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Artigos-->O buraco da Maria Farinha -- 18/05/2007 - 17:58 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
No Litoral Norte de São Paulo, há um bichinho que vive de cavar buracos na areia e esconder-se dentro. Parece um siri em miniatura e deve ser algum parente do caranguejo. Para construir seus pequenos túneis beira-mar, esses estranhos seres usam todas as patas que têm e movimentam as areias claras das praias mais badaladas de Ubatuba, Caraguá, Maresias e outras do circuito. Graças ao agito do pó amarelado, ganharam o nome de Maria Farinha. Alguns conhecem como Guaruçá. É possível que haja outros nomes para a mesma criatura ao longo desses milhares de quilômetros de costa. Batize-o como achar melhor, mas se estiver trocando o caos dos aeroportos por uma viagem de carro pela Tamoios neste fim-de-ano, peço que observe o comportamento da Maria Farinha. Sugiro a praia de Itamambuca, em Ubatuba, saindo para Parati. Um festival de surfistas amadores nas ondas quase radicais e de Guaruçás amalucados na areia. Numa caminhada ponta a ponta, você verá centenas de sirizinhos correndo das águas para as tocas assim que percebem qualquer movimento. Andando de lado, olhões telescópicos, eles existem para fugir do contato com qualquer coisa que não seja grãos de areia ou água salgada. Cenas mágicas que se assiste em viagens.

Viajar é arte para poucos. Eu mesmo nunca tive um espírito aventureiro e sempre achei que o lugar mais confortável do mundo era a sala de minha casa e que as melhores trilhas eram aquelas que me levavam à geladeira. Tanto trabalho durante a semana que, em dias de folga, descanso e nada para fazer eram uma benção. Aos poucos, com a ajuda de minha mulher e um pouco de boa-vontade, venho percebendo que posso ser um artista da exploração de novos lugares. Essa nova postura começou com a adoção de um lema: entre ir e não ir, ir. Sempre.

Outra noção que me parece fundamental a quem se propõe a apreciar melhor as viagens curtas é a de tempo. O relógio de quem viaja deve correr mais lento, mesmo que a fugida seja apenas por um fim de semana. A pressa é inimiga do aventureiro. Quem corre não aprecia a paisagem, quem não tem paciência perde os detalhes. E não há nada melhor numa boa viagem que os detalhes que só você pode registrar, pois o registro dos detalhes não funciona do mesmo jeito para todos. Além disso, ser fast é coisa de quem está trabalhando, cumprindo agenda. Por isso, não gosto nada de excursões que obrigam os participantes a respeitar horários, quarenta minutos no museu, trinta na praça, quinze no banheiro, até chegar a uma tão esperada “tarde livre”. Quando viajo, quero todas as tardes, manhãs e noites livres, leves e lentas.

Sem querer transformar esse texto num repertório de dicas para mochileiros, algo que nem poderia redigir pois sou neófito em viagens que não sejam em missão profissional, registro mais essa sensação: o importante de cada lugar, antes das paisagens e dos pontos turísticos, são as pessoas. São elas que dão sentido a cada passeio. As pessoas que o acompanham e que são queridas, claro!, e aquelas que encontramos em cada parada. No final de uma trilha de uma hora que sai da Praia Fortaleza – ainda estamos em Ubatuba! - e leva à Praia do Cedro, há o Seo Sebastião Serafim, um negro descendente de escravos que toca o único estabelecimento do lugar, planta milho, faz artesanato. De volta à Praia Fortaleza. O Guarabira, da dupla Sá e Guarabira, abriu uma pizzaria e recebe fregueses metade famintos, metade fanáticos para refeições e autógrafos. Ficamos sabendo da trilha e do restaurante através da gente que mora e trabalha por ali. Você pode passar por esses lugares e nem notar as pessoas. Permitindo-se, no entanto, sua viagem não será, nunca!, igual à viagem de outro. O encontro de pessoas também nunca é igual.

Enquanto conhecemos novas pessoas, em novos lugares, a Maria Farinha continua em seu buraco, arredia e obstinada em se afundar mais e mais na areia. Parece até esse povo que, pleno verão, fica em casa, controle remoto numa mão, cerveja quente na outra, esperando começar a reprise dublada do Náufrago. Cada siri com o buraco que escolheu.

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