Usina de Letras
Usina de Letras
115 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62231 )

Cartas ( 21334)

Contos (13263)

Cordel (10450)

Cronicas (22537)

Discursos (3239)

Ensaios - (10367)

Erótico (13570)

Frases (50629)

Humor (20031)

Infantil (5434)

Infanto Juvenil (4768)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140805)

Redação (3306)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6190)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->As Canções de Fim de Noite - Feitas Para Você -- 21/05/2002 - 10:32 (Davi Kendy Yorozuya) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
As canções de fim de noite – Feitas para você
(Davi Yorozuya)

Fecho os olhos.
A realidade abstrai e me abandona.
Crio forças através das lembranças, saudades e pensamentos.
Assim, de forma insana,
sou levado para bem longe deste corpo
inválido, errante e hemorrágico.


É por causa dela que crio esta viagem alucinada, em tão breve instante entre a vida e a morte, tão desesperada como o último suspiro. Lembro-me da primeira vez em que trocamos olhares, em um leito hospitalar, ainda muito criança. Visitava-me todas as noite em que me encontrava sozinho. Nestas as ocasiões, sentia medo e um frio no coração.

Quando cresci, passei a notar outros tipos de mulheres em minha volta. Consigo lembrar de todas que reinaram em minha mente: Viviane, Andréia, Rita, Ana, Márcia, Joana, Julia. Até existiu uma Cláudia em que persegui durante anos. Foi quando eu a vi nos braços de um outro alguém que minha antiga conhecida de infância me afagou com tanta força que senti medo e um frio no coração.

Desde aquele tempo, ela tornou-se uma companheira insistente. Por mais que tentava ter com outras mulheres, lá estava a ciumenta que me envolvia com seu ar de mistério e silêncio. Não tinha o porquê e como, mas ela estava comigo , o tempo todo. Comecei a ter dificuldades para dormir, sentia uma alegria e uma tristeza profundas e inesperadas. Muitas vezes me sentia agoniado pela sua forte presença.

No princípio, não conseguia dar forma , cor ou sentimentos à ela. Para alguns é Solidão. Outros , Dor e Paixão. Dizem que é Amor, mas às vezes vira Desejo, Canção e Desespero. Para mim é uma Mulher. Simplesmente não consigo ver outra forma. Talvez pelo fato de me extasiar falsamente á noite e de dia fazer falta. Principalmente por me deixar completamente perdido.

Ela me fez romper com tudo e me desligar de todos os lugares.

Passei a vaguear feito um doente terminal pelas rua escuras e violentas, só para ter a companhia dela. Apaixonei-me, enfim pelo seu jeito de andar, pela sua maneira misteriosa e silenciosa que maltratava meu coração. Aquele medo do início virara melancolia. O frio foi dissipado pela paixão.

Os ciúmes dela afastava todos de mim. A sua possessão compulsiva às vezes me sufocava. Costumei ir aos bares para beber, mas ninguém fazia questão de me notar. Somente ela estava ao meu lado, sempre me colocava pra dormir nas calçadas frias e sarjetas da madrugada.


Foi num desses dias, quando estava no bar, uma senhora sem os dentes me perguntou:
“ – Vamos meter ?”
“ – Estou acompanhado e sem dinheiro . Não vê ?” – respondi
“- É, só olhando pra você, dá pra perceber...”.

De repente surgiram vários homens encapuzados e começaram a dar rajadas de metralhadoras e escopetas. Não sei dizer quantos tiros tomei, mas tombei em um lago de sangue onde muitos já jaziam, liquidados.

Não conseguia sentir nada, apesar de minhas vísceras estarem para fora. Meus braços não movimentavam e já não tinha uma das mãos.

O que me impressionou foi ver minha amada ajoelhada perto de mim. Posso ainda sentir suas mãos em meu rosto. Queria finalmente abraçá-la e beijá-la, mas não conseguia me mover. Posso imaginar sua voz, apenas pelo seu murmurar. O que antes era uma amante indiferente, agora era só pranto.
Pensei:


“Se és minha companheira, de forma tão íntima e intensa, és capaz de ouvir e sentir meus pensamentos:
Eu... nunca conversei abertamente contigo. Também você nunca falou. Não é a toa que dizem que a Solidão é um silencio profundo.
Você sempre esteve presente em minha vida. Nem mesmo sei o seu nome. Acho que nem nome você tem...
Sei que é uma sandice, mas é assim que te vejo: Neste breve momento, entre minha vida e a morte, você será Luciana. Teus cabelos e teus olhos são escuros como uma noite de amor. Tua tez morena é o que me faz caminhar por todos estes becos escuros e violentos. Teus seios e tua boca incomodaram meu sono, mas deram sonhos, que me fizeram perdido e sozinho ao teu lado, durante todos os dias de minha vida. Tua língua me inebriava como uma papoula suave e uma embriaguez. Assim, as sarjetas e calçadas tornaram uma cama macia e quente. Bem sei que conheceste outros homens... muitos até te repudiaram. Mas ninguém ousou a chamar-te por um nome, nem de dar-te uma forma tão bela de vida, nem de te estimar tanto quanto eu.”


Mas assim que minha respiração tornou-se ofegante e difícil feito um orgasmo, ela saiu arisca ainda chorando muito, correndo. Como que se sentindo traída, pelo fato de eu estar esquecendo-a... É que na morte a gente esquece.

"- Me socorre... me ajuda..." – Ouvi esta voz desesperada, no chão ensangüentado, que como eu, será apenas um número matemático entre as dezenas de estatísticas inúteis sobre os chacinados aos sábados na capital, no fim da noite.

A vitrola do bar, crivada de balas, ainda tocava. É o baile do horror e sangue. No embalo de meu sono sem sonhos, escuto uma velha canção:

"Fecho os olhos pra não ver passar o tempo
Sinto falta de você
Anjo bom, amor perfeito no meu peito
Sem você não sei viver
...
Vem, que nos seus braços
Esse amor é uma canção
E eu não consigo te esquecer
Cada minuto é muito tempo sem você
sem você
vem..."

Neste último momento, eu a vejo de mãos dadas com um outro alguém, talvez com meu próprio algoz. Vejo minha cova rasa, sem identificação. Ainda entoa do bar uma outra canção de fim de noite, feita especialmente para ela:

"Oh pedaço de mim
Oh metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi

Oh pedaço de mim
Oh metade afastada de mim
Lava os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor

Adeus... "

----------
Canções:
Amor Perfeito – Roberto Carlos
Pedaço de Mim – Chico Buarque de Holanda


Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui