UMA LUZ QUE NÃO PODE SE APAGAR
Haroldo Cauduro.
Alguém com pouco mais de sessenta e oito anos, decidiu envelhecer.
Os cabelos longos e tingidos de castanho
escuro foram cortados na altura da nuca e nunca mais os pintou e logo se pôde ver que sua cabeça estava bastante
grisalha.
Aposentou as lentes de contato e passou a usar óculos nada modernos. A maquiagem também foi colocada de lado, as roupas tornaram-se discretas, senhoris e ele praticamente não saía mais de casa.
Seu uniforme passou a ser robe e chinelo e afastando-se do seu círculo de amigos deixou de aceitar convites para reuniões, festas, cinema e teatro.
Abandonou as caminhadas à beira-mar e raramente foi a praia e escondeu-se do sol, tanto que perdeu seu bronzeado luminoso e sua pele foi ficando cada vez mais alva.
Saía apenas para ir ao supermercado rapidamente e para levar Dolly, sua cachorrinha e companheira de todas as horas, para fazer suas necessidades.
Em casa seu lugar preferido era a cadeira de balanço, onde ficava sentado horas, pensando no passado e derramando lágrimas ao perceber que o tempo passado não tinha mais como retornar.
Ao seu lado estava sempre Dolly, sua cadelinha preferida, a única coisa que ele permitia que ainda continuasse fazendo parte da sua vida.
Com o tempo, a solidão e a tristeza o levaram à depressão. com dores horríveis no peito, tremores,
angústia, insônia e medo.
Já não tinha vontade nem sequer de sair da cama quando o dia amanhecia.
Ninguém mais o visitava, nem sequer o telefone tocava. as janelas não se abriam, tampouco as cortinas.
A sua companheira, a Dolly, passou a fazer suas necessidades dentro de casa e nunca mais viu a rua.
No armário as fatiotas atualizadas nas reuniões e festas, que eram bem ordenadas e cheirosas com o passar do tempo, as manchas de mofo começaram a surgir e as gavetas no abandono foram relegadas ao esquecimento.
Agora reina silencio, um silêncio carregado e rancoroso, quando perguntam onde estão as alegres recepções e os salões profusamente iluminados.
Onde guardaram o uísque e o caviar que jamais faltavam ou mesmo os simples e abusivos jantares da mocidade, os ovos estrelados na manteiga de garrafa com queijo frito, que pareciam beijo de moça?
Os elegantes restaurantes, as reuniões de grandes negócios, os simpósios e os congressos onde foram depositados?
Com o tempo só silêncio, pouca movimentação e outros sinais também avisavam que os anos passaram.
È a velhice que apareceu no horizonte.
Agora só recebe presentes, que denunciam o passar dos anos e começam aparecer os pijamas, as camisetas, pulôveres e depois já são meias, muitas meias de lã.
Inicialmente, todas coloridas e cheias de desenhos hoje pretas, verdes, sombrias para manter os pés quentes.
Finalmente o último estágio: as caixinhas de remédio de vários tamanhos, retangulares, quadradas ou ovais e recheadas de comprimidos.
Os mais comuns são para a pressão, outros para a diabete quando não para finalidade muito mais macabra...
As caixinhas de remédios devem ser muito bem observadas, pois quanto maiores, caras e potentes, mais critica a saúde do portador.
Fechando o ciclo, as bulas e embalagens dos medicamentos, que merecem a máxima atenção principalmente as de tarja negra, as mais fortes e dispendiosas.
Mas na realidade até há orgulho de precisar de tantos remédios, pois eles dão a sensação que ainda existe vida e o tempo não para e a vida continuara.
Assim vão passando os anos até que se constata uma sensação de perda da vesícula ou da próstata que tiveram que ser extirpadas inesperadamente.
Silenciosamente os batimentos cardíacos, a pressão arterial, o colesterol, sem falar na destorcida coluna atacam sem misericórdia.
Também se despediram o aniversário, o Natal, o Dia dos Pais e outras datas, quando os presentes recebidos eram bons vinhos, velhos uísques, lindas carteiras e vistosas gravatas.
O que aconteceu? Ele decidiu envelhecer antes do tempo.
Envelhecer, embora não pareça, é uma decisão.
Pessoas envelhecem aos quarenta e outras conseguem se manter jovens aos noventa.
Portanto, não decida envelhecer, apesar de qualquer coisa que tenha lhe acontecido, pois a vida sempre merece uma nova chance para ser feliz e em qualquer idade isso pode acontecer.
Não abrevie os seus sonhos por causa de decepções, não desista de nada sem ter tentado muitas vezes novas esperanças, pois com o passar dos anos as feridas cicatrizadas não sangram mais e inexistem os espinhos da paixão.
São elas que não permitem se fechar para o mundo ou partir antes da hora.
Sempre haverá alguém que sofrerá com a sua desesperança, a Dolly que não será mais alegre e espevitada como antes e no seu olhar morará uma saudade.
Não é fácil convencer alguém que não esta ficando velho, apesar de que nem sempre o corpo traduzir a idade e demonstrar, que os anos não passaram.
Só o medo da solidão, doença, abandono, a morte e a falta de solidariedade serem as companheiras não pode ser aceita a desilusão.
Que uma estrada se abra à sua frente que o vento sopre levemente às suas costas e o sol brilhe suave na face esmaecida enquanto a chuva cair de mansinho na sua fronte, Deus o guarde na palma da sua mão.
Ao chegar no limiar da vida nunca mais observarás a nuvem que desapareceu, a gota de chuva que caiu, nem os minutos que passaram, pois neles ainda navegam sonhos impregnados da esperança, aqueles que sopram a força capaz de levar tão suavemente até o infinito do amanhã os olhos umedecidos pelo orvalho da saudade.
Quem vive com medo não vive.
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