Como o tempo passa!
Parece que foi ontem que a gente virava as noites estudando hidráulica, cálculos, estruturas, etc. Parece que foi ontem... e foi de março de 1979 a julho de 1983, num longo e difícil curso de Engenharia Civil.
Entre as festas de calouros e a formatura, muita emoção, experiências, discussões, decepções, palavrões e, acima de tudo, muita esperança. Muitas dessas experiências foram tensas, mas nada que não tenha sido superado. Os traumas posteriores foram sumindo no decorrer do curso, e as sequelas ficaram lá no passado.
Estávamos iniciando o quinto semestre, e algumas das cadeiras ainda assistíamos no prédio da Interamericana. Também tinha aulas o pessoal do terceiro semestre e, é claro, os calouros.
Num intervalo de uma das aulas de Cálculo Integral, em que varávamos as tardes fazendo contas, eu estava no banheiro do segundo andar quando, de repente, ouvi uma gritaria no corredor. Num primeiro momento, não atinei a gravidade da situação. Mais parecia um festejo dos bixos, com aquelas habituais brincadeiras. Mas a gritaria continuava e cada vez mais intensa. Quando estou saindo, ao colocar o pé no corredor, vejo que a coisa era mais séria do que supunha. Cruzo os braços, me escoro no marco da porta, e fico a contemplar o episódio.
À minha esquerda, os veteranos do curso de engenharia a jogar ofensas aos calouros. À minha direita, um dos calouros estava com uma faca na mão.
-Larga a faca, valentão!
-Vem pra ver o que acontece!
-Sem vergonha, tu não terminas o curso!
-Eu não sou bixo.
O ferro branco brilhava ali no meio do corredor. Volta e meia apontava para um e para outro. O reflexo da faca dançava pelas paredes. De vez em quando cruzava com olhos assustados diante do impasse da situação. A faca reluzia nervosa de uma mão para outra, numa inquietude preocupante.
Um professor cruza, calmamente, por entre os pelotões em batalha, totalmente alheio aos acontecimentos naquele corredor da fuzarca. Carregava, embaixo dos braços, dois livros grossos, um de álgebra linear e outro de física quàntica. Rodopiava entre os dedos uma caneta tinteiro que lhe escapa das mãos e cai bem em minha frente. Ao se abaixar para juntar, seus óculos refletiram a làmina fina, trêmula e niquelada da faca do calouro. Temo pela integridade do professor distraído, mas o distinto mestre consegue passar incólume pelos calouros alvorotados nos xingamentos que continuavam de parte a parte.
-Não vou fazer parte deste troço! Cachorrada!
-Quando é tempo de tosquia...carneirinho. - Cantou um nativista de bombacha.
-Vem, vem, vem! Gringuinho da Nova Palma. Provocou dois metros de alemão.
-Nova Palma, não. Faxinal! Deixou à vista uma rivalidade da Quarta Colónia.
-Valente! Com a faca na mão.
E eu, ali no meio daquele pingue-pongue de impropérios entre veteranos e calouros, apenas como testemunha ocular daquela balbúrdia. Passou-se aproximadamente uma meia hora de batalha verbal até que os exércitos foram cansando e, lenta e gradualmente, se dispersando. Em pouco tempo, a tranquilidade voltou a reinar nos corredores do prédio da Interamericana.
Finalmente cada um foi para seu canto, e o tal Bixo da Faca, como ficou conhecido, acabou não sofrendo os costumeiros trotes da engenharia, e frequentou normalmente o curso como qualquer um dos demais calouros aprovados naquele ano.
E eu fui apenas um mero espectador daquela pequena história, numa tarde mormacenta, na universidade dos anos 80. Após aquele triste acontecimento, eu e mais dois colegas de turma fomos para biblioteca resolver uns exercícios de concreto armado e conversar amenidades. Lá fora, a noite caía calmamente, e o sol sumia por detrás dos prédios das Ciências Naturais e Exatas.