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Artigos-->A liberdade está entre Sartre e a lagartixa (Arnaldo Jabor) -- 16/01/2007 - 10:01 (Heleida Nobrega Metello) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos










A liberdade está entre Sartre e a lagartixa



Arnaldo Jabor







Um espectro ronda o Ocidente: a liberdade. "Liberdade, para quê?", dizia Lênin. "Nunca fomos tão livres como durante a ocupação nazista", escreveu Sartre, numa frase que nunca entendi, que sempre me pareceu uma frescura verbal francesa. Assim começava o artigo que eu estava a digitar sobre a subida de Haider na Áustria, sobre os fanatismos que vêm por aí: bandeiras de sangue, massacres deliciosos para saciar a humana fome de violência.



E continuei: Hoje, temos a vitória de uma liberdade "de mercado", morna, sem metafísica. O Homem (como o chamávamos) caiu de nível, em matéria de aspirações. Aquele anjo com um futuro glorioso virou um sujeito de bermudas abacate e camisa laranja, falando no celular e num mundo chato como um parque temático.



Fiquei inspirado, meio "sartreano" e escrevi: Ninguém quer ser livre. A liberdade nos faz desamparados, pequenos, perdidos no universo.

Queremos respostas, líderes, até castigos, para não sermos indivíduos soltos na galáxia, sem rumo.



Foi aí que me apareceu a lagartixa. Uma lagartixa, aqui no escritório com ar-condicionado, no 14º andar? Ela estava sozinha, na parede, me olhando em alerta. Era mínima e preta _ por que "preta"? Que fazia a lagartixa aqui, nesta sala asséptica? Eu estava numa crise de solidão, rascunhando o artigo, quando ela chegou, com olhinhos de alfinete, elétrica.



Isso me esquentou a alma; fiquei feliz, sentindo-me acompanhado. Mas a lagartixa não deu a colher de chá de me incluir em seu mundo, enquanto eu, ridiculamente, projetava nela a minha solidão, como se ela fosse minha colega no vasto universo. Entre mim e ela havia uma perversão de "humano", sempre em busca de sentido.



Ela não ansiava por nada, a não ser mosquitos; ela não me atribuía sentido algum, como eu, doente animal, a ela. Ela não se sentia sozinha, ali, sem pai nem mãe. Quem a pariu? De que ovo veio esta alpinista aqui na sala pós-moderna, de aço e vidro? Ela me olhava intensamente; senti-me espionado, constrangido. Eu penso: Como ela me vê? Como é ser uma lagartixa, me olhando ali da parede gelada?



Bem, a lagartixa teria uns seis centímetros e eu tenho um metro e noventa de altura e uma espessura além do que gostaria (ando meio gordo). Já a lagartixa está magrinha, chiquérrima, pela ausência de insetos neste álgido prédio pós-utópico.



Fazendo as contas, em volume, eu sou umas 15 mil vezes maior que a lagartixa. Imagino-me diante de um gigantesco lagarto 15 mil vezes maior que eu, me olhando numa sala infinita. Qual seria o tamanho de meu terror? Eu era uma galáxia para ela, podendo esmagá-la e, no entanto, ela não fugia _ela apenas contemplava nossa "diferença", como diria um Baudrillard.



Senti-me amargamente superior e pensei: Ela não faz filosofia porque não sabe que vai morrer, como nós... A presença da lagartixa fazia meu artigo mais óbvio. Caro leitor, nós não temos prestígio junto à lagartixa; ela não ajuda, não quer diálogo. Pensei mais: A lagartixa nunca formará exércitos nem bandeiras para minorar a dor de sua existência, porque ela não acha sua existência absurda. A lagartixa não tem história.



E continuei meu artigo: Quando o Francis Fukuyama disse que a história tinha chegado ao fim, a revolta que estalou entre os intelectuais foi porque o esperto japonês deu uma machadada na nossa fome de destino, de "sentido". O que ele disse no fundo, foi o seguinte: "Vocês, homens, não têm importância alguma. Abram caminho para a história das mercadorias!".



Fukuyama botou o dedo em nossa ferida histórica _ nós temos alma de homem e vida de lagartixa. Nossas vidas não tem futuro, bóiam num "enorme presente". A liberdade é aterradora, ninguém quer ser livre.

Precisamos de uma ideologia para poder viver, escrevi. Aí, a lagartixa se moveu. Virei a cabeça e ela estacou, atenta. Procuro escrever, apesar de a lagartixa me observar do alto. Continuo: como disse o poeta Bruno Tolentino: "Vivemos à míngua de esplendores!". "Qual seria a opinião da lagartixa sobre isso?", pergunto-me. A lagartixa começa a virar uma espécie de superego, de "copy desk" do meu texto.



Resisto e continuo minha dúvidas sob seu frio silêncio: na linha de pensamento de um Richard Rorty, eu até acho que essa crise de utopias pode ser o início de uma filosofia mais analítica, pragmática... _escrevi, no instante em que vi a lagartixa, num flash, devorar um mosquito perto da lâmpada, como que comprovando minha tese. "A verdade (nossa e da lagartixa)", diria Rorty, "é o que nos é útil, o que funciona".



No momento histórico atual _continuei, meio puto, pois a lagartixa virou-me as costas satisfeita, abanando o rabinho_, sinto na Áustria o prenúncio de uma fome de batalhas. Temos sede de sangue. Olhei para a lagartixa, que me ignorava, sem demonstrar apoio ou discordância.



Pensei em matá-la, sem dó, aqui no alto do prédio, ou queimá-la como a um judeu. Ela estava agora grudada na vidraça, com o "skyline" de São Paulo ao fundo. Mas, sempre culpado, peguei uma folha de papel branco e resolvi salvá-la. Ela fugiu de minha bondade, humilhando-me ainda mais. Mas acabou deslizando para a página branca, "como um verso de Mallarmé" (arghh!...).



Levei-a com delicadeza na folha, sentindo-me um deus ecológico e bom. Encaminhei-a para a parede externa do prédio e ela começou a descer. Mas nem me agradeceu."A mim, ninguém protege", pensei, "onde está a mão de Deus que me levará a um bom porto?". Vi que estava com inveja da lagartixa.



Voltei ao computador mais sozinho. E terminei meu pobre artigo com o coração apertado: Para que esses textos? Para onde vou eu e toda esta turba de egoístas à espera do asteróide? Foi para isso que a humanidade lutou tanto? Para virar esse videogame sem sentido?.



Foi então que me bateu a verdade inapelável e cruel: entre mim e o bichinho só havia sua superioridade filosófica. E finalmente, entendi a tal frase do Sartre: nunca seremos tão livres como aquela lagartixa.



Fonte

http://www.odialetico.hpg.ig.com.br/Membros/lagasartre.htm

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