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Infanto_Juvenil-->O cavalo encantado -- 19/03/2002 - 21:49 (Odir Ramos da Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
(Recolhido da tradição árabe)

Com títulos vencidos, os negócios arruinados, um comerciante de Damasco amanheceu o dia desesperado. Não via saída para interromper a série de humilhações. Os credores batiam-lhe à porta, vinham cheios de reclamações; os empregados exigiam pagamentos, abandonavam o trabalho; a vizinhança cochichava, sorridente; os amigos desapareciam; a família sofria, calada; o comerciante queria morrer.

Sem perspectivas para superar as aflições, o pobre homem sentou-se numa pedra, desolado. De cabeça baixa, desejava que o chão se abrisse e ele fosse tragado desse mundo cinza, amargo, cruel.

Perdeu a noção do tempo em que passou mergulhado na depressão. Nem percebera que o sol caminhara de um horizonte a outro - no mergulho em que estava não havia sol, apenas névoas de chumbo.

Muito tempo transcorrera quando ele foi agitado por um forte estrondo. Ao seu lado. Ele olhou, viu surgir em meio a uma fumaça azulada um gênio muito alto, com a fisionomia muito serena. O gênio sorriu com dentes muito alvos e disse:- Você tem sido um bom homem, sem culpa da falta de sorte que lhe marcou a vida. Vou me transformar num belo cavalo de raça, você me leva ao mercado, me vende. Exija uma soma bastante elevada, com o dinheiro apurado salda seus compromissos, reorganiza a vida. Mas, lembre-se: não fique com este cavalo, não se deixe seduzir pela sua simpatia.

Ainda antes de se refazer do susto, o comerciante foi sacudido por novo estrondo. O gênio desaparecera. Em seu lugar, a fumaça rodopiava, se tornava sólida, ganhava formas eqüinas de cima para baixo: as patas, as pernas, barriga, dorso, crina, a cabeça - o corpo de um belíssimo cavalo se formou. O bicho de pêlo lustroso olhou para ele, com olhar de candura e simpatia, deu um relincho de saudação, duas espanadas do rabo, e riu.

O comerciante esfregou os olhos para conferir se não estava delirando. Não estava. O cavalo chegara com o sorriso do convidado que vem para resolver problemas.

O riso do cavalo afugentou de vez o amargor do comerciante, que se levantou da pedra. E riu também.

A beleza do cavalo era inigualável: o porte majestoso de animal de alta linhagem; os arreios novos cravejados de rubis; a crina sedosa parecendo cabelo de odalisca; os cascos calçados de ferraduras de prata.

O comerciante não titubeou, decidido a seguir a orientação do gênio. Horas depois entrava no mercado, inflado de orgulho cavalgando o belo animal.

As atenções gerais voltaram-se para a dupla recém-chegada. Admiravam-se como o negociante, sabidamente em dificuldades financeiras, conseguira aquele animal tão majestoso. Mas o que dominava mesmo os comentários era o olhar misterioso com que o cavalo fitava as pessoas. Formou-se roda em torno, examinavam o bicho dos pés à cabeça, viam-lhe os ornamentos, a qualidade dos dentes, as condições das ferraduras. E o olhar, inteligente, com um quê de sagacidade, impressionava, magnetizava os admiradores.

Sem que o orgulhoso proprietário pedisse qualquer oferta, logo começaram a surgir propostas para compra do animal. Estabeleceu-se acirrado leilão, todos queriam levar o cavalo para casa.

Dois homens mais endinheirados sobrepujaram os demais com altos lances. O pregão reduziu-se à disputa entre eles, dispostos a gastar qualquer quantia para levar o cavalo para casa.

Venceu a contenda o mercador de marfim estabelecido em Ispahan. Para satisfazer o capricho e se tornar proprietário do cavalo, o negociante de Ispahan pagou com duas barras de ouro acrescentando elevada soma em dinares. O antigo dono recebeu os bens, sorriu para o cavalo, que devolveu com olhar cúmplice, e retornou muito feliz para sua casa. Graças ao gênio, a falência era coisa superada. Graças ao gênio e, sobretudo, ao cavalo risonho, a vida voltava-lhe a sorrir.

O novo proprietário do cavalo, orgulhoso com a aquisição, apressou-se em ir para a casa, em Ispahan. Lá chegando, amarrou o bicho no chafariz, acendeu o narguilé e ficou a admirar a bela compra que acabara de fazer. Por ser homem bem-posto na vida, sem maiores preocupações, resolveu deliciar-se em admirar o cavalo, conhecendo-lhe os hábitos, ofertando-lhe torrões de açúcar e palavras carinhosas.

E assim passaram-se vários dias, o homem sentado cachimbando o narguilé, maravilhado com o cavalo preso ao chafariz.

Por sua vez, amarrado e exposto à admiração do endinheirado, o animal limitava-se ao trivial de todo o cavalo, sem sorrisos ou simpatias. Apenas comia e descomia o capim, bebia e desbebia a água, coisas banais de qualquer pangaré.

