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> LONTRA
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> Havia uma lontra.
> Eu estava dentro do barco,
> No rio Paraná.
> Fazia de conta que pescava,
> Ouvindo a música da água,
> Dividida pela proa do barco,
> Ancorado longe da margem.
> Então,
> A lontra apareceu,
> À direita, a poucos
> Metros de distancia.
> Tirou apenas a cabeça
> Fora da água, com um peixe
> Na boca,
> E olhou-me com olhos
> Redondos e profundos.
> Mergulhou novamente,
> E era como se não tivesse
> Estado alí.
> Mas,
> A visão daqueles olhos
> Permaneceu,
> Flutuando sobre o rio...
> Sòzinho no barco
> Busco na superfície líquida
> Aqueles olhos,
> Conhecedores de profundidades
> Que nunca alcançarei.
> Mas,
> O rio é um espelho
> A refletir um céu falso,
> Com inexistentes nuvens.
> Sou tomado então,
> Por uma dolorosa ansiedade
> De ver novamente a lontra,
> O pelo liso e escuro
> Brilhando na água.
> Parece ser tão macio...
> Parece pedir uma caricia...
> Mas não,
> Caricias, carinhos, são coisas
> De humana invenção,
> Para sabotar angústias,
> Enganar carências,
> Dissimular inseguranças,
> Afastar solidão...
> Silenciosamente,
> Ela apareceu novamente,
> Mais próxima agora,
>
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>
> Como que para investigar
> Quem era aquele bicho estranho
> Que estava alí,
> A perturbar a harmonia
> E o equilíbrio
> De seu mundo perfeito.
> Pude observar melhor aqueles olhos
> Líquidos, brilhantes, redondos, expressivos,
> Pareciam querer dizer-me algo,
> Pareciam querer transmitir
> Alguma mensagem,
> Muito, muito importante,
> Sobre nós dois,
> Alí,
> Naquele lugar,
> Naquele momento...
> Esforço-me por compreender,
> Tento,
> Agora quase em pânico,
> Entender o importantíssimo
> Segredo,
> Que a lontra quer me transmitir.
> Tenho medo de não conseguir,
> Tenho muito medo
> Que se perca para sempre,
> Algum tipo de estranha revelação
> Que brilha misticamente
> Naqueles olhos escuros...
> Estamos imóveis,
> Eu e a lontra,
> No meio do rio Paraná,
> Em uma tarde feita só para nós dois
> E o rio.
> Fito aqueles olhos,
> Agora já familiares,
> Conhecidos desde a primeira
> Noite dos tempos,
> E uma compreensão mútua nos une então,
> Apesar de termos corpos diferentes,
> Pertencemos ao mesmo
> Misterioso princípio
> Que nos une
> Neste instante mágico
> Tornando o momento infinito...
> Lentamente, ela mergulha.
> Lentamente, eu volto onde estou...
> Mas, agora,
> Já não tão só...
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> Autor: Lenine De Carvalho
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