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Artigos-->Fabrica de Ilusões -- 16/01/2007 - 17:25 (jose antonio de castro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Crônicas moemenses: fábrica de ilusões

(José Antônio de Castro)



Vera Cruz foi o último nome dele. Também teve outros nomes, tais como: Il Mondo, Eldorado e São Pedro. Trata-se do nosso antigo cinema, a modesta fábrica de ilusões que funcionou até fins da década de 60 à rua Tamóios, quase esquina com a caetés. Vera Cruz pode ser uma homenagem à grande Cia. Cinematográfica Vera Cruz; criada nos moldes das grandes de Hollywood, para produzir filmes nacionais. Il Mondo, outro nome pomposo, talvez tenha sido por causa do sucesso da música italiana do mesmo nome, interpretada por Jimmy Fontana, cantor muito popular dos festivais de San Remo. Eldorado é uma expressão forte nos faroestes americanos, pode ser a razão, não sei bem. São Pedro é o padroeiro da cidade.

Na nossa imaginação, o cinema era muito grande. Principalmente, no escuro, com o vozeirão da caixa de som. Hoje, minha memória não é capaz de dimensionar o seu tamanho. Só sei que era enorme, para os meus olhos da época.

Muito tempo depois, passando naquela rua, verifiquei que funcionava ali um armazém. A porta estava aberta, mas não tive coragem de entrar. Foi o receio de vê-lo sem o charme de outrora. Achei melhor guardá-lo como era na minha visão dos verdes anos. A realidade pode ser cruel nestas horas, trai-nos quando fazemos dela um sonho.

Quem não se lembra da velha ponte do São Francisco! Na infância, uma obra monstruosa com seus arcos magníficos, onde alguns moleques mais afoitos subiam e desciam como heróis. Agora, depois de adulto e de ter conhecido outras pontes, constatamos o quão acanhada é. Pode-se vê-la da outra ponte na BR 262 e verificar que não é tão grande como imaginávamos.

Quando assumiu o nome Vera Cruz, o cinema não tinha mais as poltronas individuais. Elas não resistiram aos solavancos das matinês e se deterioraram. Foram trocadas por bancos inteiriços com capacidade para seis ou oito pessoas. Isso mesmo, cinema com bancos e não poltronas.

Com isto, fazia-se uma divisão natural lá dentro. Os casais procuravam sentar-se juntos porque, no escuro, cada um voltava-se para o seu par, separando-se naturalmente. Não se podia levar ao pé da letra a máxima “no escurinho do cinema” com bancos coletivos. O risco de encontrar o irmão da mina por perto era muito grande. Mesmo assim, os mais valentes conseguiam progredir na conquista, até quando a claridade da lâmpada, acesa de repente, os apanhasse em situação de não poder levantar-se de imediato.

Ele tinha sua cabine cinematográfica, se é que podemos chamar um cubículo de um metro por um e meio, com nome tão técnico. Para o operador, o nome mais correto era forno mesmo, pelo calor que fazia.

Quando dizia aos meus filhos pequenos que, no Vera Cruz, o filme era interrompido no meio da sessão, eles ficavam desconfiados e achavam que era brincadeira minha. Tentava explicar-lhes que faltava uma peça que permitia a substituição de um rolo por outro, sem que fosse interrompida a sessão. Ou seja, o projetor não tinha condição de transferir a fita de um rolo para outro sem interrupção.

O tempo necessário para rebubinar a segunda parte do filme se transformava numa espécie de recreio, com tempo suficiente para sair do cinema e correr até ao bar. Comentário de um dos meus filhos: “pai, igual ao intervalo da tv, quando a gente pode ir à geladeira, né”.

Outro problema que provocava confusão era o aquecimento da lâmpada. Ela exigia muita ventilação. Coisa que o ambiente não tinha. Ar condicionado nem pensar, muito menos um ventilador. Daí a queima da película. Volta e meia, o espectador era surpreendido com uma bolha preta em toda a extensão da tela. Pronto! A sessão era interrompida, acendia-se a luz, e o operador fazia um remendo no filme com a fita durex.

Hoje, as coisas mudaram e mudarão muito mais. Os cinemas estão caminhando para a tecnologia digital. Com ela, as películas de poliéster desaparecerão. Os custos de produção e distribuição dos filmes vão diminuir e nós poderemos ver os bons filmes, confortavelmente, nas poltronas das salas dos shopping.

Muitos filmes ficaram marcados como campeões de bilheteria. Cada um de nós tem sua lista. Vou apenas citar alguns que, por uma razão ou outra, lembram episódios que marcaram sua exibição. Há aqueles que pela impossibilidade de serem trocados, permaneceram mais tempo em cartaz. Nos dias chuvosos, as latas com as películas nem sempre conseguiam chegar a tempo de serem exibidas. O ônibus vinha de Nova Serrana e, por vezes, perdia tempo nos atoleiros. Logo, o anterior permanecia em cartaz.

Antes de apresentá-los, vamos recordar as músicas utilizadas antes e depois do grande espetáculo. Todas grandes sucessos, mas La Paloma, com arranjo da orquestra de Billy Vaughn, foi o maior destaque como prefixo. A outra, um tango interpretado por Ângela Maria de nome Tango Triste, foi um marco nas saídas das matinês. Lembram-se? “Tango, tango triste, leva ao mundo esta mensagem de amor......... E você que está ouvindo este tango. E por amar, sofre tanto quanto eu, ...........”

