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Contos-->NOSSA VIDA NADA POÉTICA -- 17/05/2002 - 17:57 (Edna A Leite) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Zabelê, zumbi, besouro
Vespa fabricando mel
Guardo teu tesouro
Jóia Marrom
Raça como nossa cor
Nossa linda juventude
Página de um livro bom...
Ainda com o travesseiro por sobre a cabeça, Marcelo olhou o rádio relógio: 5h45min. Pensou em dar-se mais alguns instantes e “degustar” a música Linda Juventude. Porém, a mãe bateu à porta do quarto dizendo para que ele se apressasse. Ela queria usar o banheiro e habitualmente demorava. O rapaz, afoito, levantou-se num pulo e passando a mão no rádio o colocou no modo sleep. Entrou no banheiro com a cara amarrotada pela noite mal dormida. Sonhara coisas estranhas, sem nexo. Em sua cabeça persistiam alguns versos da música: “brilha por nós; vidas pequenas da esquina; fado; sina, lei, tesouro”. Marcelo abriu o chuveiro e tomou uma ducha rápida. Já vestido, olhou-se no espelho. Seus olhos demonstravam ansiedade, sentimento do qual ele não sabia o motivo. Indagou-se sobre o porquê de sentir-se pouco à vontade, não encontrou resposta. Passou as mãos pela face, a barba estava por fazer. A mãe, agora, batia à porta do banheiro compulsivamente. Marcelo abriu o aposento e ali, ele e a mãe trocaram meia dúzia de palavras. O rapaz se dirigiu à cozinha, tomou seu café e ficou aguardando. Possivelmente, a espera foi o motivo da troca de palavras.
Na rua, mãe e filho iniciaram uma caminhada ao ponto de ônibus. Entremeio às passadas, falavam-se pouco. Marcelo, do alto de seus 19 anos, agia tal qual os jovens de sua faixa etária: calados em seu mundo, perfuntórios no trato com os pais. A mãe, enquanto o rapaz caminhava um pouco à frente, observava-o e relembrava situações de sua infância: o primeiro sorriso, o primeiro dentinho, os primeiros passos, o primeiro tombo, a primeira palavra! E agora, ei-lo homem feito, cheio de planos!
Marcelo, alheio, vez ou outra se detia para que Dona Maura o alcançasse. Os olhos do moço, especialmente nesta manhã, estavam inexpressivos...talvez tédio, talvez cansaço pela correria diária. Já cedo, Marcelo arrumara um emprego de office-boy indicado por uma amiga de sua mãe e lá fora ele: dezesseis anos, o rosto cheio de espinhas, as mãos nervosas, a boca trêmula ao pronunciar seu nome e a mando de quem estava naquele estabelecimento. Não foram necessários muitos detalhes, a vaga estava destinada a Marcelo, afinal, segundo a dona do escritório de contabilidade, o rapaz fora indicado como alguém muito prestativo e de extrema confiança. Nos dias posteriores, o jovem confirmou as qualidades atribuídas a ele pela amiga de sua mãe. No trabalho era tido como um garoto de futuro brilhante: prestativo, atencioso, esforçado, confiável e inteligente. O emprego era conciliado com os estudos. Marcelo estudava à noite, 1ª série do colegial. Estava atrasado um ano. A mãe se justificava perante os familiares dizendo que Marcelo perdera um ano por causa de sua separação. Afinal, ambos se viram sem chão quando aquele que fora pai e esposo durante anos sumira no mundo deixando-os a mercê da própria sorte e da ajuda de parentes e amigos. Os dias se transformaram em semanas, estas em meses...os meses em anos e Marcelo foi promovido a Auxiliar de Contabilidade. Teve uma melhora significativa em seu salário. Almejava fazer Administração assim que terminasse o colegial e para isso passou, a duras penas, a economizar. A mãe também arrumara emprego como doméstica em um bairro rico da cidade. Os dois começaram a respirar mais aliviados e amenizaram o sufoco da reviravolta pelas quais tinham passado até então.
