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Artigos-->A pátria de Kichutes -- 23/04/2007 - 20:21 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Onde foi parar o brilho do futebol? Em algum cartório de causas cíveis, registrado em três vias. Fato confirmado pelos jovens jogadores brasileiros de futebol que estão presentes no noticiário muito mais pelas polêmicas em torno de contratos milionários que por lances inesquecíveis realizados dentro do campo. O Corinthians, meu time desde o berço, por exemplo, frustra a torcida com patetices de advogados, procuradores, empresários e palpiteiros às voltas com o “Caso” Nilmar. Corintianos de coração, barba e bigode sentem saudade do tempo em que um determinado craque era identificado quase como um sinônimo das cores do clube em troca de um salário que ninguém discutia nas colunas esportivas. Rivelino, Sócrates, Zé Maria, Vladimir, Casagrande são lembrados não por atuações com camisas de outras agremiações, mas pela importância conquistada com anos de alegrias dadas à Fiel.

Tantas questões legais em evidência me fazem sentir saudade do meu tempo de futebol em campinho de terra batida, na Zona Leste de São Paulo. Lembro que um dos maiores eventos de minha infância foi a conquista do primeiro par de Kichutes. Meus pais, cansados de conviver com Havaianas destruídas por mim em peladas nas ruas, investiram no tênis que estava nos pés de nove entre dez meninos da periferia. Estrutura de lona com travas de borracha e um cadarço quilométrico que permitia vários tipos de laços, sendo que o mais radical era aquele que dava voltas pelas canelas. Não havia outras opções de chuteira num mercado fechado para importações. Ou você usava Kichute, ou jogava de chinelo, ou descalço ( e, cá entre nós, aqueles que jogavam de pé no chão eram os mais dribladores...). Muitos freqüentavam a sala de aula a bordo do inconfundível calçado preto que era batido até ficar cinza bem clarinho e ter todas as travas gastas pelo atrito.

A sensação de calçar aquele misto de Conga com chuteira pela primeira vez me acompanha até hoje. Aos nove anos, baixinho que era, senti que meu futebol cresceu...cerca de um centímetro e pouco que era altura das travas. Era bonito ver o terrão lotado de moleques sem camisa e tendo o Kichute por uniforme. Garantia de jogo por horas seguidas, até escurecer, sonhando com a construção do Estádio do Corinthians em Itaquera, até hoje apenas um sonho. Todos ali aspiravam a ser jogador de futebol. Menos pelo dinheiro e mais pela vontade de tornar aquelas peladas uma forma muito divertida de viver.

Trago de volta esse tempo inocente não para sugerir que os jogadores de hoje deixem de lado seus anseios de fortuna. Há um mercado do futebol com regras que não existiam nos anos de 1970, última década do esporte praticado com treinadores e não com advogados. É óbvio que os atletas, vistos como profissionais, não podem, nem devem, escapar dessa realidade regida pela lei da oferta e da procura sob o risco de entrada no ostracismo. Aos torcedores, no entanto, é dado o direito de protestar, ainda que, daqui das arquibancadas, nossos gritos não ganhem muita força.

O meu protesto tem esse jeitão meio mofado de quem acha que o espetáculo é mais importante que o título, que o espírito de equipe vale mais que o talento individual e que a dignidade deve ser mantida mais que a conta milionária no banco. Quero ver o Nilmar, e tantos outros, fazendo lindas jogadas com a bola e não driblando os jornalistas para não falar sobre as negociações com os Kias.

Nelson Rodrigues acreditava que a seleção era a Pátria de Chuteiras. Modestamente, sugiro uma mudança nessa máxima. Na década de 1950, quando superamos o complexo de inferioridade ganhando a primeira Copa do Mundo, o futebol era motivo de orgulho para o povo brasileiro. Hoje, as chuteiras dos representantes da Pátria no mundo do futebol são da Nike, da Umbro, da Adidas e ilustram bem a relação do jogador com o seu esporte. Que me perdoe Nelson Rodrigues, mas torço para que a nova geração de craques possa representar a Pátria sim, mas de Kichutes. Com cadarços amarrados nas canelas.



(Publicado originalmente no JORNAL TRIBUNA DE RIBEIRÃO, em 21/01/2007)

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