários contos, nesta obra, o autor esforçou-se para reproduzir graficamente alguns sons, mas foi o estalo da “pirata de tanger porco”, maestralmente manipulada pela Velha Índia Xacriabá, em “Fazenda à Beira da Estrada”, e, ainda na 1ª parte do livro, o barulho das “alpercatas de romper léguas” do tropeiro montes-clarense, em “As Alpercatas do Tropeiro”, que traduziram melhor sua intenção. São sons que, somente quem os ouviu em suas origens, pode reproduzi-los, com o coração e a emoção.



1- Ainda no embalo das reminiscências, ao ler “Fazenda à Beira da Estrada” movo-me, no tempo e no espaço, e tomo lugar na varanda da fazenda Capim Verde, nos sertões de Gado Bravo, Lagedinho e Lagedão, abaixo da Jaíba, para ouvir o narrar monótono e compassado, em voz grave, do Vaqueiro Galdino, contando seus causos, com seu palavreada carregado de regionalismo, palavras só ouvidas de matutos e caipiras. O seu “jeito” de contar leva-me a vivenciar a cena, e a até proteger-me, inconscientemente, dos “pinotes” do “doido” e da “pirata” nas mãos da velha índia.

2- Em “Unzazoutro” estampa-se, em muitas de suas cores, a matreirice matuta, a esperteza comumente encontrada no interior das Gerais. Fica explicito o espírito esportivo do sujeito da narrativa, que reconheceu sua derrota ante a esperteza do vizinho. Claro, com uma elevada dose de aceitação. Com certeza, dado o relacionamento entre os dois, a recíproca seria verdadeira, pois o bom matuto também sabe perder.

3- “Mulheres Suspirosas”, a exemplo de sua própria introdução, nos remete a Antônio da Razão, personagem de sangue nas ventas do conto “Espaço Para a Ternura da Música”, com seu louvor às mulheres. A dona Eva, com seus queixumes e suspiros, externa, tão somente, as dores da faina diária e da incansável labuta na lavra interminável do solo arenoso das Gerais.

Contudo, especificamente no seu caso, dona Eva é a incoerência em pessoa, já que, indo além do “vou indo como Deus é servido”, expressão supersticiosa e fatalista, utilizada para responder a um “como vai?”, ela descreve o sucesso do empreendimento do marido, como se tal lhe fosse penoso e maléfíco. É o tipo de mulher imotivamente carente, efeito colateral dos casamentos “arranjados” e, também, em muitas outras vezes, do excesso de “responsabilidades” do marido.

Dona Eva que me desculpe, pelo pretensioso diagnóstico de seu problema, no entanto, me utilizo disso para relembrar outras valorosas mulheres, estereótipos da mulher sertaneja, já narrados nesta obra que ora comento: Maria Velha do Lameirão; Calu, esposa de Joaquim Mió; Zefa, esposa de Gregório barba-à-toa; dona Mariquinha, dos correios; Donana, esposa de João Velho Raizeiro; a esposa sem nome de Chico Boa Palavra, que teve a sorte de ter um marido consciente dos verdadeiros valores da mulher, transcendendo os conceitos filosóficos arraigados nas mentes dos homens, em uma época e região com escassa probabilidade de tal acontecer; as pilãozeiras Vitalina e Minervina, que enfrentavam a lida com alegria e festa; a faceira Mariazinha Palpitosa; Firmina, esposa de João Gravetinho; Sia Torquata, esposa de Seu Constantino; a mãe do menino de 6 anos, que ousou regatear no preço dos biscoitos em uma padaria de Pirapora; Sia Clara, a parteira contadora de historias; a filha de Sia Clara, em seu zelo pela igreja; a cozinheira, a lavadeira e as agregadas, que descansavam-se de seus afazeres ouvindo historias de Sia Clara; Tia Joaquina, em sua paciência com o sobrinho Sonhador; Maria Suruca, guerreira de muitas batalhas que não descambou ante a demora de sua felicidade; a meia dúzia de mulheres do meretrício de Montes Claros, recomendadas por Chiquinho do Pandeiro; Isabel, levada em passeio pelas trilhas da Serra do Cabral e que compreendia a linguagem dos animais; Mariquinha, que não furtou-se à oportunidade de uma vida emocionante no lombo de um burro, acompanhada pelo tropeiro amado; a esposa do fazedor de casas, em seu périplo de “Joaninha”, e, porque não, a velha índia Xacriabá, domadora de feras?!