Certo dia, ao sugar forte cachimbada no narguilé, o mercador de marfim, sobressaltado, engasgou-se com a fumaça por causa da cena que presenciava. Arregalou os olhos, assombrado. Não acreditou no que viu: o belo cavalo diminuía, estava encolhendo, rapidamente baixava à altura de um potro, minguou para o tamanho de um bode, reduziu-se igual a um cachorro, desmilinguiu-se para o porte de uma lebre.

Abismado, aflito, o negociante abandonou o narguilé, correu esbaforido para junto do pequenino animal. Queria apanhá-lo nos braços, interromper de alguma forma a feitiçaria que o encolhia.

O cavalinho, já diminuído como um colibri, assustou-se com a movimentação do admirador, deu um pinote, caiu dentro do chafariz.

Desesperado, o homem tentou segurá-lo, não conseguiu. O bichinho afundou soltando borbulhas. Assim: glug...glug...glug...

Em vão, o negociante de marfim quis agarrá-lo. O potrinhozinho desaparecera, sumido nas águas do chafariz.

Ao ver seu majestoso patrimônio minguar feito um camundongo, o mercador de marfim desandou a gritar, com medo que o cavalinho morresse afogado:

- Ajudem-me... meu cavalo encolheu e caiu no chafariz! Ele vai morrer afogado! Ajudem-me! Socorram o meu cavalinho!

Imediatamente acudiram vários criados da casa, parentes, amigos e vizinhos. Esforçavam-se, em vão, para acalmar o homem. Tentaram convencê-lo do absurdo da história, alguns a atribuíam aos efeitos maléficos do excesso de narguilé. Por mais que o homem repetisse o fantástico relato, não lhe davam crédito. Apostavam que o cavalo fora roubado, que escapulira das rédeas, que retornara à casa do antigo dono. O homem insistia, teimava, com a história da queda no chafariz do cavalo encolhido, inutilmente. Diante do quadro, pensou-se em demência, decidiram chamar o médico para examiná-lo.

O médico chegou. Pacientemente, auscultou-lhe o peito: nada. Ouviu a história: perdeu a paciência. Chamou os familiares, prescreveu, cheio de certezas:- Camisa-de-força e hospício. Já!

O pobre coitado esperneou, esgoelou-se que não estava louco. Enfiaram-lhe a camisola de lona. Levaram-no para o hospício, aos berros.

Por recomendação médica o homem deveria ser mantido em observação no manicômio pelo prazo de quinze dias. Ao fim do período, o médico iria vê-lo.

Assim aconteceu. O mercador dos valorizados dentes de elefante de repente se viu cercado de loucos desdentados, cada qual com sua razão para não estar ali.

A lengalenga do cavalinho encolhido, na verdade, era a que mais justificava a presença do autor.

No dia marcado para a revisão clínica, o médico foi vê-lo e perguntou logo no início da consulta:

- E o cavalo?
- Encolheu e caiu no chafariz.
- Você confirma? - indagou o médico.
- Perfeitamente.

O médico encerrou a visita com nova recomendação: mais quinze dias de manicômio.

Durante os oito meses seguintes, a cada quinzena o médico voltou a examiná-lo, e a história se repetiu:- O cavalo?

- Encolheu e caiu no chafariz.
- Mais quinze dias de internação.

Desiludido por não ser levado a crédito, o infeliz negociante de marfim passou apenas a desejar cair fora do meio daqueles doentes. Só não sabia como.

Um belo dia, acordou com a grande idéia! Sairia do hospício. O cavalo que fosse às favas! Havia consulta, logo o médico chegou:

- E o cavalo ? - o exame começou com a pergunta de rotina.
- Sumiu, doutor.
- Não caiu no chafariz? - estranhou o médico.
- Como o cavalo poderia cair no chafariz? Ele sumiu, não sei dele.
- Você tem certeza?
- Absoluta. Só um louco poderia acreditar que um cavalo coubesse no chafariz. O senhor acredita, doutor?
- Eu? Bem... - o médico hesitou, mas recuperou-se a tempo: - O senhor está curado.

Assinou a alta do paciente. Considerou-o com o juízo restabelecido.

Ao chegar à casa, da qual estivera afastado por tanto tempo, a primeira providência do negociante de marfim foi arrumar o narguilé e sentar-se no lugar de sempre, defronte ao chafariz.

Estava ele absorto no narguilé e cachimbando a vida, quando notou movimentação dentro do chafariz. Firmou a vista: da água ia emergindo a cabeça do cavalinho, que afundava e tornava a emergir, várias vezes.

O negociante abanou a cabeça, negativamente. Levantou-se, recolheu o narguilé, soltou um muxoxo com muito desdém, resmungou: - ó desgraçado! Comprei-te para que admirassem a imponência de um cavalo de rei, mas se queres viver como peixe, problema teu. Fica aí como um cavalo marinho. Não quero passar por louco. Ninguém jamais ouvirá da minha boca o que acabo de ver.

Virou as costas, foi arrumar lugar menos assombrado para pitar a solidão.

O animalzinho encantado colocou a cabecinha sobre a borda do chafariz, viu o negociante de marfim se afastar resmungando rabugices. Depois, sorriu muito travesso, e retornou à água, feliz como um lambari.


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