Em poucos minutos teríamos o início da conferência "Um outro Brasil é possível" no Fórum Social Mundial. Como conferencistas Lula, Olívio, Maria da Conceição Tavares e Luiz Gonzaga Belluzo.
Estou absorto folheando a revista do Fórum. Uma senhora cruza em minha frente, cabelos brancos, um sorriso tornava sua fisionomia simpática quando pedia licença para passar por entre as cadeiras. Anda lentamente e senta-se próximo a mesa coordenadora dos trabalhos.
Fico imaginando, o que faria uma pessoa daquela idade vir participar desta agitação que é o Fórum Social Mundial? Obtenho a resposta quando Lula, em seu pronunciamento, cita D. Clara, companheira de Marighela, como exemplo de vida e dedicação. A senhora de cabelos brancos levanta-se e acena para platéia.
No final da conferência conversei alguns minutos com dona Clara.
Filha de judeus russos está com 76 anos e é filiada ao PT. Após a volta do exílio, que durou 9 anos em Cuba, dedica-se a desfazer a imagem que a repressão formou de seu companheiro, como sendo um homem mau e assassino. Contou-me que Marighela foi o primeiro brasileiro a resistir contra a ditadura. Foi uma pessoa que viveu na miséria e sempre conclamou o povo a lutar. Não terminou o curso de engenharia por causa da luta. Com uma ponta de saudade nos olhos contou-me, ainda, que seu companheiro era poeta. Guardava com muito carinho vários poemas escritos por ele, inclusive algumas provas de química e física respondidas em verso. Esta memória a ditadura escondeu por todos os anos de repressão.
O bate-papo estava bom, mas dona Clara estava cansada e pediu licença para se retirar. Tiramos uma foto. Muito sorridente, deu-me seu cartão do PT.
"Clara Charf
Sec. de Relações Internacionais
Sec. Nacional de Mulheres"
E se foi, andar lento e cabelos prateados.
Quando estou saindo do prédio, numa banca com bótons, camisetas e cartazes, uma das fotografias chamou-me atenção pela inscrição contida no pé da imagem: "Nunca tive tempo de ter medo" acima, a foto de Carlos Marighela.