"O advogado Fidel Castro usaria em essência a mesma estratégia para se livrar de seus alquimistas (Obs.: o autor se refere a Stalin - F.M.). Instrumentalizou a bravura, a frieza, a brutalidade do médico argentino Ernesto Che Guevara para manter a luta, após o fracasso da tentativa de tomada do quartel de Moncada. E com ele subiu ao poder. Teve de suportar os efeitos nefastos da incompetência do aliado estrangeiro na gerência dos negócios do Estado até que o espírito indômito do guerrilheiro o fizesse aderir à causa trotskista (embora nunca o reconhecesse explicitamente) da `revolução permanente`, o que o afastou do Estado cubano e de seu caminho. Che deixou uma carta e Fidel a leu no congresso do partido, afastando qualquer possibilidade de volta do sócio na derrubada de Batista. Trair é prerrogativa dos pragmáticos, dos que pensam no governo no andar térreo. Deixar-se iludir é a fraqueza dos alquimistas do porão. Fidel tinha como certo o fracasso de Che na missão guerrilheira na África. Guevara não contava com a traição do companheiro ao divulgar seu sonho secreto. De certa forma, Fidel o entregou à sanha dos inimigos. Antes que os anos rebeldes acabassem, o argentino desnutrido, esquálido e febril, foi capturado e morto pelo exército boliviano, com a ajuda dos ianques na selva sul-americana. Morreu jovem e belo, ficou sua lenda, sua efígie, de grande benefício para o velho companheiro de Sierra Maestra. Ao deixar Havana e partir para a ilusão trotskista no Congo e na Bolívia, o Che fez dois favores ao infiel Fidel: liberou-o de um concorrente perigoso ao poder único e absoluto, por ele conquistado e mantido a ferro e fogo, e lhe deu um símbolo, uma bandeira, sua linda foto de boina, barba e olhar para o futuro. A imagem perfeita do alquimista de porão, a garantia de permanência no poder dos pensadores pragmáticos da gestão. O porão entra com o emblema - a boina, o brilho nos olhos. Mas é o térreo que decide, e sobrevive mandando matar a própria sombra".
José Nêumanne Pinto, jornalista, escritor e membro da Academia Paraibana de Letras, in "O silêncio do delator", romance publicado por A Girafa Editora Ltda, São Paulo, 2005 (2ª edição), pg. 101 e 102. Este romance recebeu o prêmio Senador José Ermírio de Moraes 2005, da Academia Brasileira de Letras, como o melhor livro de 2004. Pedidos: agirafa@agirafa.com.br (R$ 51,00).
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