E luzia Burra, com sua “mão-santa”, a que o autor alude como “mão-boa?” Quantas Luzias Burras ainda existem por aí, como Anjos a resolver problemas dados humanamente insolúveis? Irmanando-se com Luzia eis Madalena, livre, leve e solta, a alardear e curtir sua liberdade. Encerrando esse rosário de ícones da resistência feminina, três outras mulheres, duas das quais fizeram sucesso fora do ambiente rural, contudo no interior: Maria Alice, Pedagoga e secretária de educação, vitima fatal do “homem da Jaqueta”, e Maria Elisa, Antropóloga, técnica do Ministério do Meio Ambiente. A primeira aceitou com passividade a intervenção de seus pais em sua vida amorosa, o que redundou em sua morte precoce; a segunda lutou contra o destino de seu amado Ananias, cujo estranho dom lhes ameaçava o destino comum. A terceira super mulher, a briosa dona Mariana, merece fechar, com chave de ouro, essa exposição, pela sua coragem em perdoar uma traição e recomeçar sua vida ao lado do esposo, Cel. Francisco do Lavado.

Todas essas mulheres, e mais algumas que não citei, dentro de suas próprias limitações e limitadas ao seus próprios universos, foram, e serão, eternas heroínas da Guerra de Subsistência do caboclo mineiro, como “adjutoras” ou cabeça.

4- “Luzia Burra” despensa comentários. Como um Anjo guardião, executa suas funções sem se intrometer onde não é chamada, dando o seu toque pessoal e especial em tudo aquilo que faz, revelando-se detentora de habilidades além da imaginação.

5- Em “Um Caso de Adivinhação” o autor expõe o pedantismo exagerado da personagem que narra o texto, ao esfrangalhar as emoções do corretor que tentava vender-lhe um imóvel, e mostra o seu próprio conhecimento da matéria, dada sua condição social e privilegiada erudição. O detalhe do posseiro, mencionado na narrativa, abre o debate sobre a questão das terras de Minas, o conflito agrário no Norte do Estado e a miséria dos Vales do Mucuri e Jequitinhonha. Alie-se a isso os latifúndios da região do Lagedinho e Lagedão, servindo a poucos e desgraçando a muitos.

6- “O Crime do Homem da Jaqueta”, a exemplo de outros contos dessa obra, abre espaço para que o leitor vislumbre a bagagem filosófica do autor, de formação clássica, em paradoxo com o seu linguajar interiorano, matuto, matreiro.

A mim fez-me imaginar o velho Sêneca, de bodoque de pau-pereira (pau que não dá flor, que enverga mas não quebra, só encontrado nas matas das Gerais) em punho, a atirar uma ostra, esta atravessando o espaço-tempo e atingindo a cabeça de Pascal, num “pestanejar de relâmpago”, conferindo-lhe nova lucidez, necessária à sua época.

Infelizmente o autor tenta imprimir um suspense que é rejeitado pela própria estrutura da narrativa, o que a faz soar forçada.

Seu conteúdo delineia as crendices e supertições que povoam o imaginário matuto e seu linguajar flui melodioso dada a sua tipicidade regional.

7- “O Estranho Dom de Ananias Medeiros” trás uma narrativa enfadonha, excessivamente pormenorizada, que cansa o leitor. Assemelha-se mais a um relatório que a uma crônica, ou conto. O suspense perde-se no detalhismo do texto, e a tentativa de dar um tom jocoso ao mesmo é abortada por sua extensão, argumentos que pesam em favor daqueles que não consideram o texto um ficção. Contudo, o autor justifica-se citando a psicologia de Pascal acerca da realidade e da fantasia. Caracteriza-se como uma segunda incursão malograda do autor na geração de textos longos.

8- “O Fojo” é uma anedota bastante conhecida nas rodadas de causos, nas noites das carvoeiras norte-mineiras, mas que, trazida nesta obra, expõe um dos desvios morais latentes em alguns “caboclos”: a invasão de lavouras alheias e o roubo de mantimentos. O toque anedótico fica por conta da acusação à capivara e à característica, genuinamente mineira, da interjeição de surpresa “Uai”, que é usada pela primeira vez em toda a obra na última linha desse conto.

9- “Companheiros de Aventuras” transporta o leitor para a sua infância, para os relacionamentos conturbados de irmãos, com características peculiares aos sertanejos. Ao mencionar sua família o autor dá um toque nostálgico ao texto, notadamente quando narra o consenso sobre as três melhores frutas do mundo: jabuticaba, pinha e abacaxi.

10- “O Filósofo Zé Maria” faz bem o estilo do “cidadão sistemático”, que segue ao pé da letra o conceito da proporcionalidade dos órgãos dos sentidos, especificamente quando à audição e à fala. É impressionante o tratamento dispensado a tais tipos, no interior, e a seus opostos. A eles as honras de um sábio, a estes o opróbrio de “língua solta” e “conversadores”, que grandes danos trazem à paz interiorana. Não é de admirar o respeito coletivo gozado por Zé Maria. Afinal, em terra de cego quem tem um olho é rei.

Outro aspecto interessante é o “pouco caso” com que se encara doença e algumas regiões interioranas. Muitas pessoas os ostentam, orgulhosas, suas feridas, como prova inconteste de seu labor. Talvez tenha sido tal conceito que levara o “homem do lugar” a qualificar o José Lúcio como “uma boa pessoa”, que ia “muito bem”.