Não posso deixar de mencionar os seriados. E eles faziam mais sucesso do que os filmes. Longe de fazer juízo, mas se alguém tirou dinheiro escondido para ir à matiné assistir Zorro, As Aventuras de Tarzan, Flash Gordon, Cavalo Infernal ou O Sertão Desaparecido, está perdoado. Não acompanhar, na semana seguinte, o outro capítulo era desesperador. Fazia parte da grande ilusão.

A minha lista compõe-se de apenas quatro filmes. Cada um teve sua peculiaridade naquela ocasião.

A Noiva (La Novia) é um filme Argentino de 1961, dirigido por Ernesto Arancibia, com António Prieto, Elsa Daniel, Fernanda Mistral, Vicente Rubino. Um rapaz da província chega à cidade e apaixona-se por uma moça de saúde frágil que seduz graças ao seu charme e voz, principalmente, quando abria o gogó com “detem las horas reelooooogio, porque mi vida se acaba”. Era o momento sublime para os espectadores. Só se ouvia a música e um ou outro suspiro capaz de movimentar os ombros. Muita gente surgia de olhos vermelhos quando a película chegava ao fim e acendia-se a luz.

Hoje o chamaríamos de Trash - em inglês, lixo - uma categoria de filmes que fazem sucesso num determinado público. Ou seja, é tão ruim que é bom.

Cabeça Satânica é um filme de 1949, baseado no livro: A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça (The Legend of Sleepy Hollow) de Washington Irving, a história passa-se em 1799 e fala de um sanguinário cavaleiro sem cabeça que tinha predileção por cortar cabeças dos habitantes de uma cidadezinha americana. A nova versão deste conto foi feita em 1999 e tem no papel principal o ator Johnny Depp.

O filme de 1961 mostra uma caixa encontrada numa escavação no quintal. A mocinha, ao abrí-la, arregala os olhos quando vê uma cabeça abrindo a boca e pronunciando umas palavras. A cena é horripilante e deixava o cinema completamente mudo. Até aí tudo bem, o mais difícil era sair de lá e tomar o caminho escuro que nos levava às nossas casas fora da cidade. O jeito era caminhar em grupo e dormir todos na casa de um. Este foi um dos que ficou mais tempo em cartaz, acho que por falta de outro opção.

Sansão e Dalila é uma mega produção de Hollywood de 1949. Sansão fica furioso quando o pai de sua noiva dá a mão dela para outro homem, lhe oferecendo a de Dalila, a filha mais nova. Sentindo-se rejeitada, ela arquiteta um plano para destruir a força de Sansão. Dirigido por Cecil B. DeMille, com Victor Mature, Angela Lansbury e George Sanders no elenco. Vencedor de 2 Oscars. A influência dos músculos do ator principal foi grande. Muita gente passou a exercitar o físico nas traves do antigo campo-de-futebol perto da caixa d’água.

O Último Por-do-sol (The Last sunset) é um faroeste clássico de 1961, dirigido por Dalton Trumbo e estrelado por Kirk Douglas, Rock Hudson e Doroty Malone. Excelente western repleto de ódios e vinganças pessoais. O galã Rock Hudson faz o papel de um xerife que pretende fazer justiça a qualquer preço e sai em busca de um pistoleiro (Kirk Douglas) que também está a procura de um antigo amor (Doroty Malone).

Esqueci de esclarecer para os menos experientes que cinema naquela época tinha locutor. O homem que divulgava o filme no auto-falante. No caso específico do “O Último Por-do-sol”, ele se entusiasmou demais ao fazer o anúncio. O cartaz com influência do “art déco” fixava os nomes dos atores de forma irregular, ou seja, não estavam expostos de carreirinha, como estamos habituados a ler. Ao anunciar o filme no dia da estréia, o locutor solta o seguinte vozeirão: “E atennnnção, muuuita atennnnção. Não percam, logo mais, no cine Vera Cruz, sensacional película cinematográfica: O Último Por-do-sol, com Rock Douglas e Kirk Hudson”.

Sei que faltou muita coisa a ser contada. Além disso, existem várias situações constrangedoras que devem ser esquecidas. Como, por exemplo, quando os cinéfilos de primeira viagem, ao ver a carroça em disparada enchendo a tela, escorregava na cadeira com medo de ser atingido por ela. Ou ter receio de ser atropelado pela boiada de John Waine no “Rio Vermelho”, quando o gado vinha de frente para a telona.

Cada um que revirar o fundo do seu baú de recordações lembrará de algum fato pitoresco dos tempos do Vera Cruz, Il Mundo, Eldorado ou São Pedro. Um filme vale pelo que ele cultiva em nossas mentes. Se ele sugere alguma coisa, cada espectador é livre para interpretar da sua forma a sugestão. Se for engajado em alguma batalha ideológica ou denúncia de uma dita realidade, tudo bem. Desde que a postura do engajamento permita a liberdade de pensamento para quem vê. A prova da liberdade é a coragem de voar com esta fábrica de ilusões sem se preocupar com a natureza do conteúdo.

Para completar, nada melhor do que rever verdadeira obra prima: “Cinema Paradiso”. É viajar no sonho das recordações. Uma verdadeira declaração de amor ao cinema feita pelo diretor italiano Giuseppe Tornatore, em 1989.

Logo depois da Segunda Guerra Mundial, antes do advento da televisão, em uma pequena cidade da Sicília, um garoto fica hipnotizado pelo cinema local e procura travar amizade com o operador que, embora irritadiço, acaba estabelecendo uma relação de grande amizade. Na localidade, todo mundo se conhece e a única atração é o velho cinema Paradiso, aonde todos vão nos finais de semana em busca de uma pequena ilusão.

Por fim, lembro a máxima de Mark Twain: “Não te separes das ilusões. Quando elas se forem, talvez continues a existir, mas é certo que já não viverás”.



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