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Poesias-->fragmentos do assassino -- 12/06/2000 - 16:05 (jorge pieiro) |
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"do outro lado o ponto negro da mão
espelha a mancha do crime"
(Georg Schattenmann)
a
entro no labirinto da história perdido em soluço
nunca mais quero esse vermelho sabor de açúcar
veneno acariciado em profana pélvis
momento de agora é
senhora que ora pro nobis
b
vermelho respinga pela sala
quarto vadio
espanto é apenas uma toalha pendurada no cabide
esse ritmo primeiro ato da vertigem
dentro o espantalho da ilusão
resta hoje o que há por hoje
nunca é tarde demais para um mistério
agora é agora
o sol no rosto
a veste vazia
o silêncio entre lábios e frágil a conclusão de uma dor perdendo o fôlego
c
o quarto esmaga a formiga que sacode a pata que jogo sobre mim
d
a sorte escolhe deixar-me prenhe de ânsia
suspiro e repouso a língua por baixo da mina vida agourando o sucesso
enlaço a dobra de um silêncio
respeito
o salitre da parede
o ocaso dos maribondos
a perplexidade da fantasia diante de um vulcão
dentro de ti escondo meu sangue
pedaço desconstruído de mim sob a impossibilidade do acaso
e
desisto da sombra do espelho refeito desse monstro por tentativa
f
por vezes descubro a mentira do mito
outro acaso de esconder o brilhante entre as pernas
enquanto o vagalume vigia a noite
e dentro dela o pecado é remorso consumado
g
te mato criança de nunca
te mato antes de te adorar o sacrifício
te mato para nunca continuar insistindo sempre
te mato prevenindo ausência de uma dor não consentida
h
a blusa no armário
um rosto amarrotado
esta hora de epifania
descubram-se olhos por toda a parte
estou vestido para medo
quem deveria afugentou-se por entranhas de martírio e longe
veste-se de punhal antes das costas
dentro o resguardo e a mágoa
i
sabes por quanto beijo teu corpo?
sabes em que horas amo tua vida?
sabes quando sonho antes de sofrer?
criança em fuga para desfiladeiro de azuis que espanto de minhas horas
hoje recebo escuros de caverna e morcegos iluminados de solidão
não quero o teu perdão, criança, morreria sem morrer
deixe que a estrada acalente seus bichos invisíveis e comigo a dor seja espanto
deixa-me criança, sem que fujas para sempre aonde não exista memória
assim construo o inferno
j
tenho a cidade dentro das luzes do sol
objeto simples de consolo e a veia inflamada
rei dos martírios exconjuro a palidez de uma mulher
não te consentes mais o passo ereto e os olhos de mercúrio
onde deixaste os apetrechos do capricho?
foste cúmplice
bebeste o veneno
malograste a vida
que mais temes agora senão o olho invicto da luz?
l
viajante do esmo na cidade essa prisão a céu aberto
onde o sangue é tão gelado que não alcança a face por detrás dela ferida
como oferecer o crime à lei, senão repetindo o diabo?
m
alfinetes despedaçam o sono
o grilo em algum lugar na noite inteira
ela vive ainda ao lado do diabo
uma palavra para fruto de carne indesejada
a pele deserta o macio e chove-se e odorante contrai desejos
a vez pois é de morrer também
n
alegoria
e o homem desprega a lei do rosto
a face desfigurada, alma dela aflita por detrás
o copo de chá vazio sobre a escrivaninha evola o silêncio
e um incenso se esvai prestes ao pó
vê-se, ele, ao chão estendido e molusco
e a luz desalinha os cabelos de maria
plena de seios, escurecendo
ela estende a mão a ninguém no avesso
sobressalto da ira interrompida
que a rua devolva o céu da catástrofe!
por que não mais é pálido o olhar de mateus?
deus esconde-se antes de voltar
quem o reconhecerá?
mateus não responde
é a lei
maria, arrependida, detém-se sobre o corpo
e cavalga-o sem ansiedade
ali será para sempre
o
boustrophedon
e este é o boi que serpenteia arando a terra
o homem que por uma prenda a glória expele
que sabem desta vida tais seres de deus ditos por mal e bem
a espalhar por primeiro ao silêncio o seu pânico?
que sabem eles quando mugem ao mundo o desespero
co’a trêmula lida enfraquecida?
um boi volteia arando a terra sem fim e descomeço
ao homem
resta aniquilá-lo como sempre reprimido quis-se
p
das palavras que antecipam a morte escuto a sátira do homem solitário
está perdido entre as curvas da letra, obcecado pelo estrídulo do silêncio preciso
que fazer?
ouvir da própria voz a agonia ou a exaltação de schiller?
arejar o coração com a nulidade do pensamento ou a impossibilidade desse nada pensar?
encontro o homem aborrecido, engolindo o vento, o bobo,
sem vida, quer saber mais que seu próprio poder
impossível que sustente essa ausência prolongada
q
fosse minúsculo, ali seria a caverna e outros bichos os que habitam esse lugar
se a traça existisse seria eterno entre vida e morte, cajado e abismo
homem, porém, são muitos esses abismos, e não mais que furos e notações
de um acaso em destruição
e tão próxima é a semelhança entre nós, o gigante e o distante,
que em nada a outros homens seremos homúnculos de cavernas
ou os bichos delirantes que a ela retornam.
r
mancha inválida
espelho
derivada de mim a sombra desde o coito dos relâmpagos
apascento a febre com a agulha na pústula
entre o rosário e a agonia
válida a cruz de porcelana no umbigo
marcando na pele sob o sol
apenas o desejo de matar a morte que se sacia
no fogo da sombra ausente
s
inteiro assassino
vejo em mim o corpo alevantando do milagre
desterro o pecado obra limite da absolvição
e sem meu deus contínuo morrendo em mim
apascento o crime do mundo inteiro assassino
em que corpo meu rosto detona a fantasia?
em que corpo estou usando a morte?
tomei nas mãos o seio efervescente
a glória de deus tomou-o de capricho sem sacrifício
em teimoso celeiro vivo morrendo
o coração na vagina, denso em brasa dos delitos
pouco é o segredo, o que falta, o laço da alegoria,
a mordaça ao gemido desabrochado nas entranhas
t
salva a palavra, amara:
no mais que passado da memória
a fala
e, se atara à marca dessa
a última letra, a ignara,
porque jamais era o que havia
e não ousara, às claras,
a felicidade era uma hera
e nessa cara a minha tara
que nunca, por mais que se tentasse
na hora se abafara
u
há o grito
garanto o sonho dentro de cada nó
há a morte
deslustro a vida de quem a vive
há o desejo
sucumbo com a morte da sorte
há a última palavra
desisto de existir sem silêncio
v
é
enquanto ferra o ferro na mancha da pele o obscuro de dor
e interfere o som de vazios havido na palavra não-dita
enquanto a estrada é estranha, o som não mais que um nunca
x
guardo-te para sempre perdido onde não pude viver-te
guardo-te para desmorrer em mim segredo que te perpetua
guardo-te com zelo fendida no risco da porcelana
guardo-te para a morte por dentro atada e frágil
z ... |
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