No entanto, dada a impressão causada no autor, o estado lastimável de José Lúcio é mais uma característica da decadência humana, roteiro comum no meio rural.

11- Em “Me Ensina” o autor cita Camões, no intróito do texto. Não sei se como chamada ao assunto-tema da narrativa, o ensino em si, ou se com a intenção de comparar a vida de Pelidoro, o professor da estória, à do bardo português. Fico com a última, por minha conta e risco.

Sobre Camões reproduzo dois testemunhos de seu destino:

a- “Aqui jaz Luiz de Camões, príncipe dos poetas do seu tempo: viveu pobre e miseravelmente e assim morreu no ano de 1579” – Epitáfio de uma lápide erigida por D. Gonçalo Coutinho, fidalgo português, sobre o provável túmulo de Camões.

b- “Que coisa lastimosa ver-se um grande engenho tão mal logrado! Eu o vi morrer num hospital de Lisboa, sem ter sequer um lençol com que cobrir-se, depois de haver triunfado na Índia Oriental e de haver navegado 5.500 léguas por mar. Que grande aviso para os que de noite e de dia, vivem a estudar sem proveito, como aranha a urdir teias para caçar moscas!” - Frei José Índio, frade Carmelita que assistiu Camões na hora de sua morte.

No final de sua vida, Camões viveu de uma pensão do governo, equivalente a, hoje, um terço de salário mínimo, e mais as esmolas que seu escravo javanês arrecadava para ambos. Alguma semelhança com Polidoro? Alguma semelhança com os profissionais do ensino, hoje? Profética sua morte e de “mal agouro” as palavras do frade. Não obstante, bons tempos aqueles em que se aprendia matemática divertindo-se. As pombas fizeram muito sucesso!

12- “A Prenda” traz de volta Antonio da Razão, personagem comum em alguns dos contos dessa obra. Tido como maluco e havido como brincalhão, este aproveita-se de uma situação estabelecida um leilão para consolidar o reatamento de um casamento desfeito já há mais de 20 anos. E consegue! No texto o autor dá ênfase à sensibilidade do leiloeiro Antonio da Razão, ao perceber a situação embaraçosa em que tal metera o coronel Francisco do Lavado, fazendeiro local que amargava um casamento de aparência após ter traído sua esposa com outra mulher, e ainda o perdão explicito, no lance da dona Mariana, esposa traída do coronel, que após 20 anos de celibato acenava com a possibilidade de reatamento. Antonio da Razão não titubeou. Selou ali mesmo, em praça pública, a nova vida do casal. Dona Mariana, como já dito, representa a dignidade da mulher campezina, da senhora do lar, da mulher do campo.

13- O conto “Madalena” revela um pouco da peraltice das crianças da roça. Pena que a vitíma, no texto, tenha sido o Vicente, o qual, convenhamos, era a vitíma ideal, considerando a natureza chucra de sua mãe, Madalena, moldada na dureza da intolerância. “Comadre, tô voltando…”, saudação que caracterizava a total falta de compromisso de Madalena, sem desmerecer seu senso de responsabilidade, empenho e asseio, no trato com os afazeres das casas que a recebiam. Madalena e sua trouxa “…por esse mundo de Deus…”, com seus dois filhos de pais diferentes, tipifica a liberdade de ir e vir, para onde e quando quiser, representante dos “andejos” que palmilhavam, e palmilham, esse imenso sertão mineiro.

14- O suspense que faltou nos contos anteriores acumulou-se em “Domingão Cortador”. Narração simples, fluídica que, talvez, por não ser forçada, carregou-se de tensão, explodindo na cara do freguês almofadinha de Domingão, quando o leitor, por seu lado, imagina, adentrando o peito do tal freguês, atingindo-lhe o coração, a faca empunhada por Domingão. Ao ler “Domingão Cortador” vem à mente a valente Maria Suruca, pela forma de ambos agirem e pensarem. Por mais que pareçam intolerantes, ambos asseveram que só agem de caso pensado. Maria Suruca atesta que “Quando quero fazer alguma coisa, eu preparo é inhantes”, e, “quando eu chego, já venho de plano feito…”. Já Domingão Cortador, com sua franqueza rústica, parece contradizer suas ações ao afirmar: “Minhas missas são de corpo presente”, ou seja, fala na cara e na hora, o que dá impressão de que age sem pensar. No entanto, ao trocar a faca de mão, deixou bastante clara sua lucidez e rapidez de raciocínio: “Um tapa se paga com um tapa”. Brilhante. Poucos teriam feito o mesmo, na mesma situação.



Encerro meus comentários a esta obra mencionando “O Pilão do Enxoval da Noiva”, conto de ouro da obra, por revelar essa pérola dos costumes interioranos. A necessidade de um pilão em casa se reveste da mesma importância de se ter uma casa para o pilão, ou seja, “quem casa quer casa”, outro ditado do interior.



Nezinho Costa

nezinhocosta@hotmail.com

(38)9102-2458
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui