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cronicas-->O imbecil -- 29/04/2000 - 19:34 (Daniel Igor Dutra Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O IMBECIL

Parte 1 - Sentado

Estava eu à filosofar sobre o por que das mulheres irem ao banheiro aos pares quando minha condução chegou. Dei o sinal, entrei e me sentei nas cadeiras reservadas para idosos, gestantes e debilitados, tendo o cuidado de observar se não havia nenhum desses tipos de pessoas de pé.
Citei que me sentei nessas cadeiras diferenciadas porque não é normal eu fazê-lo, fico com a impressão de estar ocupando o lugar de alguém. Mas naquele momento, como não havia nenhum dos tipos de pessoas às quais as cadeiras especiais são reservadas, e a parte traseira do ónibus estava cheia, decidi me sentar ali na frente.
Muito bem, vamos prosseguir porque ainda falta muito, tanto para o leitor quanto para o ónibus. Quando passava-mos pela Paraná, paramos num outro ponto para deixar embarcar mais gente. Entrou, então a segunda pessoa envolvida nessa história, aliás, a segunda e a terceira, mãe e filha. A mãe sentou-se ao meu lado e a filha sentou-se na cadeira do outro lado do corredor ao lado da mãe. E entrou mais gente, mas elas não fazem parte da história.
E lá vamos nós. O ónibus anda e mais gente entra e eu vou caçando grávidas e idosos que precisem mais de lugar do que eu. Finalmente, entra um idoso mas eu não cedo o lugar; fico sem jeito de pedir licença para a senhora que está ao meu lado, pois ela está com muitas sacolas. Enfim, continuamos indo.
Aí, entra uma mulher, aparentemente muito pobre e sofrida e com três crianças, uma delas sendo carregada, e todas muito novas. Não suporto e me levanto, claro, para ceder o lugar.

Parte 2 - De pé

Já de pé, passo pela roleta e me dirijo ao meio do ónibus. Compartilho um olhar duvidosamente malicioso com uma garota sentada mais atrás, ela é até bonita, mas isso não faz absoluta diferença, ouviu, nenhuma diferença!
Quando me coloco numa postura confortável e me afundo em pensamentos, um sujeito começa a falar em voz alta:
- Tem dois aí na frente que estão de pé!
Claro, todos olham, inclusive eu. E o sujeito repete:
- Tem dois aí na frente que estão de pé! e continua - É você mesmo senhora, que está com a filha sentada enquanto tem um velho de pé.
Nesse momento, percebi que o homem falava à senhora que estava ao meu lado no começo dessa história. E ela também percebeu, olhou para trás e teve de ouvir mais:
- Tem um velho aí na frente que está de pé e você deixa a sua filha aí sentada! Ela pode ficar no seu colo (não podia, a mãe estava com sacolas), você está criando sua filha da forma errada. Depois dirigiu seu discurso imbecil para duas mulheres que estavam perto dele - Eu falo mesmo, tem de falar! E finalmente calou-se.
E enquanto o homem falava, eu olhava para o rosto daquela mãe, que envergonhava-se em ouvir alquilo de alguém que, suponho eu, ela nunca viu antes. Depois olhei para aquele homem, parecia que ia explodir de satisfação por ter feito coisa nenhuma. E, na minha mente, surgiu a vingança, surgiu o ódio, surgiu a raiva, todos eles liderados pelo bem e pela vontade de defender aquela mulher, aquela mãe.
Não deixei que aqueles sentimentos me dominassem, eu os dominei antes. E fui imaginando algo que podia falar ou fazer com aquele homem, todo orgulhoso de sua façanha, e imaginei muitas coisas. Pensei em gritar dentro do ónibus até fazê-lo mijar-se todo de medo, pensei em ser o mais mal-educado possível e iniciar um bate-boca apenas para deixá-lo muito nervoso, mas concluí que tudo isso poderia me prejudicar de alguma forma. Poderia haver algum policial no ónibus que iria acabar com a briga, ou poderia o homem estar com amigos, ou poderia o homem ter um temperamento forte, enfim, o pior sempre pode acontecer, e não valia a pena se arriscar tanto por uma desconhecida.
Esses pensamentos ocuparam minha cabeça por grande parte do trajeto, e o homem continuava a falar sobre sua façanha com o trocador e com as mulheres que estavam perto dele.
Já perto de casa, senti que até Deus queria vingar-se daquele homem imbecil. Ele me ajudou, mandando uma idéia. Mandou um outro sujeito descer num ponto qualquer antes de mim. E nesse momento, vi o que iria fazer. Percebi que o homem imbecil estava estacionado nos degraus e que não fez questão alguma de sair deles para que o outro que deu sinal pudesse sair. Pensei: "Quando eu for sair, reclamo, com toda a educação, que ele está atrapalhando a passagem".
Meu ponto estava próximo, e eu me enchendo de coragem e torcendo para que o homem não saísse dos degraus. Estiquei o braço para puxar a corda que dá o sinal para o motorista parar, mas executei o gesto de forma tão medida e cautelosa que parecia ser aquele momento o que dividiria a minha vida em duas partes. E então dei o sinal.
Coloquei-me diante do imbecil, chamei-o, dei-lhe um toque no ombro, mas a primeira tentativa falhou, ele pareceu não ouvir. Vacilei, por pouco não desisto, tentei novamente e... sucesso!
- Ei, senhor? disse eu - O senhor poderia sair dos degraus, está atrapalhando as pessoas que querem descer.
Ele saiu, meio atordoado, não esperava ouvir aquilo; depois disse:
- Você é muito espaçoso, não?
- Se o senhor tem o direito de reclamar da mulher com a menina eu também tenho o direito de reclamar do senhor -. Ao dizer isso, tive a impressão de que o mundo do imbecil caiu todo, de uma vez só. Ele, que se achava o juiz do transporte urbano, viu que também tinha errado. Mas mesmo assim, lutou. "Ora!" - deve ter pensado ele - "quem é esse aí querendo me dizer o que é certo ou errado?"
E quando eu já quase colocava um pé fora do ónibus, ele rebateu numa tentativa desesperada de reaver a razão:
- Você não consegue sair porque está gordo!
- Olha quem fala... , disse eu ironicamente, referindo-me à enorme barriga do homem.
E lá ficou o imbecil, dentro do ónibus, com algo preso na garganta.
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