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Cronicas-->CHÃO BRAVO -- 04/05/2000 - 22:41 (Mario Galvão) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Quem chega à Goiània, cidade moderna, repleta de edifícios, plugada na internet, motocas e jeans por toda parte e com shoppings e griffes de novíssima geração, pensa estar no Rio ou São Paulo. Nada disso.
A capital daquele enorme estadão, de muitas e muitas léguas quadradas, por detrás daquela fachada de modernidade, esconde ainda o mesmo jeito rústico, hospitaleiro, mas bravio e desconfiado, da época do irascível Anhanguera que batiza uma de suas principais avenidas.
Goiano é muito bom, muito calmo, tranquiiiilo... no gesto e na fala, mas não abuse.
Sobretudo, não brinque nem facilite com seus ainda rigorosos códigos de honra.
Nesses casos, a bala do 38 ainda pode ser um argumento que traz, às vezes, definitivas surpresas a muitos cariocas e paulistas, ou mineiros, que arribam os sertões de Goiás, em busca da bracchiaria farta para multiplicar os rebanhos de nelore.
Logo que um meu amigo, paulista quatrocentão, comprou uma pequena fazenda a 80 quilómetros de Goiània, no município de Piracanjuba, passou um aperto razoável por não levar muito a sério "essas coisas de goiano".
Acontece que na fazenda vizinha, propriedade de um natural da terra, daqueles de moda antiga, chapelão enterrado, pendente na sela ao cavalgar as vastidões do cerrado, berrante pendurado na cabeça do arreio, havia um caboclo danado de trabalhador, jeitoso como ele só.
Meu amigo observava o capricho do Tião, a limpeza da casa coberta de palma de buriti, sempre limpiha apesar do chão batido do assoalho. A simpatia foi mútua e inevitável o convite:
"--O Tiãozinho, vosmecê bem que podia vir trabalhar na Sapucaia comigo. Tó precisando de um peão de confiança."
"De jeito ninhum, seu Zé. Num vai dá mermo, de jeito maneira. Seu Honorato é home bravo, discunfiado, num tolera ofensa. S´eu for, ele vira cobra. Dá tempo ao tempo, Seu Zé...Quem sabe?"
Deram tempo ao tempo e a oportunidade demorou, mas chegou.
O fazendeiro Honorato se desentendeu com o Caboclo e mandou o empregado embora.
Tião arrumou os "trem" em cima da mula castanha, pegou a muié e os dois fio e foi-se embora, trabalhar na fazenda de gado de um mineiro, lá perto da Usina do Rochedo, na direçao de Itumbiara, a muitas léguas dali.
Dois anos passados, se encontraram, ele e meu amigo, em Piracanjuba, na agência do Banco do Brasil. O primeiro veio com a mesma conversa, que continuava insatisfeito com o tomador de conta da Sapucaia. O segundo ainda arrepiou:
"--Num é bão não, seu Zé. Seu Honorato vai ficá macho se eu for morá vizinho."
"-- Ora, que é que é isso, Tião. Pois eu não estou tirando você dele. Já faz mais de dois anos que você saiu da fazenda dele. Agora não vai ter mais problema, seu."
E tanto fez, que o Tião arriou a mula de novo e veio com a filharada, arranchando-se na Sapucaia De Baixo, que é como se chamava um casarão antigo, de taipa de pilão, localizado na parte mas ao fundo da fazenda.
Dois dias depois, o Tiãzinho está na porta, amolando uma foice na pedra São Tomé, vista baixa, entretido no trabalho. Quando ergue os olhos dá de topo com o Seu Honorato, meio de banda no alto do cavalo, parado bem na frente da casa, do outro lado da cerca, semblante carregado.
"-- Que é que tá fazendo aqui, caboclo safado. Pode fazê as mala e desarranchá. Caia no mundo, que peão que trabalhou prá mim e foi mandado embora não trabalha prá vizinho. Vosmecê tem três dia prá sai daqui sinão eu lhe mato."
E sem mais dizer torceu o cabresto da égua zaina que sempre montava e sumiu no milharal já granado.
Pois o caboclo, que também era goiano, portanto tinhoso, achou que era desaforo e muito e resolveu ficar.
Três dias depois estava o Tião derribando umas mangas espadas no quintal, espantando os tucanos, quando ouviu o grito agudo da mulher:
"-- Foge Tiãozinho, que ele vortó e tá armado!"
Não deu tempo para se esconder em meio as bananeiras. A Winchester 22 cuspiu toda a carga enchendo a camiseta do São Paulo Futebol Clube, presente do novo patrão, de pequenos furos, com pouco ou nenhum sangue, fazendo peneira das costas do caboclo, que corria em direção às moitas que lhe salvariam a vida.
Caiu de bruços ali mesmo, no terreno molhado de orvalho, olhos arregalados pela surpresa do desfecho, bem defronte à mulher e aos filhos que gritavam por Deus e Nossa Senhora.
Honorato foi, sem apertar o passo da égua zaina, se apresentar friamente, ao delegado de Piracanjuba. Acreditava, apenas, ter cumprido com seu dever.
Perdeu tudo. Perdeu a fazenda com o dinheirão que gastou com os advogados. Perdeu a mulher que outro roubou no tempão que esteve preso em Goiània, aguardando julgamento, pois tinha sido preso em flagrante.Perdeu até a tranquilidade interior e o juízo, pois dizem que de uns tempos para cá anda aparecendo em Piracanjuba cheio de pinga e sem dizer coisa com coisa.
Mas, não perdeu a palavra.
É que goiano, dos antigos, é assim mesmo, tenha cuidado.
Se disser que mata, não é como cachorro que late e não morde.
Alguns vão dizer que nada, que não é mais assim, que hoje em dia as coisas mudaram!
" Ê trem danado! Melhor não arriscá..."

Mário Galvão é jornalista e profissional de RP
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