VEREDAS DO TOCANTINS
Enéas Athanázio
O regionalismo literário é herdeiro do velho preconceito contrário ao regionalismo em geral. Acusado por certa crítica de estreito e incapaz de ferir temas universais, o libelo ganhou foros de verdade absoluta, embora a realidade demostre que isso não acontece. São inúmeros os regionalistas, em todas as épocas e pontos do País, que abordam questões da maior relevância para o ser humano, diluídas em suas obras de ficção. Pouco importa onde a obra ficcional é ambientada. Nada impede que em um vila perdida no ermo o autor questione, através de personagens e de situações, os mais angustiantes enigmas da existência. Poderia citar exemplos.
Por outro lado, a contribuição do regionalismo ao desenvolvimento de nossas letras é fato inegável. Fases importantes da nossa história literária foram marcadas pelas obras de grandes regionalistas, cuja ausência abriria nelas vácuos impreenchíveis. E se isso não bastasse, restaria a certeza de que sem eles essa imensidão que é o Brasil não se conheceria a si mesma jamais. Contando seus “causos”, os regionalistas desbravaram o Brasil aos olhos dos leitores. Em muitos casos, é mais seguro e autêntico reconstruir o passado de uma região através da ficção regionalista que da monotonia de textos históricos. Também poderia dar exemplos.
Por essas e outras, não é de mais ressaltar o papel de Moura Lima e sua ficção regional, mostrando ao país como se processou a implantação humana no que é hoje o Estado do Tocantins. Pode-se dizer, sem exagero, que aquilo que antes se sabia mal dava para compor duas linhas. Agora, graças ao seu pioneirismo, um mundo se descortina.
“Veredão”, seu quarto livro, é uma coletânea de contos regionais e folclóricos ambientados naquele recanto brasileiro. É um livro bem feito, inclusive no aspecto gráfico, e com expressivas ilustrações. O autor se revela um contista experiente e hábil no captar as histórias, dando-lhes a roupagem literária, criando e recriando com imaginação.
Moura Lima é regionalista de fundo e de forma, para repetir a fórmula crítica de Lauro Junkes. Estudioso e observador da realidade que o cerca, não se apraz em criar paisagens e figuras de gabinete, preferindo pesquisar in loco, o que explica o admirável clima local de suas estórias. Suas ficções se desenvolvem em ambientes verdadeiros, onde entram a paisagem, a vegetação, os usos e costumes, as comidas e bebidas, o folclore e, acima de tudo, um linguajar típico tão rico que às vezes quase assume a condição de dialeto. Naqueles ermos arredios de civilização decorrem seus contos, muitos deles retratando a violência que imperou nos primórdios da região. Mas também há momentos alegres, temperados de humor ou de ternura, mostrando que o ser humano é o mesmo em todos os quadrantes, capaz dos sentimentos mais contraditórios.
Quanto ao linguajar, fico tentando a fazer comparações entre o nosso, dos Campos Gerais catarinenses, com o de lá, mas isso me levaria muito longe do que pretendem estas notas: chamar a atenção para um escritor de recursos que começa a exibir uma nova faceta brasileira nas insuspeitadas veredas do Tocantins.
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Enéas Athanázio é Escritor, Promotor de Justiça,, Contista e Ensaísta. Reside em Balneário Camboriú (SC)
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