A ausência, quando chega, nos preenche de vazio, nos absorve com o nada e nos abastece de saudade. O vazio desponta na curta distància de tempo entre a aflição e a amargura, e nas recordações que se mantém cada vez mais vivas.
A ausência maltrata quem fica a relembrar e aguçar a memória, indo ao encontro do passado. Dói no coração e sacrifica a alma, angustiando os amigos que estão presentes. Vem cheio de desconfortos e devaneios silenciosos num encontro a sós com soluços suaves de melancolia. É como um buraco negro cheio de universo e imensidão. A saudade não pede licença e não bate à porta, chega sem avisar e nos acompanha nos momentos que nos afligem e nos desmorona perante a vida.
O vazio está na simplicidade da sala, onde comíamos as deliciosas ambrosias e os saborosos doces de abóboras, tomávamos chá com bolachas ou bolos de milho nos finais de tarde. Está no repouso das almofadas sobre o sofá e no silêncio da televisão desligada. Na nostalgia quieta da cozinha onde conversávamos nas manhãs ouvindo o ruído da panela de pressão no seu ofício de cozinhar o feijão. O vazio, ali está, nos ramos de cidreira, marcela e erva doce, nos pacotes de erva para o mate, nos sacos de biscoitos, nas compotas de figo solitárias nos armários e na garrafa de licor, a espera dos paladares insaciáveis nos aniversários ou almoços nos domingos.
O sentimento de vazio está no sossego da velha cómoda, na cristaleira com louças e cristais antigos, nos castiçais no aguardo das velas para orações, nos guardanapos engomados e guardados, nos cobertores sem uso a espera de uma visita, no guarda-roupa com agasalhos intocados aguardando uma ocasião especial e nos perfumes com suas fragràncias doces aromatizando o interior das dependências. Está nos álbuns antigos, na bengala esquecida atrás da porta do quarto e na foto cinquentenária amarelada na cabeceira da cama. Sentimos um vazio manifesto nos objetos e móveis que ficaram e que continuarão intocáveis porque uma agressão a lembrança pode nos fazer chorar.
O vazio está na cadeira de balanço solitária num minúsculo compartimento cheio de quietude. No vaivém das agulhas e novelos de lã formando mantas e blusões aquecendo o nosso inverno inclemente. Está nas violetas em pequenos vasos distribuídos sobre o parapeito, nas samambaias vivas e caídas sobre os tripés e nos lírios da paz que simbolizam a nossa serenidade. Nas chamativas pantufas verdes aquecendo as breves caminhadas pelas penumbras dos aposentos. Enquanto a noite avança lentamente com a chuva que cai lá fora, o vazio está no plic plic das goteiras em um balde no meio da varanda e no ruído da água precipitada mansamente sobre o telhado de zinco do galpão.
Sentimos o vazio na Rede Vida na hora da Ave Maria, nas cantigas cristãs do Padre Zezinho, no terço verde esperança presenteado pelos netos, na Santa Ceia adormecida sobre o bidê e na devoção à Santa Rita.
Enfim, o vazio está na ausência, mas também está na saudade duradoura que nos entristece, nos conforta e acalma para prosseguirmos, viandantes, pelas trilhas da vida, com coragem, dedicação, solidariedade e fé.