Dona Maura, atrasada em relação ao filho, pediu que Marcelo a esperasse e fez menção de reclamar quando ele a interrompeu dizendo que estava sentindo algo pesado no coração. A mãe perguntou o motivo, mas como no início, ao olhar-se no espelho, o rapaz não soube explicar o que sentia. Dona Maura o tranqüilizou dizendo que, provavelmente, ele estava assim por ser início da semana e que ela mesma sentia-se mal toda segunda-feira. Marcelo a olhou e hesitou em contar-lhe sobre o sonho que tivera. Por fim, decidiu nada dizer. A manhã estava fria, propícia para dormir e ele sentiu preguiça em falar.
Chegaram ao ponto de ônibus e cada qual ficou absorto em seus pensamentos, com as mãos nos bolsos, os olhares vagos. Duas ou três mulheres também esperavam o ônibus, desatentas à presença de Marcelo e sua mãe. Ainda não estava de todo claro. A respiração de cada um misturava-se ao ar deixando vestígios. Alguém comentou que o frio estava infernal. Marcelo olhou na direção de quem falara e viu uma senhora de meia idade, agarrada a sua bolsa como que na tentativa de barrar o vento gelado.
Uma silhueta, em meio à neblina, foi se formando e crescendo aos olhos de Marcelo, sua mãe e as demais pessoas ali. Era um homem claro, de estatura média, aparentando 22 ou 23 anos. Trazia nos dedos um cigarro amarrotado. Fitou Marcelo e perguntou se ele tinha fogo. Marcelo apenas mexeu com a cabeça demonstrando que não. O homem olhou para as mulheres levantando a mão num gesto de indagação de que se uma delas tinha um isqueiro ou fósforo. Mas apenas obteve negativas. Então, o moço jogou o cigarro no chão e o pisou com raiva. Saiu caminhando cabisbaixo. Marcelo o seguiu com os olhos, flashs do sonho que tivera lhe passaram pela cabeça...viu-se no chão, enquanto uma pessoa de jaqueta jeans cuspia nele. Sua mãe chorava copiosamente, dizendo coisas que ele não compreendia, inúmeras pessoas a sua volta o olhavam e riam. Marcelo, procurando quebrar a sensação ruim que as lembranças do sonho lhe traziam, disse para a mãe que o ônibus estava demorando mais do que de costume. Dona Maura apenas acenou com a cabeça concordando com o filho.
A uma pequena distância dali, o homem que acabara de sair do ponto, voltou com as mãos postas à boca soprando para aliviar o frio. Novamente aproximou-se fitando Marcelo, colocou as mãos na cintura da calça e tirou um revólver. Diante dos olhos estarrecidos de todos disse que era um assalto e que calassem a boca que nada aconteceria. Meneando a arma com nervosismo foi pegando o dinheiro que lhe era entregue e enfiando nos bolsos da jaqueta jeans. Viu que Marcelo se mantinha estático. Cutucou o rapaz com o cano do revólver. Marcelo balbuciou que não tinha nada nos bolsos. O homem, num gesto de repulsa, cuspiu-lhe no rosto. Assustado, Marcelo se afastou pisando em falso e perdendo o equilíbrio. Tudo foi muito repentino...os berros das mulheres, os gritos de dona Maura, o estampido de uma bala. Marcelo prostrado ao chão não conseguia assimilar o que acontecera. Ao seu lado, a mãe gritava e chorava. Mais adiante, seu algoz fugia covardemente. O ônibus que aguardavam foi parando... inúmeros olhares, alguns curiosos, outros aflitos, observavam da janela o jovem estirado. Tudo foi ficando escuro...o ar pesado...os ouvidos zunindo. Marcelo morrera no ponto de ônibus antes mesmo de receber socorro!
No dia seguinte, a população, indignada, lia no jornal local:
“MAIS UM CAPÍTULO TRÁGICO EM NOSSO COTIDIANO. FADO? SINA? QUEM RESTARÁ DESTA JUVENTUDE?
Na manhã de ontem, jovem de 19 anos a caminho do trabalho, morre assassinado estupidamente na presença da mãe. Dona Maura, 39 anos, disse que o filho sonhava com uma vida promissora, ceifada abruptamente por outro jovem que, com certeza, também não terá um futuro... ”


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